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Efeito da intercamada de nanopartículas de alumínio na formação do filme fino de poliamida em membranas de osmose reversa para a melhoria da resistência à bioincrustação

Resumo

A crescente demanda por água doce para as atividades humanas está colocando uma gradativa pressão em fontes convencionais de água. Com o aumento da preocupação com a sustentabilidade do suplemento de água, há um aumento no interesse de produzir água por fontes não alternativas como água do mar, água subterrânea e efluentes secundários. Tais fontes alternativas geralmente são caracterizadas pela elevada concentração de sais e contaminantes que necessitam ser removidos por processo de dessalinização por osmose reversa. Dessa forma, as incrustações em membranas de osmose reversa são um dos principais problemas envolvidos no custo da aplicação dessa tecnologia. Para contornar esse problema a modificação da superfície das membranas compósitas de filme fino de poliamida (TFC-PA, sigla em inglês para Thin film composite polyamide) tem-se mostrado uma estratégia interessante para diminuir da incrustação. A aplicação de uma intercamada composta de nanomateriais na superfície da membrana suporte como uma base para a polimerização interfacial de formação da poliamida, promove mudanças em suas propriedades, que podem resultar na melhoria de membranas de dessalinização. Estudos têm mostrado que a permeabilidade e a seletividade da membrana podem ser aumentadas com a utilização uma intercamada de nanomateriais. Por outro lado, o potencial do uso dessa abordagem para melhorar as propriedades da membrana de poliamida no que se refere à incrustação e bioincrustação são pouco compreendidas. Nesta tese, foi investigado como o uso de uma intercamada inédita de nanopartículas de alumínio (NP-Al) como base para o processo de polimerização interfacial afeta a propensão à bioincrustação e a incrustação orgânica das TFC-PA. O desempenho foi avaliado por ensaios estáticos de deposição de bactéria e proteína, assim como bioincrustação dinâmica em sistema de filtração por OR. Dentre as três concentrações de NP-Al testadas, a incorporação de NP-Al em baixa e média concentrações apresentaram redução na adesão de bactéria e proteína, enquanto que na maior concentração de NP-Al, ambas as adesões de bactéria e proteína aumentaram. Tendência similar foi observada em condições dinâmicas de filtração, com baixas e médias concentrações de NP-Al, apresentando menor declínio de fluxo e menor formação de biofilme comparado com o controle e com membranas com elevada concentração de NP-Al. A melhoria das propriedades anti-incrustantes dessas membranas foram correlacionadas com mudanças na energia livre de coesão da camada de poliamida formada sobre a intercamada de NP-Al. Os resultados demonstram que utilizando uma intercamada de NP-Al, a química da superfície da poliamida pode ser alterada de maneira a reduzir a incrustação da membrana. Contudo, há um limite na quantidade de NP-Al incorporada na intercamada, resultando no aumento da incrustação devido ao efeito da aglomeração da NP-Al na estrutura da poliamida. Os resultados dessa tese trazem novas percepções em como nanopartículas podem ser adicionadas como base para a polimerização interfacial da poliamida com o intuito de melhorar a performance de membranas de dessalinização sem exposição de nanopartículas na superfície.

Introdução

A crescente demanda de água doce para atividades humanas, as quais incluem o consumo direto, a pecuária, a irrigação, e as atividades industriais, estão colocando uma gradativa pressão em fontes convencionais de água (SHANNON et al., 2008; WARSINGER et
al., 2018).

O Brasil, apesar de possuir a maior disponibilidade de água doce do mundo (12%), também vem sofrendo com escassez hídricas em certas regiões em razão da disponibilidade hídrica não ser homogênea espacial e temporalmente no território. O crescimento das demandas hídricas no país, sobretudo do agronegócio e da crescente população, contribui para aumento do estresse hídrico (ANA, 2019). A alta vulnerabilidade decorrente de um balanço hídrico desfavorável, associada a baixos investimentos em infraestrutura hídrica, principalmente dos sistemas de produção de água, e com períodos de precipitações abaixo da média, estão conduzindo a períodos escassez hídrica cada vez mais frequentes, como verificado em diversas regiões do país nos últimos anos, inclusive no estado de Santa Catarina.

À medida que as preocupações sobre a sustentabilidade do suprimento de água crescem, há um aumento no interesse de produzir água potável de fontes alternativas como água do mar, água salobra (subterrânea e superficial) e efluentes domésticos. Essas fontes alternativas
geralmente são caracterizadas pela elevada concentração de sais, as quais resultam na necessidade do uso de processos de dessalinização para torná-las próprias para o uso.

Atualmente, a tecnologia mais utilizada para dessalinização é a osmose reversa (ou osmose inversa) devido à elevada eficiência energética e desempenho bem estabelecido em comparação com métodos termais (GOH et al., 2019; WANG et al., 2018b). Apesar de no momento atual a osmose reversa dominar o mercado de dessalinização em diversas aplicações (QASIM et al., 2019), ainda é um processo de elevado custo de implantação e operação. Assim, o desenvolvimento de novas técnicas de fabricação que possam diminuir os custos das operações da osmose reversa podem tornar a dessalinização mais acessível para uma escala de aplicações mais ampla (WENTEN; KHOIRUDDIN, 2016).

Dentre os fatores que contribuem para elevar o custo operacional da osmose reversa, destaca-se a bioincrustação (FLEMMING, 2020), que consiste na adesão e proliferação de microrganismos na superfície da membrana, onde se desenvolvem como uma comunidade
heterogênea em uma matriz feita de substâncias poliméricas extracelulares (EPS) (GOH et al., 2019; YU et al., 2018). A bioincrustação acarreta na queda de pressão através da membrana, resultando na necessidade de aumentar a pressão aplicada de modo a manter um constante fluxo de permeado (YU et al., 2018), e também afeta a qualidade do permeado por meio do acúmulo de íons na superfície da membrana, que é conhecido com polarização de concentração por aumento de biofilme (HERZBERG; ELIMELECH, 2007; LI et al., 2016a). Além das complicações com a estrutura e eficiência da membrana, outros aspectos operacionais como a necessidade de pré-tratamento específico, o excesso de químicos utilizados de forma preventiva e o tempo de inatividade durante as limpezas, contribuem para o elevado custo do processo (FLEMMING, 2020; ZHAO et al., 2020). Esforços significativos têm sido feitos para reduzir a
bioincrustação em sistemas de osmose reversa, como a melhoria do pré-tratamento (ANIS; HASHAIKEH; HILAL, 2019), otimização de condições operacionais (SAEKI et al., 2016) e modificação das propriedades da superfície das membranas (GOH et al., 2019).

Os métodos de modificação de superfície são principalmente baseados na incorporação de materiais hidrofílicos na matriz polimérica da poliamida (BAEK et al., 2017; WANG et al., 2018a) ou no recobrimento de nanomateriais biocidas na superfície da membrana
(PERREAULT; TOUSLEY; ELIMELECH, 2013). Apenas recentemente o uso de uma intercamada como base para modificação da formação de poliamida vem ganhado destaque devido ao promissores resultados de permeabilidade e rejeição de sais, e por diminuir a
exposição de nanopartículas na superfície da membrana, as quais podem ser lixiviadas (SHARABATI et al., 2019). Algumas estratégias anteriormente testadas para controlar a formação do filme fino de poliamida incluem o uso de nanotubos de carbono (AL AANI et al., 2018; WANG et al., 2018b; WU et al., 2016), nanopartículas de prata (YANG et al., 2019) e nanocristais de celulose (WANG et al., 2017).

Apesar dessas estratégias reportarem mudanças no filme fino de poliamida pela intercamada associadas à propensão à bioincrustação como a hidrofilicidade (AL AANI et al., 2018), a morfologia (LIANG et al., 2020; WANG et al., 2018b) e a rugosidade (ZHU et al., 2016b), pouco se sabe sobre como a presença de uma intercamada pode afetar na propensão à incrustação das membranas.

De maneira a preencher a lacuna a concernente a estudos que investiguem a potencial dessa configuração de membrana para o controle da incrustação, este estudo foi desenvolvido visando investigar o efeito de uma intercamada de nanopartículas de alumínio (NP-Al) entre o suporte de polissulfona e o filme fino de poliamida nas propriedades relacionadas à incrustação da superfície da membrana de osmose reversa. A NP-Al foi selecionada para a formação da intercamada devido à sua hidrofilicidade, a qual é desejada para uma intercamada, e devido ao baixo custo do sal precursor para sua formação in situ.

Ainda, apesar de recobrimentos de superfície de membranas estarem sendo utilizados como estratégia para incorporar propriedades nas membranas de osmose reversa e melhorar suas propriedades anti-incrustantes, os recobrimentos podem ser lixiviados ou degradar com o
tempo. Já a estratégia de modificação da membrana utilizando uma intercamada modifica as propriedades da superfície sem estar exposta na superfície, podendo resultar na resistência da incrustação por períodos mais longos e minimizar os impactos da incrustação em membranas de dessalinização.

Os resultados obtidos poderão contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias de controle de incrustação em membranas de osmose reversa tornando o processo mais viável e aumentando a possibilidade de utilização de fontes alternativas de água para o uso e para a diminuição do estresse hídrico de águas superficiais.

Observando este cenário, estudos do grupo de pesquisa do Laboratório de Toxicologia Ambiental (LABTOX) vêm sendo realizados sobre o desenvolvimento de membranas de nanofiltração e osmose reversa objetivando a redução do potencial tóxico da lixiviação dos
nanomateriais utilizados na modificação das membranas (COSTA PUERARI et al., 2020; GONÇALVES, 2018; OLIVEIRA, 2016). O projeto contou com a colaboração da School of Sustainable Engineering and the Built Environment da Arizona State University, onde foi
realizado o Doutorado Sanduíche (PROJ-CAPESPRINT 1035958P) sob a orientação do Prof. Dr. François Perreault que desenvolve estudos relacionados a melhoria da resistência à bioincrustações de membranas de filtração.

Autora: Naiara Mottim Justino.

 

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