NOTÍCIAS

Como cidades brasileiras estão transformando lixo em energia

Como cidades brasileiras estão transformando lixo em energia

Fortaleza (CE) e Seropédica (RJ) utilizam matéria orgânica para gerar biogás e reduzir emissões de poluentes. Expansão de modelo esbarra em desafios estruturais e regulatórios.

É viável em todo Brasil?

A expansão do biogás e do biometano no Brasil, embora promissora, enfrenta desafios estruturais e regulatórios.

Estimativas da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás) apontam que é possível produzir mais de 120 milhões de metros cúbicos de biometano por dia, volume suficiente para atender até 70% da demanda de diesel do país.

Porém, como destaca Nery, a adoção dessa tecnologia em outras cidades e centros urbanos depende da coleta eficiente e da separação adequada dos resíduos, da quantidade de matéria orgânica disponível e da infraestrutura e demanda para escoamento do gás. “O biometano requer um grande volume de resíduos orgânicos para que a produção seja viável e tenha escala”, explica.

Além disso, há obstáculos logísticos, especialmente pela concentração dos gasodutos no litoral. Isso torna mais desafiadora a implementação de usinas em cidades menores e no interior. “Cidades pequenas precisam se conectar aos aterros regionais já existentes ou em construção, pois soluções individuais seriam economicamente inviáveis”, diz Maranhão, da Abrema.

“Muitos Estados ainda estão em fase inicial de discussão sobre o biometano”, pondera Nery. “É um mercado relativamente novo, mas está numa tendência de crescimento.”

Internacionalmente, o Brasil ainda está começando, mas outros países já adotam modelos semelhantes com sucesso. Na Alemanha, por exemplo, 99% dos aterros sanitários capturam metano para gerar energia, e o país apresenta uma taxa de reciclagem de 67%. Nos Estados Unidos, muitos aterros geram eletricidade e biometano para abastecer frotas de caminhões e redes de gás.

O problema do lixo no Brasil

Embora os aterros sanitários sejam previstos como a solução ambientalmente adequada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), apenas 58,5% dos resíduos urbanos do país são destinados corretamente, segundo dados de 2023 da Abrema. O restante acaba em lixões a céu aberto ou em locais inadequados, ampliando os riscos ambientais.

Especialistas ouvidos pela DW apontam que um dos principais entraves para uma gestão mais eficiente do lixo é a falta de comprometimento dos municípios com a destinação correta dos resíduos, agravada pela ausência de financiamento para a infraestrutura necessária.

A cobrança pelo serviço de coleta e tratamento de resíduos, essencial para garantir sua viabilidade, ainda não é realidade em muitas cidades. Enquanto água, luz e telefonia são cobrados dos consumidores, a gestão do lixo segue sem um modelo sustentável de financiamento em diversos municípios, o que compromete os investimentos na área.

“Muitas prefeituras não cobram por esse serviço e acabam sem condições de cobrir os custos”, afirma Pedro Maranhão, presidente da Abrema.

Além da falta de recursos, outro problema é que mais de 95% do material coletado no país ainda é descartado no solo, sem reaproveitamento.

“Temos quase dois mil lixões ainda em operação no Brasil, e esse cenário reflete a ausência de estratégias adequadas por parte dos municípios”, pontua Carlos Silva Filho, presidente honorário da International Solid Waste Association (ISWA).

A reciclagem, apontada como uma solução para reduzir a sobrecarga dos aterros, enfrenta desafios econômicos. O alto custo da matéria-prima reciclada em comparação com a virgem torna o processo menos atraente financeiramente. Além disso, empresários do setor apontam que a bitributação sobre materiais recicláveis desestimula sua reutilização.

“A matéria-prima que já pagou imposto quando foi transformada em produto volta a ser tributada ao retornar como material reciclado. Isso impede avanços”, afirma Maranhão.

Transformar essa realidade requer planejamento e investimentos, dizem especialistas. Um estudo do Instituto Brasileiro de Resíduos Sólidos calcula que o Brasil precisaria de R$ 60 bilhões para atingir as metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que previa o encerramento de todos os lixões ainda em 2024 e a recuperação de 20% de recicláveis secos até 2040 (partindo de um índice de 2,2% em 2020). No entanto, ainda não há uma fonte de financiamento definida para viabilizar essa estrutura.

Silva Filho, da ISWA, vê grande potencial do setor de resíduos sólidos para a mitigação das emissões globais. Ele enfatiza que, além de reduzir suas próprias emissões, o setor pode ajudar outros segmentos ao substituir combustíveis fósseis e matéria-prima virgem.

“É fundamental fechar os lixões e avançar nas práticas de gestão de resíduos, para que o setor se torne um aliado no combate ao aquecimento global”, diz.

Fonte: DW


ÚLTIMAS NOTÍCIAS: