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Os recifes da Amazônia existem

Os recifes da Amazônia existem

E, diferentemente do que alguns fazem crer, estarão em risco se a Petrobras abrir novos poços de petróleo na região

Recentemente, fomos surpreendidos por declarações da diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia dos Anjos, questionando as contribuições humanas para a mudança climática e a existência de corais e recifes vivos na Amazônia. Os argumentos causam espanto pela fragilidade, por já terem sido refutados por evidências científicas e, acima de tudo, porque foram vocalizados por uma gestora da mais importante estatal do Brasil.

A discussão sobre os recifes entrou para o manual negacionista. A criação de falsas controvérsias prejudica o debate e planta dúvidas sem fundamento. Alegações de que os recifes da Amazônia não passam de uma “fake news” científica, como disse a diretora da Petrobras, são improcedentes e desconsideram a vasta literatura científica que atesta a existência e a relevância ecológica desses ecossistemas recifais, conhecidos no meio acadêmico como o Grande Sistema de Recifes da Amazônia (Gars, na sigla em inglês).

Recifes são estruturas rochosas rígidas construídas no fundo do mar por organismos vivos (por isso, são chamados recifes biogênicos). Servem como habitat para diferentes espécies e contribuem para a biodiversidade marinha, de modo que sua importância é frequentemente igualada à das florestas tropicais. Contribuem também com os seres humanos, servindo de fonte de proteína e substâncias bioativas, bloqueando a erosão costeira e atraindo turismo.

Os recifes formados por corais (animais coloridos da classe Anthozoa) são os primeiros que vêm à mente quando pensamos no assunto. Mas há evidências crescentes da contribuição de outros organismos – particularmente as algas calcárias – na construção de grandes sistemas recifais no Brasil e em outros países. É esse o caso dos recifes amazônicos.

Uma síntese da ciência sobre o tema pode ser lida no artigo The Great Amazon Reef System: A fact (O Grande Sistema Recifal da Amazônia: Um fato), de dezembro de 2022, publicado na revista Frontiers in Marine Science e assinado por 21 pesquisadores vinculados a mais de dez instituições científicas. Trata-se de um resumo das pesquisas que levaram à descoberta e à descrição do Gars, e uma reflexão sobre sua importância ecológica e os riscos ambientais que a exploração de petróleo traz para aquela região.

O Gars é conhecido há décadas graças ao trabalho de instituições de pesquisa brasileiras. Em 1970, o oceanógrafo Marc Kempf, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), relatou pela primeira vez a existência de um grande sistema recifal de algas calcárias ao longo da costa Norte e Nordeste do Brasil, contendo seis espécies de corais. Diversos outros estudos corroboraram a existência desses recifes desde então. A real extensão e a importância desse ecossistema marinho, no entanto, só foram reveladas recentemente.

Em abril de 2016, um artigo na revista Science Advances (An extensive reef system at the Amazon River mouth) fez a caracterização mais detalhada do Gars até o momento, descrevendo-o como um conjunto de ecossistemas recifais conectados ao longo da plataforma continental amazônica, com 9,5 mil km2 de extensão total. O estudo é assinado por 39 pesquisadores, vinculados a mais de dez instituições científicas. Em abril de 2018, um novo artigo na revista Frontiers in Marine Science (Perspectives on the Great Amazon Reef: Extension, Biodiversity, and Threats) apresentou as primeiras imagens do Gars, obtidas com submersíveis, e levantou a possibilidade de que o sistema seja ainda mais extenso e mais diverso ecologicamente do que se pensava.

Retrata-se ali um vasto mosaico de estruturas recifais formadas primariamente por algas calcárias, bancos de rodolitos e jardins de esponjas gigantes. Outros recifes importantes do Brasil são construídos principalmente por algas e outros organismos marinhos além dos corais, como é o caso do Atol das Rocas e de Abrolhos, ambos localizados no litoral do Nordeste.

Há, portanto, expressivas evidências biológicas e geológicas (colhidas por meio de imagens de vídeo, sondagens, dragagens e outras técnicas de pesquisa oceanográfica) que confirmam a existência de uma grande rede de ecossistemas recifais marinhos na Bacia Sedimentar do Amazonas. Questionar essas evidências é contribuir com a desinformação.

Os recifes da Amazônia, embora constituídos principalmente de algas calcárias, abrigam em abundância diversos grupos de corais, incluindo os “corais verdadeiros” (Scleractinia), os corais-negros (Antipatharia) e as gorgônias (Octocorallia). Contemplam também outros organismos, como esponjas, briozoários e diferentes grupos de algas. O Gars é um importante corredor de migração que conecta organismos marinhos do Sul do Caribe e do Brasil. Oferece aos pescadores brasileiros uma profusão de peixes, entre eles o pargo (Lutjanus purpureus). A cadeia produtiva do pargo movimenta a economia de muitas cidades do Norte brasileiro. Só em Bragança (PA), foram 110 milhões de reais em 2019.

Nenhuma das pesquisas sobre o Gars fala em “recifes de corais”, mas o termo tem sido equivocadamente empregado fora da academia. Esse erro não pode ser usado para desmerecer toda a literatura científica disponível sobre o assunto, muito menos para negar a existência e relevância ambiental dos ecossistemas recifais da Bacia Sedimentar do Amazonas. A existência do Gars é um fato científico, atestado por dezenas de pesquisadores de diversas instituições especializadas, e não uma fake news, como querem fazer crer alguns defensores da exploração irrestrita de petróleo na região.

A Bacia Sedimentar do Amazonas cumpre um papel importante no ecossistema da região e pode ser afetada negativamente pela exploração de petróleo. A Amazônia, embora tenha muitas áreas de conservação em terra firme, carece de zonas de proteção marinha. A exceção são algumas unidades de uso sustentável dos manguezais na porção costeira.

A exploração de petróleo na Foz do Amazonas, defendida por diretores da Petrobras e integrantes do governo federal, impõe escolhas complexas e potencialmente impactantes para o Brasil. Estão em jogo não apenas ecossistemas sensíveis, como também o possível agravamento da crise climática. É fundamental, neste momento, preservarmos a cautela e a boa ciência.

Fonte: piauí


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