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Recuperação de áreas degradadas por mineração faz avanços, mas ainda é ponto de preocupação

Recuperação de áreas de Mineração – Dois caminhos: restauração e reabilitação

Recuperação de áreas de Mineração: Grosso modo, ao tentar recuperar áreas degrada, é preciso optar por uma de duas rotas distintas: o primeiro deles é a restauração, que tem o objetivo de deixar a área o mais perto possível de sua condição natural original; o outro caminho é o da reabilitação, que busca deixar a área apta a um novo tipo de uso.

Embora seja um processo difícil – e demorado –, a restauração é possível. Um caso emblemático foi a incorporação da mina de calcário da LafargeHolcim em Iperó (SP) à Floresta Nacional de Ipanema. “Tivemos uma a extração de calcário em Iperó por bastante tempo, até que o ICMBio colocou a área na floresta nacional em 2000. Isso nos obrigou a parar a operação e dar início ao plano de fechamento”, conta Bruno. “O trabalho [de restauração] começou em 2004 e só foi atingir resultados satisfatórios em 2014 (…), que foi quando percebemos que a vegetação plantada na área da mina tinha atingido capacidade de regenerar naturalmente e estava totalmente integrada à floresta nativa”, orgulha-se, acrescentando que, mesmo assim, até hoje a empresa não encerrou completamente os trabalhos na área.
A própria demora para que os processos se concretizem pode ser uma dificuldade. “As pessoas não conseguem ver que [a recuperação] acontece, o que gera ceticismo, mas ela acontece. Existem exemplos que comprovam que, se for feito da forma correta, as coisas podem dar certo”, afirma o executivo da LafargeHolcim.
Revegetação em pilhas de estéril por meio de semeadura direta em Carajás, no Pará. — Foto: Vale/Divulgação

O gargalo do tempo também é ressaltado pela Vale. “Todo o processo de recuperação ambiental precisa de um tempo adequado”, diz a nota da mineradora, informando que, no processo de recuperação de áreas afetadas pelo desastre de Brumadinho (MG), vem trabalhando junto com a Universidade Federal de Viçosa para desenvolver técnicas inovadoras capazes de acelerar substancialmente a recuperação. “Mudas de espécies nativas, que poderiam levar mais de oito anos para florescer, iniciam esse processo entre seis e onze meses, propagando suas sementes e consequentemente novas mudas, o que pode trazer ganho no tempo de reflorestamento de áreas alteradas em diferentes ambientes em redor do mundo”, descreve o texto.

E nem sempre faz sentido tentar restaurar a área. “A gente defende a restauração em áreas que sejam de preservação permanente, como regiões de nascentes e cursos d’água, encostas nas quais a vegetação nativa desempenha uma função importante, ou onde a fauna precisa ser protegida. Em outros contextos, a reabilitação pode ser mais interessante”, explica o professor Mauricio Balensiefer.

A decisão do que fazer vai depender de uma confluência de interesses da própria mineradora, das condições do próprio terreno e das demandas sociais de uma forma mais geral. Julio Nery aponta que são possíveis usos agrícola, imobiliário ou, no caso de áreas com resíduos potencialmente perigosos para a saúde – como carvão mineral –, a conversão em aterro sanitário.

Ele lembra que tanto o terreno onde se encontra a Ópera de Arame, em Curitiba, quanto o Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte, são áreas de mineração reabilitadas – o primeiro, uma pedreira, e o segundo, uma mina de ferro. “Hoje quase não se percebe que já foram áreas de lavra”, diz, acrescentando que o destino exato de cada área vai depender de fatores como localização, vocação da região no seu entorno e do quanto ela está impactada.

Vale trabalha junto com a UFV para desenvolver técnicas que acelerem a recuperação de Brumadinho. — Foto: Divulgação/UFV

Recuperação de áreas de Mineração – Recuperar enquanto a mina ainda funciona

Também não é preciso necessariamente esperar até o esgotamento do minério para iniciar o trabalho de recuperação. “Não tem porque esperar até o final, conforme as pilhas de estéril [material descartado na operação de lavra] vão subindo, você pode ir recuperando”, informa Júlio Nery, do Ibram.

Em muitos casos, é possível recuperar uma área que já foi explorada ao mesmo tempo em que a mineração prossegue logo ao lado. “Algumas minas são exploradas em etapas. Você abre uma primeira área e, quando avança para a segunda, já começa a recuperação”, diz Bruno.

A Vale, por exemplo, afirma que trabalha com o fechamento progressivo de mina, ou seja, não espera a operação terminar por completo para iniciar as ações de recuperação das áreas mineradas. “Isto significa que a estabilização física (por exemplo, regularização de drenagens) e a revegetação vão ocorrendo na medida em que as áreas são liberadas pelo planejamento da mina. Essa liberação acontece gradativamente, seja porque não haverá mais interferência no local ou, em alguns casos, porque a atividade minerária retornará somente alguns anos depois.”

Nesse ponto, é melhor ser grande. Segundo Mariana, operações de porte maior têm mais facilidade. “Elas têm novas áreas dentro de uma mesma mina para atacar, o que pode gerar o material para recuperar as antigas”, explica a pesquisadora, acrescentando que o topsoil – a camada mais superficial do solo, rica em matéria orgânica e sementes da vegetação original – removido numa frente de lavra pode ser aproveitado para a recuperação das anteriores.

Um complicador extra vem do fato de as operações de mineração serem complexas, o que leva a situações radicalmente diferentes e, portanto, exigem a adoção de soluções distintas. “Cada caso é um caso. Não tem uma receita única para fazer”, admite Mauricio, da Sobrade.

Uma mesma mina pode abrigar situações bem diferentes entre si. Segundo Júlio Nery, a tecnologia para recuperar as pilhas de estéril criando condições para que a vegetação nativa se recupere está “consolidada”. A situação nas cavas, no entanto, ainda é mais desafiadora. “Como elas são muito inclinadas e têm o solo mais compactado, não é fácil plantar a vegetação. Existem técnicas, mas é mais demorado”, reconhece.

“Por isso a importância de reservar o solo superficial. Se você não fizer isso, você não vai ter o substrato para dar suporte para as raízes das plantas se desenvolverem [na cava]. Você pode até trazer terra mais adequada de outras áreas, mas o custo fica muito alto”, problematiza Maurício, acrescentando que um grupo dentro da Sobrade vem trabalhando para aprimorar técnicas que permitam transformar os rejeitos da mineração em solos ‘saudáveis’ que possam ser usados.

Área reabilitada pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) — Foto: Divulgação

Se dentro da mina já temos diferenças importantes, entre operações de segmentos distintos a variabilidade fica ainda maior. É o caso, por exemplo, da extração da bauxita – mineral que dá origem ao alumínio. De acordo com o gerente geral de Sustentabilidade da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), Leandro Faria, os acúmulos explorados pela empresa em Minas Gerais e Goiás são relativamente pequenos e superficiais. “Normalmente, todo o processo leva entre quatro e seis meses”, informa.

Esse ritmo, acelerado para os padrões da mineração, levou a CBA a desenvolver seu próprio pacote de soluções ambientais. “Temos uma parceria com a Universidade Federal de Viçosa [UFV], que tem nos permitido entender melhor os mecanismos de recuperação pós-mineração. (…) Podemos afirmar que conseguimos devolver o terreno de volta em condições iguais ou até melhores que antes”, diz Leandro.

Normalmente, as operações da CBA são realizadas em pequenas propriedades rurais. Em seu ciclo típico, a empresa fecha contrato com o proprietário da área a ser lavrada, remove o solo superficial, extrai a bauxita e devolve o solo ao mesmo lugar, fazendo a implantação da cultura escolhida pelo proprietário. “Em muitos casos, se pegar uma foto do antes e uma do depois, você nem consegue perceber que aconteceu a mineração”, prossegue o representante da empresa.

Recuperação de áreas de Mineração – Fiscalização em falta

Apesar dos avanços, ainda há pontos cegos importantes. Faltam, por exemplo, critérios gerais mais objetivos do que se espera de uma área de mineração recuperada. É uma carência que aparece na nota envidada pela Vale à reportagem. “É importante ressaltar que, para as áreas diretamente impactadas pela mineração, não há normas específicas sobre os valores de referência dos parâmetros para balizar a qualidade do ambiente que aponte a finalização do processo de recuperação de uma área minerada”, diz o texto, informando que, para sanar essa falta, a mineradora investe em projetos de P&D justamente para selecionar os indicadores apropriados para avaliar a trajetória dos projetos.

Há também a falta de capacidade de fiscalização ambiental. “Eu já trabalhei em órgãos ambientais e, também, faço treinamentos no Brasil inteiro. O que eu sempre escuto é que não tem estrutura para fazer inspeções periódicas como deveria. A fiscalização é feita por amostragem ou quando tem alguma denúncia”, lamenta Maurício Balensiefer.

Apesar das muitas complexidades, se realmente quiserem realizar uma atividade mais sustentável, as mineradoras terão que lidar com seus passivos. É da própria natureza do negócio. “A mineração tem prazo para acabar, afinal, o mineiro se esgota”, reconhece Júlio César, do Ibram. “Então, para termos uma mineração sustentável, você precisa gerar condições para que a área explorada tenha outro uso no futuro”, conclui.

Autor: Fábio Rodrigues para Um só Planeta

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