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Poluição provoca evolução de bactérias resistentes a remédios

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A liberação indevida de medicamentos e substâncias químicas na natureza é uma das causas da resistência de micróbios a antibióticos. É o que revela um novo relatório da ONU Meio Ambiente, divulgado em dezembro passado em meio às atividades da assembleia ambiental da ONU, em Nairóbi.

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Técnicas de tratamento de esgoto não conseguem remover todos os antibióticos e substâncias antimicrobiana da água e centrais de purificação podem ser focos de microrganismos resistentes. Na imagem, estação de tratamento em Mangalore, na Índia. Foto: Banco de Desenvolvimento Aslan

A liberação indevida de medicamentos e substâncias químicas na natureza é uma das causas da resistência de micróbios a antibióticos. É o que revela um novo relatório da ONU Meio Ambiente, divulgado nesta terça-feira (5), em meio às atividades da assembleia ambiental da ONU, em Nairóbi. Cerca de 700 mil pessoas morrem todos os anos de infecções por bactérias muito fortes, que não são mortas com os remédios atualmente disponíveis.

“Estudos já haviam associado o uso inadequado de antibióticos em humanos e na agricultura, ao longo de várias décadas atrás, à crescente resistência, mas o papel do meio ambiente e da poluição recebeu pouca atenção”, alertou o diretor-executivo da agência das Nações Unidas, Erik Solheim.

O levantamento do organismo internacional indica que há provas claras de que — com o contato direto entre bactérias ao ar livre e bactérias resistentes descartadas nos ecossistemas — o despejo de substâncias antimicrobianas em canais de esgoto de casas, hospitais e indústrias farmacêuticas, bem como por meio de estruturas de escoamento agrícola, está impulsionando a evolução dos microrganismos e provocando o aparecimento de linhagens mais resistentes.

A pesquisa revela que, ao serem consumidos, até 80% dos antibióticos são excretados sem ser metabolizados, junto com bactérias resistentes. Apenas no século XXI, o consumo humano desses remédios cresceu 36%. Até 2030, o uso de antibióticos na pecuária deverá aumentar em 67%, segundo o relatório. Além disso, até 75% dos antibióticos utilizados em aquiculturas se disseminam no ambiente ao redor das criações de seres aquáticos.

A ONU Meio Ambiente alerta que instalações para o tratamento de esgoto não conseguem remover todos os antibióticos e bactérias resistentes da água. Ao contrário, centros de purificação podem ser focos para o desenvolvimento da resistência microbiana. Há evidências científicas que mostram que microrganismos resistentes a diversas drogas são encontrados no mar, em sedimentos próximos a aquiculturas e em zonas industriais e municipais de despejo de resíduos.

“O alerta aqui é verdadeiramente assustador. Poderíamos estar incitando o desenvolvimento de superbactérias ferozes por causa de ignorância e descuido”, ressaltou Solheim. O cenário, recomendou o dirigente, exige “ações prioritárias agora”. “Do contrário, corremos o risco de permitir que a resistência surja ‘pela porta dos fundos’, com consequências potencialmente aterrorizantes”, acrescentou o chefe da ONU Meio Ambiente.

O relatório da agência das Nações Unidas também aborda outros cinco temas: nanomateriais; áreas marinhas protegidas; tempestades de areia e de poeira; soluções de energia solar que não são conectadas à rede elétrica; e deslocamento ambiental.

Nanomateriais

Até 2022, o mercado global de nanomateriais deverá crescer 20,7% anualmente, chegando a um valor de 55 bilhões de dólares. Todavia, enfatiza o relatório da ONU Meio Ambiente, a comunidade internacional corre um sério risco de não compreender os efeitos a longo prazo desses insumos e de usá-los sem a devida segurança.

De acordo com a análise, a velocidade do desenvolvimento industrial é bem mais alta do que o ritmo de implementação de regulações. Para o organismo das Nações Unidas, países precisam lembrar as lições aprendidas com outros materiais danosos: a ausência de evidências de dano não equivale a uma prova de que não há nunca nenhum dano. A agência da ONU considera como essenciais as pesquisas sobre as potenciais consequências negativas da exposição ambiental aos nanomateriais.

Áreas marinhas protegidas

Sobrepesca, extrativismo, turismo, desenvolvimento costeiro e poluição estão destruindo os habitats oceânicos e reduzindo as populações de espécies marinhas. Segundo o relatório, o mundo já perdeu metade de todos os seus recifes de coral. Atualmente, os seres humanos estão consumindo quase um terço dos estoques de peixes comerciais — a níveis insustentáveis.

As Áreas Marinhas Protegidas são uma das melhores opções para manter ou restaurar a saúde de ecossistemas oceânicos e costeiros. A ONU Meio Ambiente lembra que a meta de Aichi, de proteger 10% das águas litorâneas e territoriais até 2020, foi alcançada, com um percentual de preservação calculado em 14,4% até o momento. Porém, a proteção do ambiente marinho também exige a gestão eficaz e o compartilhamento igualitário de custos e benefícios.

Para a agência das Nações Unidas, as Áreas Marinhas Protegidas devem ser vistas como impulsoras — e não como limitadoras — dos benefícios econômicos e sociais que são obtidos com os oceanos.

Tempestades de areia e de poeira

Tempestades de areia e de poeira são o resultado de ventos fortes que erodem partículas de areia, sedimentos e argila de regiões áridas, empobrecendo seus solos. Fenômenos podem viajar milhares de quilômetros, atravessando continentes e oceanos, arrastando outros poluentes pelo caminho e acumulando partículas em locais muito distantes de seu ponto de origem.

A exposição crônica à poeira fina contribui com a ocorrência de mortes prematuras por doenças respiratórias e cardiovasculares, câncer de pulmão e infecções respiratórias agudas. Perdas econômicas causadas por uma única tempestade também podem ser enormes. Na Austrália, em setembro de 2009, a tempestade Red Dawn (Aurora vermelha, em tradução livre para o português) levou a prejuízos estimados em 262 milhões de dólares.

Apesar dos problemas já conhecidos, atividades humanas levaram a um aumento de 25 a 50% nas emissões de poeira desde 1900. Mudanças no uso da terra são responsáveis por 25% de todas as emissões.

Para a ONU Meio Ambiente, países precisam implementar estratégias que promovam a gestão sustentável da terra e da água em terras de cultivo, pastagens, desertos e zonas urbanas. Políticas devem ser integradas aos esforços de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Soluções solares

Quase 1 bilhão de pessoas vivem sem eletricidade. Apesar de progressos recentes, cerca de 700 milhões de pessoas poderão chegar a 2030 sem acesso a energia. Sistemas de energia solar têm sido usados para levar eletricidade às populações de renda baixa na África e na Ásia, onde moram pelo menos 95% das pessoas sem eletricidade.

Segundo a ONU Meio Ambiente, com as políticas e regulações adequadas, o uso das chamadas soluções solares “fora da rede” (sistemas de geração de energia desconectados das tradicionais redes de fornecimento de eletricidade) pode ser fundamental para que o planeta alcance o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de nº 7 — Energia Limpa e Acessível — e nº 1 — Erradicação da Pobreza.

Deslocamento ambiental

A ONU Meio Ambiente destaca que movimentos migratórios produzem transformações na natureza — que se desdobram em múltiplas consequências, como poluição do ar, da água e do solo, desmatamento, erosão do solo e desertificação, escassez de água e perda de biodiversidade. Existem no mundo 250 milhões de migrantes. Outros 750 milhões de pessoas se deslocam dentro dos seus próprios países.

Ainda segundo a agência das Nações Unidas, as migrações podem ser motivadas por desastres naturais e conflitos. O organismo internacional lembra que, desde novembro de 2016, a seca e a insegurança alimentar foram responsáveis por deslocar 761 mil pessoas na Somália. Globalmente, de 2012 a 2016, 117 milhões de indivíduos foram deslocados por catástrofes associadas ao clima.

A ONU Meio Ambiente recomenda que Estados enfrentem a vulnerabilidade ambiental a longo prazo, construindo comunidades resilientes. Caso isso não seja feito, os deslocamentos ambientais, causados sobretudo pelas mudanças climáticas, crescimento populacional e degradação da natureza, se tornarão um “novo normal”.

Acesse o relatório na íntegra clicando aqui.

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