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Mercado de carbono: pesquisa apresenta dez recomendações para diminuição da emissão de gases de efeito estufa no Brasil

O uso de instrumentos econômicos, como mercados de carbono regulados, representa um caminho de melhor custo-benefício para lidar com problemas ambientais e reduzir a emissão de GEE

Mercado de carbono, mudança climática e diminuição de gases poluentes são alguns assuntos em voga no contexto sustentável. Para lidar com essas questões, os pesquisadores do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), Guilherme Lefevre, Gustavo Breviglieri e Guarany Osório trazem uma contribuição sobre os elementos necessários para criar e implementar um sistema de comércio de emissões, instrumento que está em discussão no Congresso Nacional.

A adoção de instrumentos de precificação (das emissões) de Gases de Efeito Estufa (GEE) vem crescendo mundialmente e, em 2021, já era encontrada em 64 jurisdições. Neste contexto, o estudo visa auxiliar o debate sobre a precificação de carbono, na forma de política pública, como meio para reduzir as emissões de GEE no Brasil.

A mudança do clima representa uma ameaça para a humanidade ao longo das próximas décadas. No entanto, as ações e os compromissos adotados até o momento são insuficientes para evitar os piores impactos dessa ameaça. É preciso, portanto, aumentar a ambição de ações.

Para isso, foram apresentadas dez recomendações para criar e implementar um mercado de carbono regulado no Brasil, do tipo cap-and-trade, também conhecido por Sistema de Comércio de Emissões (SCE). As recomendações são oriundas de estudos e iniciativas lideradas pelo FGVces no tema precificação de carbono entre 2012 e 2021.

O uso de instrumentos econômicos, como mercados de carbono regulados, representa um caminho de melhor custo-benefício para lidar com problemas ambientais e reduzir a emissão de GEE. Na prática, deve-se desenvolver uma regulação que contenha elementos estruturantes para tanto, a qual ainda não foi adotada no Brasil. O artigo contribui para o avanço na adoção de um instrumento de precificação de carbono mandatório no Brasil.

“Não obstante os efeitos positivos do instrumento de precificação de carbono, principalmente sua potencial custo-efetividade, a precificação de carbono não representa uma panaceia ou “bala de prata”, ressaltam os pesquisadores. Outros instrumentos complementares sempre serão necessários, como medidas de comando e controle para redução do desmatamento ilegal.

A precificação mandatória das emissões de GEE pode ser feita tanto por um tributo quanto mediante a criação de um Sistema de Comércio de Emissões. Teoricamente, esses instrumentos (tributo e SCE) são equivalentes e facultam aos atores a escolha entre reduzir suas emissões de GEE ou pagar o preço de um tributo ou da permissão a emitir.

Brasil: esforços e embargos

Em relação aos esforços brasileiros para diminuição dos efeitos da mudança do clima, o país se comprometeu a reduzir suas emissões de GEE em 50% até 2030, em comparação com os volumes observados em 2005, além de atingir uma meta de neutralidade de carbono até 2050.

Desde 2009 está em vigor a Política Nacional sobre Mudança do Clima que visa, entre outros objetivos, estimular o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), que ainda não foi regulamentado. Na visão dos pesquisadores, o MBRE pode ser um importante instrumento para fomentar principalmente o mercado voluntário de carbono. Diferentemente da precificação de carbono mandatória, no mercado voluntário de carbono são transacionados créditos de carbono usados por organizações e pessoas para compensar ou neutralizar suas emissões de GEE, sem que haja uma obrigação legal para tanto. Recentemente, o MBRE foi incluído como instrumento para operacionalização das medidas previstas no Decreto 11.075, de 19 de maio de 2022.

Em termos de precificação mandatória, há um processo legislativo sobre a instituição de um SCE no Brasil a partir do Projeto de Lei Federal 2.148 de 2015 (Apensados: PLs 10.073/2018, 5.710/2019, 290/2020 e 528/2021), com texto substitutivo proposto em maio de 2022. O avanço do PL suscitou a manifestação de diferentes organizações empresariais, como a Confederação Nacional das Indústrias.

Recomendações

Os pesquisadores destacam dez recomendações para elementos estruturantes necessários para a criação e implementação, de um SCE do tipo “cap-and-trade” no Brasil, também chamado de “mercado de carbono regulado”.

1 – Estruturar programa de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV) de emissões de GEE antes do início do SCE:
Um programa de MRV estipula procedimentos padronizados para mensurar, contabilizar e divulgar (perante às autoridades competentes) as emissões de GEE no menor nível organizacional possível, como uma planta ou instalação industrial. Quanto maior for a disponibilidade e a qualidade de informações sobre emissões de GEE no país, melhor será o desenho e a implementação de um SCE.

2 – Definir cobertura abrangente e representativa de fontes de emissões ainda não reguladas:
Um SCE é apenas um dos elementos de uma política climática nacional e, portanto, não é necessário que inclua todas as emissões de GEE do Brasil. Assim, um mercado de carbono regulado pode, ao menos em um primeiro momento, focar naqueles setores e atividades cujas emissões de GEE são mais representativas para o país e para os quais é possível estipular e fiscalizar o cumprimento das diretrizes de um programa de MRV.

3 – Definir teto absoluto de emissões com base em médias históricas:
Tendo em vista a urgência do problema, bem como a natureza dos compromissos e das metas brasileiros, é recomendado que um volume máximo de emissões de GEE seja estipulado em termos absolutos (meta absoluta), não sofrendo ajustes com base em outros parâmetros e variáveis como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) (meta relativa).

4 – Realizar distribuição de permissões a emitir por meio de alocação gratuita e leilões:
Em geral, a alocação (distribuição) de permissões para emitir pode ser feita de forma gratuita, por meio de leilões ou um mix dos dois. Os custos para redução de emissões por parte de cada ente regulado são incertos para o regulador e a alocação de permissões via leilões asseguraria que as permissões fossem direcionadas àqueles que mais às valorizam, isto é, possuem maior dificuldade em reduzir suas emissões. Por outro lado, a aquisição de permissões em leilões representa custo adicional às empresas e pode trazer consequências negativas para a competitividade dos entes regulados. Para minimizar tais impactos, parcela das permissões que compõem o teto de emissões do instrumento pode ser distribuída de maneira gratuita, em especial para aqueles setores mais intensos em emissões e expostos ao comércio internacional.

5 – Adotar mecanismos de estabilização de preços e flexibilização de cumprimento:
Grande volatilidade de preços das permissões a emitir pode gerar incerteza nos entes regulados, afetar suas decisões e comprometer a eficácia do instrumento. Assim, é recomendável a adoção de mecanismos como uma Reserva de Estabilidade de Mercado. Outra prática que auxilia no controle de preços das permissões é a aceitação de uso de créditos de carbono (offsets) gerados a partir de projetos de mitigação realizados de forma voluntária por atores não cobertos pelo SCE, para conciliação de parcela das emissões daqueles atores regulados, desde que devidamente validados por procedimentos rigorosos

6 – Promover o engajamento de stakeholders:
Para maior representação e participação de diferentes segmentos da sociedade brasileira e dos potenciais entes regulados na construção de um SCE, é importante que haja um forte componente de engajamento e capacitação em sua concepção. Isso contribui para seu sucesso e aumentar sua aceitação por diferentes atores.

7 – Considerar integração (linking):
Embora não haja necessidade, a integração (linking) ou conexão entre o instrumento nacional e instrumentos similares encontrados internacionalmente pode criar oportunidades para os participantes de um SCE nacional. Em princípio, linking aumenta e diversifica o número de compradores e vendedores em um SCE, o que pode fornecer benefícios duplos, aumentando a liquidez e reduzindo a volatilidade dos preços.

8 – Estabelecer regras de cumprimento, equilibrando estímulos, para alcançar reduções de emissões e competitividade:
Procedimentos e mecanismos para promover, facilitar e fazer cumprir os objetivos do SCE devem ser desenhados de maneira a não prejudicar indevidamente a competitividade dos agentes que porventura não consigam arcar com todas as suas obrigações.

9 – Possibilitar a reciclagem das receitas com vendas de permissões pelo órgão regulador:
Quaisquer receitas oriundas das vendas de permissões por parte do órgão regulador, por exemplo, em eventuais leilões, podem ser “recicladas” de maneira a reduzir o impacto do SCE sobre a economia brasileira. Isso pode ser feito mediante a redução (proporcional) de outros tributos.

10- Permitir ampla participação de agentes no mercado secundário para aumento de liquidez:
Recomenda-se que a atuação no mercado secundário de permissões deve ser facultada a quaisquer pessoas físicas e jurídicas que tenham interesse em sua compra ou venda, mesmo que não cobertos pelo SCE. A participação de outros atores visa aumentar a liquidez no mercado e, assim, contribuir para o bom funcionamento do instrumento.

Perspectivas

Com as recomendações aqui apresentadas, visa-se, sobretudo, contribuir para uma tomada de decisão embasada em informações, a fim de garantir a integridade ambiental e ambição climática de um eventual SCE brasileiro.

“A cuidadosa consideração acerca do desenho dos principais elementos de um SCE, levando em conta as características e peculiaridades do contexto brasileiro, faz-se necessária para que o país possa reduzir suas emissões de GEE ao menor custo possível para a sociedade”, ressaltam, Guilherme Lefevre, Gustavo Breviglieri e Guarany Osório.

Para ter acesso ao artigo completo, clique no link.

Autores: Guilherme Lefevre, Gustavo Breviglieri e Guarany Osório – Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP)

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