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Avaliação da influência do coeficiente de desoxigenação (K1) teórico e experimental no modelo de autodepuração em um corpo hídrico receptor de efluentes de indústria láctea

Resumo

As limitações de estudos mais aprofundados e específicos acerca dos efluentes industriais levam cada vez mais os profissionais a utilizarem de parâmetros que destoam da realidade, pelo fato de adotarem coeficientes tabelados que nem sempre refletem a real característica de tais efluentes. O presente trabalho teve por objetivo principal determinar o coeficiente de desoxigenação (K1) no corpo receptor que recebe efluentes de uma indústria láctea situada no interior de Goiás. Também foi realizado o estudo de autodepuração utilizando o método de Streeter-Phelps, onde foi possível analisar as diferenças entre o coeficiente teórico e experimental. O coeficiente de desoxigenação teórico foi adotado pela literatura de Von Sperling para esgoto tratado secundário, variando entre 0,12 d-1 (mínimo), 0,18 d-1 (médio) e 0,24 d-1 (máximo), sendo que esses valores foram corrigidos em função da temperatura do efluente resultando em K1 26°C = 0,16 d-1, 0,24 d-1 e 0,32 d-1, respectivamente. Já o coeficiente experimental foi determinado pelo Método de Thomas. O resultado encontrado do coeficiente K1 corrigido em função da temperatura resultou em K1 26°C = 0,46 d-1. Com o estudo de modelagem da autodepuração, foi possível verificar que o efluente industrial teve maior impacto no corpo receptor, o K1 26°C experimental apresentou valores menores de concentração crítica de oxigênio dissolvido e consequentemente após a zona de decomposição ativa houve uma gradual melhora na recuperação do oxigênio dissolvido utilizando o K1 26°C experimental, isso levou a recuperação das características iniciais da zona de águas limpas em uma distância menor em comparação com os K1 26°C teóricos. O trabalho sugere que seja realizado estudo específico para cada tipologia de efluente industrial no estudo de autodepuração, uma vez que foi possível verificar que o coeficiente de desoxigenação altera consideravelmente os perfis de OD e DBO, podendo acarretar prejuízos ambientais aos corpos hídricos.

Introdução

A crescente poluição dos corpos hídricos exige esforços cada vez maiores para o controle dessa poluição. Uma das formas de se controlar a poluição é estudar e conhecer a capacidade de autodepuração do corpo hídrico, estimando a quantidade de efluentes tratados que o rio é capaz de receber sem que suas características naturais sejam prejudicadas, sempre observando as leis pertinentes em todos os âmbitos da federação. A depender do tipo de efluente a ser lançado no corpo hídrico e do grau de tratamento, pode existir uma variação na forma em que esse efluente se comportará ao entrar em contato com o manancial, sendo de grande importância neste processo, o coeficiente de desoxigenação (K1), utilizado para a modelagem de autodepuração pelo método de Streeter-Phelps.

O lançamento dos despejos de efluentes tratados em um curso d’água tem como consequência o consumo de oxigênio dissolvido no corpo receptor. Isso se deve aos processos de estabilização da matéria orgânica realizados pelas bactérias decompositoras, as quais utilizam o oxigênio disponível no meio líquido para a sua respiração. A diminuição da concentração do oxigênio dissolvido tem diversas implicações do ponto de vista ambiental, constituindo-se em um dos principais problemas de poluição das águas (Hespanhol, 2009).

A proteção dos recursos hídricos envolve o monitoramento e a avaliação de sua qualidade ao longo dos rios, estabelecendo metas e controlando as descargas de poluentes, de forma que um nível aceitável da qualidade da água seja mantido. Sendo assim, a compreensão da autodepuração dos corpos d’água constitui um elemento básico para a adoção dessas medidas e ações.

É de grande importância o conhecimento do fenômeno de autodepuração e da sua quantificação, tendo em vista os seguintes objetivos: Utilizar a capacidade de assimilação dos rios e impedir o lançamento de despejos acima do que possa suportar o corpo d’água. O primeiro caso, refere-se à capacidade que um corpo d’água tem de assimilar os despejos, sem apresentar problemas do ponto de vista ambiental, e o segundo caso, à capacidade de assimilação que o corpo d’água possui de forma a ser utilizado até um ponto aceitável, não sendo admitido o lançamento de cargas poluidoras acima deste limite.

A autodepuração é um processo natural, no qual cargas poluidoras biodegradáveis, lançadas em um corpo d’água são atenuadas. De acordo com Von Sperling (2014), pode ser entendida como um fenômeno de sucessão ecológica, em que o restabelecimento do equilíbrio no meio aquático, ou seja, a busca pelo estágio inicial encontrado antes do lançamento de efluentes, é realizada por mecanismos essencialmente naturais.

O modelo de Streeter-Phelps é um método que consiste em auxiliar na modelagem do processo de autodepuração, levando em consideração as características do corpo hídrico e da carga orgânica de entrada. No estudo da autodepuração é contemplado o coeficiente K1, no qual descreve a taxa de desoxigenação do efluente, podendo este variar de acordo com o tratamento aplicado e as características do efluente.

Conforme Von Sperling, o coeficiente de desoxigenação (K1) varia conforme a Tabela 1 e o coeficiente de reaeração (K2) varia conforme Tabela 2.

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O coeficiente de desoxigenação (K1) é um parâmetro de grande importância na modelagem do oxigênio dissolvido. Ele depende do tipo e concentração da matéria orgânica, da temperatura e da presença de substâncias inibidoras, além do nível de tratamento (NUNES, 2008). A partir disto, a presente pesquisa buscou estudar o efeito da variação do valor de K1 na autodepuração do corpo receptor a partir do lançamento do efluente de uma indústria láctea situada no interior de Goiás, e comparar o valor experimental com os valores reportados pela literatura.

O método utilizado para o cálculo do coeficiente K1 experimental foi o Método de Thomas, conhecido como Método gráfico de Thomas, baseado na similaridade da função (1-10-kt) com a função 2,3kt[1+(2,3/6)k.t]-3, obtida por meio de desenvolvimentos matemáticos de f(t)=10-kt, justificados por meio da série de expansões de Mc Laurin (MCGHEE, 1991 apud ARAGÃO, 2016). Após rearranjos, tem-se que a Equação 1 expressa pelos pares coordenados é linear.

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Onde:
y = DBO medida no intervalo de tempo t, mg.L-1;
K1 = coeficiente de desoxigenação na base 10, dia-1;
L = DBO máxima exercida ou DBOÚLTIMA, mg.L-1.

Então elabora-se um gráfico de valor (t/y)1/3 versus t, onde a reta de melhor ajuste pode ser obtida pelo ajuste de regressão linear. O valor de K1 é gerado por meio do coeficiente angular da reta e intersecção com o eixo das coordenadas. A partir daí, temos a Equação 2.

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Em posse de Z pode-se plotar um gráfico em função de t. A inclinação “b” e a ordenada na origem “a”, da linha de melhor ajuste dos dados, podem ser usadas para calcular K1 e L por meio das Equações 3 e 4.

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Pelo fato de o coeficiente K1 encontrado pelo Método de Thomas estar em base 10, há a necessidade de efetuar a correção para inclui-lo no método de Streeter-Phelps, que usa o coeficiente com base e. Esta correção é dada pela Equação 5.

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Menezes (2006) destaca que devido a interferência exercida pelo nitrogênio, as observações diárias da DBO não podem ultrapassar os primeiros dez dias. Portanto, para a utilização do método foi observado DBO durante cinco dias consecutivos.

A influência da variação do coeficiente de desoxigenação pode ser observada por meio do comparativo das diferentes zonas de autodepuração, conforme Braga et al (2005) existe essencialmente quatro zonas de autodepuração (zona de degradação, zona de decomposição ativa, zona de recuperação e zona de águas limpas), conforme ilustrado na Figura 1:

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A zona de águas limpas à montante do lançamento em geral é uma região com elevada concentração de oxigênio dissolvido (OD) e vida aquática é superior às demais zonas, considerando que não há focos de poluição e de despejos de esgotos anterior a este ponto.

Assim que é introduzido os efluentes tratados no curso d’água, é iniciada a zona de degradação, que está localizada à jusante do ponto de lançamento dos efluentes tratados. Sua característica é a diminuição inicial na concentração de OD e sedimentação de parte da matéria sólida. Nessa zona podem existir seres vivos que vêm em busca de alimentos devido a elevada quantidade de bactérias e fungos, mas poucas algas devido à dificuldade de penetração da luz, em virtude da turbidez da água.

Uma vez terminada a zona de degradação, o rio dá espaço à zona de decomposição ativa, que é o trecho do rio em que a concentração de oxigênio dissolvido atinge o seu valor mínimo, podendo em alguns casos ser totalmente consumida, denominada de concentração crítica (Cc) e que está associada ao tempo crítico (Tc) e distância crítica (dc), ou seja, o tempo crítico ou distância crítica é o ponto do perfil longitudinal onde há o menor valor de OD em todo trecho analisado. Nos casos onde há o consumo total do OD, tem-se condições de anaerobiose. Nessa zona, a quantidade de bactérias e fungos diminui, havendo também uma redução ou mesmo a eliminação da quantidade de organismos aeróbios.

Após a zona de decomposição ativa, o curso d’água entra na zona de recuperação. Nessa região, ocorre um aumento na concentração de OD, devido os efeitos de reaeração acabar predominando sobre os efeitos da desoxigenação. A água apresenta uma aparência mais clara e percebe-se uma gradual melhora, contudo pode ser observado a presença de algas devido a presença de nutrientes. A vida aquática começa a ser reestabelecida e há presença de organismos mais resistentes, similares aos da zona de degradação.

Por fim, após a zona de recuperação, o rio retorna à zona de águas limpas. Apresentando características similares da região à montante do lançamento e a concentração de OD está próxima a de saturação, devido ao baixo consumo pela comunidade microbiana e à possível elevação de algas. O ecossistema encontra-se estável novamente e a vida aquática pode ser reestabelecida. Todavia, isso não significa que o rio esteja totalmente livre de organismos patogênicos.

Autores: Duwylho Moraes Guedes; Francisco Javier Cuba Teran e Priscila Gracielle dos Santos Aguiar Guedes.

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