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O que significa o capitalismo regenerativo? Entenda o conceito que pretende revolucionar os métodos de produção da economia

Para você, o que é lucro? Vender um produto e ganhar mais do que gastou para produzi-lo? Ok. Mas, pensando no método de produção, se foi usado água na fabricação do produto, como valorar este lucro? Uma centena de reais pode valer mais que cem baldes de água, por exemplo?

“Calibrar” a forma de olhar para o raciocínio da economia capitalista, garantindo a renovação dos recursos naturais sem abrir mão do lucro, é o que propõe o capitalismo regenerativo. O conceito vem sendo difundido nesta década a partir de pensadores como John Elkington, autor de “Cisnes Verdes: a explosão do capitalismo regenerativo” (2020, tradução livre), e considerado idealizador do termo “sustentabilidade” no mundo dos negócios, hoje um dos pilares do ESG.

Na visão regenerativa, lucro é regenerar o planeta, além de ganhar dinheiro. Afinal, os recursos naturais são a maior garantia de futuro para os negócios e para a humanidade frente aos desafios das mudanças climáticas. Sendo assim, as premissas básicas de um empreendimento regenerativo devem ser garantir que, ao final do ciclo de produção, os recursos usados tenham sido renovados, reinvestindo em florestas e preservação dos mares, por exemplo.

De forma resumida, a empresa devolve à natureza os recursos que usou, de preferência “com juros”, seja replantando ou recuperando ecossistemas prejudicados.

Outro ponto importante do capitalismo regenerativo é a relação com os colaboradores da cadeia produtiva, o que gerou o apelido “economia do stakeholder”. Além de preservar os recursos naturais, manter relações comerciais justas e sustentáveis com produtores e as áreas pelas quais são responsáveis por cultivar e manter é um elo indispensável para uma economia centrada na relação com a terra.

Da sustentabilidade ao capitalismo regenerativo, uma evolução conceitual

O ideal de capitalismo regenerativo é a expressão atual do que já foram rascunhos do mundo corporativo sobre uma atitude responsável em relação ao meio ambiente. Desde a popularização do termo sustentabilidade, na primeira década do século, passando pelo conceito de capitalismo consciente, popularizado por autores como Raj Sisodia e seu livro, “Capitalismo Consciente” (2014), escrito em parceria com John Mackey, fundador e atual CEO do grupo Whole Foods Market, varejista de comida orgânica avaliada em R$ 61,4 bilhões, a ideia de uma economia que não destrua foi se transformando na proposta de um sistema que possa regenerar o planeta.

A evolução dos conceitos ao longo do tempo sugere o amadurecimento da visão de negócio frente aos desafios do século 21, passando da ideia de manter as engrenagens funcionando, com baixo impacto ambiental, à ideia de saldo ambiental positivo, quando uma empresa consegue produzir e entregar à natureza mais do que precisou retirar. Elkington afirma que o conceito de sustentabilidade já continha essa ideia de regeneração, mas que acabou diluída no que veio a se tornar o conceito de ESG. Falar em regeneração é algo que vai direto ao ponto, afirmou o autor durante palestra no Brasil em 2021.

A economia regenerativa encontra outro conceito atual, o da economia circular. “Na medida em que as empresas tomam consciência da necessidade de atingir metas climáticas e a descarbonização, temas como o da regeneração se tornam mais relevantes, pois é um caminho para capturar carbono, e por esse motivo esses sistemas estão ganhando espaço e importância”, avalia Milena Lumini, gerente de comunicação para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur, que se dedica a difundir e fomentar as práticas circulares de produção.

Regeneração na prática

No dia a dia, colocar um modelo de negócio regenerativo em prática ainda é um processo em construção para muitas empresas, mas os números podem ser animadores. No Brasil, o grupo Regenera Ventures, dono das marcas Viva Regenera e do e-commerce Viva Floresta, entre outras frentes, colhe bons frutos apostando em produtos de alimentação, suplementação e autocuidado provenientes de fornecedores que adotam a prática agroflorestal em seus cultivos, comprometidos com o manejo sem agrotóxicos e a missão de regenerar as áreas utilizadas na produção.

“Não é um objetivo, é a razão de existirmos”, afirma Romanna Remor, fundadora e head de conceito, inovação e produtos do grupo. Em três anos, a empresa passou de uma marca a uma holding com três linhas de produtos saudáveis e um e-commerce, que vende os itens, além de comercializar marcas parceiras. Em seu primeiro ano de operação, finalizado em junho, o marketplace Viva Floresta faturou R$ 2 milhões e plantou 300 árvores a partir de um modelo que inclui reverter parte das vendas ao plantio em sistemas agroflorestais.

Neste segundo ano em atividade, a previsão é dobrar o faturamento e plantar 10 mil árvores. “Nós entendemos que temos o lucro do mercado e o lucro do sistema regenerativo, que cria valor, margens saudáveis para continuar a operação, o maior apoiar o menor, o maior abrindo mão de margens maiores para que o menor possa ter potência. Mas não somos uma ONG, somos uma empresa que precisa estar saudável, então é um exercício constante para lucratividade saudável”, comenta Romanna.

Na leitura da Fundação Ellen MacArthur, lucro e regeneração combinam. “A fundação acompanha casos, principalmente da agricultura regenerativa, em que a produção e o lucro cresceram, seja por produtividade ou novas frentes que surgem no negócio. A evidência aponta que é um modelo mais lucrativo, e que encontra uma necessidade de mercado. Os casos mostram melhora de qualidade, quantidade, lucro e propósito.”, afirma Milena.

Reeducação de corporações e consumidores

Como exemplo de práticas regenerativas, empresas como a Viva Regenera e gigantes como a Nestlé investem na capacitação de pequenos produtores para que estes possam adotar e manter métodos naturais de cultivo, regenerando áreas antes dedicadas à monocultura, por exemplo. Na Amazônia e em outros biomas ameaçados, manter produtores desta forma é uma maneira de se evitar o extrativismo predatório, uma vez que os agricultores têm seu sustento garantido por práticas agrícolas que estimulam o meio ambiente a prosperar, formando um sistema de “ganha-ganha”, com lucro financeiro e ambiental.

“A nossa economia tem se baseado na degradação, e temos a oportunidade de redesenhar modelos de negócios e formas de produzir alimentos e produtos para regenerar. A atividade econômica pode trazer efeitos positivos para o meio ambiente, o que vai ajudar a termos uma economia que prospere a longo prazo, que seja boa para as pessoas e empresas”, afirma Milena.

Entre as articulações da Fundação Ellen MacArthur para o desenvolvimento da economia circular está o Desafio do Grande Redesenho dos Alimentos, em que empresas que produzem alimentos e bebidas vão repensar o design circular de alimentos, para ajudar a natureza a prosperar. A iniciativa atraiu a atenção de grandes players do Brasil no setor, como Ambev, Danone e Unilever.

“Ingredientes diversos significam menos trigo, arroz, batata e milho, [grandes monoculturas brasileiras] e criar uma demanda que vai apoiar a produção no campo. Ingredientes de menor impacto pressionam menos a natureza durante a produção, em cultivos mais adequados para a região onde estão inseridos. Os ingredientes reciclados seguem a lógica de não desperdiçar alimentos e produzir menos. Se dependemos menos de plantar e colher, vamos influenciar menos essa terra. Todos esses aspectos ajudam na regeneração”, aponta a gerente de comunicação da fundação.

O movimento certamente está sob responsabilidade das empresas, mas o consumidor tem um papel central para alavancar uma indústria de regeneração, avalia Romanna, do grupo Regenera.

“Acreditamos no trabalho de educação e conscientização dos padrões de consumo. Se eu posso comprar um chocolate que apoia produtores de agrofloresta do sul da Bahia, e meu pedido no site gera um crédito agroflorestal, que será revertido em plantio de árvores em sistemas florestais, isso é educar o consumidor sobre impacto. Nós acreditamos e sabemos que a mensagem precisa despertar interesse nas pessoas, mantendo a essência e a verdade, mas adaptando a faixas etárias, partes diversas do país.”

Fonte: UM SÓ PLANETA


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