País se destaca por ter as maiores florestas dos trópicos, pelo histórico de desmatamento, mas também pelos avanços em rastreabilidade, bioeconomia e financiamento, aponta relatório global
A COP30 começa daqui a menos de um mês, em Belém, num mundo longe de zerar o desmatamento. Um relatório global traça o cenário sobre o qual ocorrerão as negociações, e o que se vê são florestas transformadas em terra das promessas descumpridas. Países só alcançaram cerca de 37% de suas próprias metas. A avaliação é clara: sem o engajamento de países-chave, como o Brasil, a meta global de desmatamento zero até 2030 é inalcançável. Para o bem e para mal, o Brasil é destaque na Avaliação da Declaração Florestal, análise anual e independente que mede o progresso dos países em relação às metas assumidas na Declaração das Florestas de Glasgow, assinada na COP26, em 2021.
Ela é baseada em dados oficiais ou publicados em revistas científicas, e preparada por instituições científicas, organizações da sociedade civil e governos, a exemplo do WRI, WWF e Observatório da Restauração e do Reflorestamento do Brasil.
Brasil em destaque
O Brasil se destaca, não por sediar a COP30. Mas por ter as maiores florestas dos trópicos, ser historicamente um grande desmatador, tanto em termos absolutos quanto relativos ao território, mas também ter feito avanços significativos em rastreabilidade, bioeconomia e financiamento.
Em 2024, 3,84 milhões de hectares de florestas tropicais úmidas foram perdidos no Brasil. Isso representa 47,3% de toda a perda global de floresta tropical úmida no ano. Em comparação a 2023, o desmatamento caiu 22%, mas ainda é três vezes maior do que o nível compatível com a meta de desmatamento zero até 2030.
O país também é o maior emissor global proveniente de mudança no uso da terra, responsável por mais de 40% das emissões mundiais ligadas ao desmatamento tropical. Cabe notar que o Brasil possui cerca de um terço das florestas tropicais úmidas do planeta, o que o torna naturalmente o país onde as perdas têm maior impacto global.
E o relatório reconhece que o Brasil é o único entre os cinco maiores desmatadores que apresentou queda consistente nas taxas de perda florestal em 2023–2024. Todavia, enfatiza que o país ainda está fora da trajetória necessária para alcançar o desmatamento zero até 2030.
O país também registrou mais de 6,2 milhões de hectares de florestas degradadas, principalmente por incêndios na Amazônia e no Cerrado. As emissões resultantes foram equivalentes às emissões anuais combinadas de países como Japão e Alemanha.
A diminuição do desmatamento na Amazônia Legal, segundo o estudo, demonstra avanços recentes nas políticas de comando e controle. No entanto, mesmo com avanços, mais de 90% das derrubadas continuam ilegais.
Política como motor do desmatamento
O estudo salienta que a política se tornou o maior motor do desmatamento no país. Decisões do Congresso, sobretudo a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025), sancionada com vetos pelo presidente Lula, ameaçam as metas nacionais de redução das emissões de CO2, em detrimento de outros setores da economia. “As pressões econômicas e políticas estão corroendo o que foi alcançado”, resume o relatório, que reúne dados de 140 países.
“O Brasil está diante de uma escolha decisiva. Pode consolidar-se como líder da transição verde global — ou repetir o ciclo de avanços e retrocessos que tem marcado sua política ambiental nas últimas décadas”, ressalta o estudo.
As florestas do planeta perdem entre 6 e 7 milhões de hectares por ano, e os países ricos continuam exportando desmatamento por meio de suas cadeias de consumo. Em 2024 a situação se agravou e 8,1 milhões de hectares de floresta tropical, ou um Panamá, foram perdidos no mundo. É o equivalente a 3,1 milhões de hectares acima da perda máxima consistente com a meta de 2030 e maior do que a taxa de perda registrada em 2021, quando os líderes mundiais renovaram compromissos ousados para acabar com o desmatamento.
O relatório aponta que nações ricas causam até 15 vezes mais danos à biodiversidade no exterior do que em seus próprios territórios, especialmente via importação de soja, carne, madeira e óleo de palma.
Avanços em tecnologia e governança ambiental
No caso brasileiro, o documento identifica avanços importantes em tecnologia e governança ambiental, com destaque para sistemas de rastreabilidade digital e o fortalecimento de instrumentos de controle de cadeias produtivas. O estudo cita entre as iniciativas de impacto positivo o Selo Verde, lançado em 2024, que vincula certificação ambiental ao Cadastro Ambiental Rural (CAR); o Plano Nacional de Identificação de Bovinos e Búfalos (PNIB), que prevê rastreabilidade total do rebanho até 2032; e a plataforma AgroBrasil+Sustentável, que integra dados públicos e privados para garantir conformidade socioambiental de exportações.
O Brasil é descrito como líder potencial da bioeconomia tropical, com capacidade de atrair até US$ 50 bilhões anuais em investimentos verdes, se mantiver segurança jurídica e rastreabilidade total das cadeias produtivas. Programas como Amazônia Sempre (BID) e a Iniciativa de Bioeconomia do G20 são citados como eixos desse crescimento.
Mas, segundo o relatório, o sucesso dessas políticas dependerá de coerência entre os níveis federal e estadual — e da capacidade de o país evitar retrocessos regulatórios antes da COP30.
A suspensão temporária da Moratória da Soja, revertida após decisão judicial, também é mencionada como sinal de instabilidade regulatória.
“As alterações legais ampliam brechas para o desmatamento e fragilizam a segurança jurídica necessária para investimentos sustentáveis”, diz o estudo.
O relatório mostra ainda que estados amazônicos, como Acre, Rondônia e Mato Grosso, têm reduzido áreas de conservação e aprovado leis próprias de licenciamento, frequentemente em desacordo com normas federais. O Brasil aparece como um dos “hotspots globais” desse problema, ao lado de Indonésia e República Democrática do Congo.
Fonte: O Globo