“Quando chover, podem ser arrastados. Ainda tem muito rejeito depositado no fundo dos leitos dos córregos e rios, e isso pode remobilizar, suspender e mover rio abaixo”, explica superintendente
Onze meses depois do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), a chegada do período chuvoso na região, a partir de outubro, significa risco. Em novembro de 2015, quando a onda de rejeitos da mineradora invadiu o Rio Doce, a barragem da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves foi forte o suficiente para conter a lama que hoje alcança 17 metros de altura no paredão. Na previsão do Ibama, no melhor cenário, as chuvas vão levar até Candonga, como é conhecida a barragem da usina, dois milhões de metros cúbicos de rejeitos; no pior, o volume de lama atingirá o dobro disso, e a estrutura pode não aguentar a pressão de mais quatro milhões de metros cúbicos.
A barragem da Usina Risoleta Neves: após a tragédia de Mariana, nível de lama na represa subiu 6,4 metros
“Só vendo de cima a gente tem a dimensão da gravidade do problema. Sobrevoando a região, de Bento Rodrigues até a usina, pude ver o tamanho do estrago. A construção da mina parece um caldeirão. É impressionante. Choca. Nas margens do rio tem muita lama sedimentada. Com a chuva, vai voltar tudo para a água. Dá para ver as dragas trabalhando para tirá-la. Fiquei me perguntando: vão tirar dali e levar para onde? Eu me pergunto ainda quanto tempo vai levar para que o rio volte a ter vida”, diz o piloto de paramotor Lu Marini, que realiza uma expedição para rastrear o Rio Doce desde Bento Rodrigues até a foz, no Espírito Santo, e registrou a imagem que ilustra esta reportagem.
Segundo Marcelo Belisário, superintendente do Ibama em Minas Gerais, 70% de todos os rejeitos que escaparam da mina de minério de ferro da Samarco seguem espalhados no trecho de cerca de cem quilômetros que separa Candonga do distrito de Bento Rodrigues, onde morreram 19 pessoas (dois dos corpos ainda desaparecidos). São pelo menos 25 milhões de metros cúbicos.
“Todos rejeitos estão expostos às intempéries. Quando chover, podem ser arrastados. Ainda tem muito rejeito depositado no fundo dos leitos dos córregos e rios, e isso pode remobilizar, suspender e mover rio abaixo”, explica Belisário.
O curso natural é o caminho das águas, e o primeiro depósito é a represa da usina.
“O risco de rompimento da barragem existe. A lama acumulada nas margens do rio pode ser carreada para o leito e pressionar a estrutura”, diz o promotor Mauro Ellovitch, do Ministério Público de Minas Gerais.
Belisário afirma que, em abril passado, o nível de lama na barragem havia subido 6,4 metros em relação à medição feita após a tragédia.
“Notificamos o consórcio (Consórcio Candonga, responsável pela usina) para saber qual era a cota limite. Eles disseram que era apenas mais um metro. Isso nos deixou muito preocupados”.
O sinal de alerta levou a Samarco a colocar dragas para retirar lama da barragem da usina, que segue inoperante. Por dia, são removidos 385 caminhões de rejeitos, de 30 toneladas cada. A lama é depositada a quatro quilômetros de distância, em área considerada segura pelos órgãos ambientais. A retirada com draga, porém, é insuficiente.
Para minimizar os riscos, a Samarco está implantando dentro do lago da usina, num serviço de emergência, uma superbarragem metálica de 15 metros de altura, a cinco quilômetros da barragem de Candonga. Ela terá de ser fixada no fundo do lago, em meio à lama de rejeitos.
Sozinha, ela ainda não será suficiente para garantir a segurança da barragem da usina. Já está prevista a construção de um segundo barramento a 400 metros do paredão de Candonga. Em alguns trechos, a profundidade alcançará 48 metros — será a maior barragem de todas as que estão sendo feitas para conter a lama.
Segundo a assessoria de imprensa da Samarco, estão em construção duas barragens na região de Bento Rodrigues e Nova Santarém, próximas ao local do acidente e cinco diques de pedra para contenção dos rejeitos. Nas margens do rio, onde a lama está solidificada, está sendo feito o plantio de gramíneas e leguminosas sobre base formada por uma manta de fibra de coco. No trecho entre Fundão e Candonga, cerca de três mil pessoas trabalham para tentar controlar o estrago ambiental e minimizar riscos.
SIMULAÇÃO DE TRAGÉDIA
O promotor Ellovitch afirma que a Samarco deveria retirar toda a lama das margens do rio, para evitar que ela volte para dentro da água:
“A empresa apresentou um plano integrado de contenção de rejeitos, mas ele é insuficiente”.
Em Santana do Deserto, naquela região, está sendo feita a primeira simulação de tragédia: quando uma sirene toca é o aviso para que todos deixem suas casas e alcancem pontos mais seguros em suas comunidades. Pelo menos 150 pessoas participam do plano de emergência, um trabalho conjunto com a Defesa Civil de Minas Gerais.
Fonte: O Globo/ Gazeta Online