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Ciência e consciência para manter a água limpa

Produção rural sustentável e experimentos de universidade são esperança para preservar as águas em MS

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Enquanto caminha pela plantação de pequenas mudas de soja, a produtora rural Cibelli Rottilli tem dois pensamentos fixos, manter a rentabilidade da propriedade familiar que ela está assumindo e torná-la cada dia mais sustentável, preservando a grande riqueza natural da propriedade, a água.

A jovem chegou implementando novidades na fazenda Nakase, em Terenos (MS). Plantou árvores frutíferas e está aperfeiçoando a estrutura da propriedade para guardar em segurança produtos agressivos ao meio ambiente como óleo diesel e venenos, por exemplo.

“Quero fazer tudo certo. Não se trata de um esforço que dá resultado do dia para noite. Preciso da renda da propriedade para investir nas melhorias. Quero produzir e manter a natureza preservada”, relata. A água na fazenda é abundante e ela faz questão de mantê-la limpa. Por isso, o plantio é feito bem distante da nascente para evitar a contaminação por biocidas usados nas lavouras.

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Cibelli deixou a carreira de farmacêutica para trabalhar no negócio da família. A transformação na Nakase não é um processo simples. A propriedade era dedicada à pecuária e agora está servindo à agricultura e futuramente terá criação de peixes, meta para a qual o caminho já está sendo preparado.

Como o objetivo é obter produtividade sem agredir a natureza, a produtora rural foi em busca de conhecimento. Está fazendo MBA em agronegócio e também aderiu ao programa Soja Plus — uma capacitação que ajuda o produtor a melhorar o desempenho no campo levando em conta a conservação dos recursos naturais e as normas previstas em lei.

“Com o programa enxerguei muitas coisas que eu deveria fazer, a casa de venenos é uma delas. Também melhorei as caixas de contenção para que a água da lavagem das máquinas, por exemplo, não caia no meio ambiente”, ressaltou.

Como se viu no relato de Cibelli, consciência é a palavra de ordem para preservar a água no meio rural. Porém, como Mato Grosso do Sul tem grande área agricultável e os agrotóxicos são amplamente utilizados para combater ou controlar pragas, a pureza das águas está constantemente em risco. Por isso, no meio acadêmico a ciência é a esperança para limpar o precioso líquido.

Ciência

Pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) estão debruçados em estudos de métodos para retirar as impurezas da água. Recentemente, o Instituto de Química (Inqui) da UFMS apresentou um sistema de tratamento eletroquímico capaz de eliminar agrotóxicos e outros compostos da água. Os testes em laboratório deram resultados satisfatórios.

A  pesquisa ‘Estudo da degradação de pesticidas em água por métodos eletroquímicos de oxidação avançada’ é de responsabilidade do professor Fábio Gozzi, bolsista PNPD/Capes e membro do Grupo de Fotoquímica e Eletroquímica Aplicada do Inqui. A preocupação dele com a limpeza da água é antiga. Há 10 anos, ele fez um mestrado sobre o tema em Barcelona, na Espanha, e agora continua a linha de pesquisa na UFMS.

“Estamos em um estado voltado para atividades agrícolas e pecuária onde os agroquímicos e os antibióticos de uso veterinário são fartamente utilizados. Ao mesmo tempo temos o Aquífero Guarani, 65% do Pantanal está em nosso território e somos banhados por muitos córregos. É urgente que o meio acadêmico esteja vigilante à situação”, opina.

Agrotóxicos e fármacos são resistentes aos processos convencionais de tratamento da água, daí a necessidade de se avançar nos estudos de métodos eletroquímicos e outros que possam purificar a água.

O foco do professor são os processos eletroquímicos oxidativos avançados (PEOAs) que têm sido investigados para aplicação no tratamento de águas contaminadas com pesticidas. No Inqui, foi criada uma planta piloto com a célula eletroquímica tipo filtro-prensa.

O equipamento tem eletrodos para degradar os compostos orgânicos no tratamento da água. Para que isso ocorra, segundo Gozzi, é aplicada uma corrente que gera os oxidantes peróxido de hidrogênio e radical hidroxila. São termos difíceis para o público leigo, mas ele garante que o experimento realmente funciona. “Esse sistema eletroquímico elimina os pesticidas da água a níveis não detectáveis de pesticidas”, explica o pesquisador.

“Normalmente, fazemos uma adição de outro reagente, o ferro, para que gere mais radical hidroxila. Assim, temos a possibilidade de trabalhar com três processos eletroquímicos: a oxidação anódica (sem adição de ferro), eletro-Fenton (com adição de ferro) e fotoeletro-Fenton (com adição de ferro e utilização de luz artificial ou natural)”, completa.

O desafio agora é tornar o sistema fotoeletroquímico autossuficiente em energia e assim permitir que ele seja usado em propriedades rurais do Estado. Fábio Gozzi assegura que a autonomia é perfeitamente possível. “O Estado tem uma faixa de luz ampla o que permite montar um sistema fotovoltaico para a geração de energia e assim garantir que o sistema fotoeletroquímico seja autossuficiente em energia”, analisa.

Vale mencionar que não existe lei obrigando o tratamento da água no campo. Assim, a adoção desse serviço dependeria unicamente da consciência do produtor. No meio rural, apenas a aviação agrícola tem regras específicas para evitar contaminações.

Limpeza

No Inqui, cerca de 20 pesquisadores entre mestres, doutores e pós-doutores desenvolvem estudos em processos diversos sobre o tratamento da água. Um dos trabalhos conseguiu tratar água contaminada com xorume. O grau de purificação alcançado foi tamanho que o líquido poderia ser descartado em um córrego sem que isso representasse qualquer contaminação.

Em outro estudo, a pesquisadora Rebeca Cunha obteve bons resultados testando um tratamento com ozônio que conseguiu degradar antibióticos de uso veterinário que poluiam a amostra de água. “O ozônio vai borbulhar a água e aí ele vai degradando. Também serve para desinfecção da água”, relata a estudiosa enquanto mostra o experimento à reportagem.

Conforme os profissionais do Inqui, atualmente, a preocupação está voltada para os poluentes, mas existem subprodutos que são até mais tóxicos, resultantes da aplicação dos processos de tratamento desses compostos. Por isso, no laboratório é feita a análise de toxicidade desses subprodutos gerados pelo tratamento aplicado.

O Brasil ainda não tem uma metodologia, com fiscalização e controle, de contaminação da água por agrotóxicos, apenas resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que trata de alguns parâmetros de qualidade da água e de limites máximos permissíveis. Também não existe um monitoramento periódico de rios, lagos e lençol freático e, por isso, o grau de contaminação das águas é desconhecido. Assim, os poucos estudos sobre o tema estão praticamente restritos às universidades.

Falta de análise e lei permissiva

A professora Alexandra Pinho, do Instituto de Biociências da UFMS é outra que milita pela preservação da água. Ela faz parte da Comissão de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos que é coordenada pelo Ministério Público Estadual, o MPE. “Hoje, uma das prioridades é  implantar um laboratório para análise de agrotóxicos no Estado. Não temos nenhum. Sem essa estrutura não se consegue mensurar a contaminação da água”, relata.

Para a bióloga, o Brasil é muito permissivo com o uso de agrotóxicos. A resolução do Conama garante liberdade aos produtores rurais, como não se tem na União Europeia, por exemplo. No caso herbicida Glifosato, bastante usado nas culturas de soja e milho, a contaminação máxima permitida pela UE é de 0,1 mg/l de água, segundo levantamento feito pela pesquisadora. No Brasil, o limite é cinco mil vezes maior.

Em breve Alexandra vai a campo para tentar aferir a possibilidade de contaminação da água servida em escolas localizadas em municípios de MS com grande produtividade agrícola. Serão colhidas amostras em 10 estabelecimentos de ensino, sendo cinco rurais e cinco  urbanas na Capital e nas cidades de Chapadão do Sul, São Gabriel D´Oeste, Rio Brilhante e Bonito.

Em videoentrevista concedida ao Diário Digital, a professora fala sobre a Comissão de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, a necessidade de implementação do laboratório de análise de agrotóxicos na água e o trabalho que será feito em escolas do Estado. Assista abaixo.

Como denunciar

A Comissão Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos criou uma cartilha que explica como denunciar os impactos dos agrotóxicos à saúde. A publicação, disponibilizada no site da Ong Ecoa, detalha em quais situações devem ser feitas as denúncias e lista órgãos e telefones que podem ser acionados. O documento, aliás, está aberto a contribuições da sociedade, a fim de aprimorar o material. Acesse aqui

PL do Veneno

O Projeto de Lei (PL) 6299/2002, ou PL do Veneno, mencionado pela professora Alexandra Pinho na viodeoentrevista,  será tema de audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), em Campo Grande, no dia 31 de outubro. O evento, aberto ao público, será  no auditório do MPF, na Avenida Afonso Pena, na Capital, a partir das 14h, sob a presidência do procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida.

Fonte: Diário Digital.

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