Especialistas da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso de Água, ALADYR, destacaram que o Brasil poderia se beneficiar de um plano nacional de dessalinização em larga escala.
Seus centros urbanos costeiros têm a demanda necessária para construir as maiores plantas de purificação de água do mar da região.
A Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso de Água (ALADYR) vê no Brasil um futuro líder em dessalinização e reúso de água. O país tem potencial para complementar e expandir a experiência regional bem-sucedida liderada por países como o Chile. Patricio Martiz, Diretor da ALADYR, destacou em declarações recentes as condições que posicionam o Brasil para uma transformação hídrica. No entanto, enfatizou a necessidade de uma visão estratégica e de um marco regulatório ágil para liberar esse potencial.
Martiz destacou que o Chile tem sido pioneiro e referência em dessalinização regional com suas mais de 18 plantas em operação impulsionadas por sua indústria de mineração e água potável, estabelecendo um modelo de sucesso. Para ele, o Brasil tem a oportunidade de complementar essa expertise regional com um enfoque diferente que aproveita suas vantagens geográficas únicas.
“O imenso litoral brasileiro, com mais de 7.000 quilômetros ao longo do Oceano Atlântico, e seus grandes centros urbanos oferecem um cenário ideal para a dessalinização como solução para a escassez.”, disse ele.
Com 18 de suas 42 regiões metropolitanas localizadas em áreas litorâneas ou sob sua influência, o Brasil tem um mercado potencial significativamente maior do que o restante da região. Esse mercado inclui cidades como Rio de Janeiro (6,7 milhões de habitantes), Salvador (2,9 milhões), Recife (1,6 milhão) e Fortaleza (2,6 milhões).
Para o diretor, uma das chaves está em uma “estratégia de intercambio hídrico” que otimize a colaboração entre a indústria e as necessidades municipais: “em vez de transportar água do interior para as cidades costeiras – um processo caro e ineficiente em termos energéticos – as plantas de dessalinização costeira forneceriam água aos centros urbanos, enquanto a água doce proveniente do interior seria destinada a usos industriais e agrícolas onde ela é naturalmente abundante. Essa estratégia, que contrasta com o modelo chileno, onde as correntes de fusão que descem se cruzam com correntes de água dessalinizada bombeadas em níveis elevados, gerando ineficiências, permitiria ao Brasil otimizar geograficamente seus recursos hídricos”, explicou Martiz.
Brasil no mapa da dessalinização
Martiz prevê que o Brasil, juntamente com o Chile e o Peru, têm potencial para formar o hub continental de dessalinização mais importante em nível mundial.
“O Chile traz a experiência consolidada da mineração, o Peru está a caminho de ter importantes plantas de dessalinização para uso doméstico e de mineração, e o Brasil pode contribuir com a escala urbana massiva e a água para tecnologias avançadas. Juntos, esses três países poderiam posicionar a região do Pacífico Sul e do Atlântico como a nova capital mundial da dessalinização, complementando e eventualmente rivalizando com os centros tradicionais do Oriente Médio”, disse ele.
Uma das principais vantagens que o Brasil poderia capitalizar, continua, é a criação de uma legislação que acelere os projetos de dessalinização.
Martiz sugeriu que, dada a urgência dessas infraestruturas como medida de adaptação às mudanças climáticas, deve-se estabelecer uma “via rápida” para sua aprovação. Isso evitaria demoras excessivas como as que podem ocorrer em projetos complexos de infraestrutura hídrica. Essa velocidade, combinada com a construção de grandes plantas, permitiria alcançar economias de escala, reduzindo substancialmente os custos de implementação e operação, tornando a água dessalinizada mais acessível.
O representante da ALADYR também destacou a força da indústria local de equipamentos no Brasil.
“O Brasil tem uma base industrial consolidada em equipamentos mecânicos e de tratamento de água que podem ser aproveitados para a dessalinização. Embora exija desenvolvimento específico, a infraestrutura de fabricação existente e a experiência em engenharia hídrica fornecem uma base sólida. A produção local de componentes pode reduzir os custos de implementação em 15 a 25% em comparação com o total de importações, ao mesmo tempo em que impulsiona a cadeia de valor local”, explicou. Além disso, ele enfatizou a importância da mistura estratégica de reúso com dessalinização. “A combinação de ambas as tecnologias otimiza o uso dos recursos hídricos existentes e oferece soluções mais resilientes e integradas para os desafios da água.”
Outro dos nichos identificados por Martiz para a dessalinização é o do setor de tecnologia.
“Com investimentos anunciados de R$ 24,8 bilhões em semicondutores relacionados ao Programa Brasil Semicon, há uma oportunidade excepcional. A indústria de semicondutores é a maior consumidora de água ultrapura, exigindo até 5.500 m³/dia por fábrica. Uma planta de dessalinização com capacidade de ultrapurificação pode gerar receitas substancialmente superiores com água ultrapura devido ao seu alto valor agregado em comparação com a água potável convencional. Esse impulso atenderia às necessidades hídricas e posicionaria o Brasil como um polo de inovação em tratamento de água e tecnologia avançada”, concluiu.
Uma segunda oportunidade
A ALADYR também consultou Emilio Gabbrielli, renomado consultor e analista internacional em questões de dessalinização, com vasta experiência que inclui a autoria do livro “7000 anos de história da dessalinização”.
Gabbrielli contextualiza a lenta adoção da dessalinização em larga escala no Brasil, comparando-a com casos como o da Itália, que apesar de ter problemas hídricos semelhantes aos da Espanha, não desenvolveu a dessalinização. Ele atribui essa situação a “problemas políticos de não cooperação e falta de coerência e visão de longo prazo”.
O especialista dá um exemplo com o caso da Espanha. No final dos anos 90, a alternância política levou ao cancelamento de uma grande transferência do Ebro e, com o apoio de fundos europeus, à construção de inúmeras grandes plantas de dessalinização ao longo da costa. Essa decisão, descrita por Gabbrielli como “a certa”, evitou os riscos ambientais de transferências em grande escala. Ela catapultou a Espanha para se tornar uma potência mundial em dessalinização, criando um know-how que levou as empresas espanholas a construir as maiores usinas de dessalinização do mundo.
“O Brasil tem potencial para seguir um caminho semelhante ao da Espanha”, diz Gabbrielli.
Gabbrielli afirma que na realidade o Brasil já teria conseguido trilhar esse tipo de caminho se, em vez de decidir lançar apenas o megadesvio do rio São Francisco (2007), tivesse optado por integrá-lo à construção de grandes plantas de dessalinização ao longo da costa. Ao contrário da dessalinização, que “apenas cria água nova do mar”, as transposições trazem riscos ecológicos e de disponibilidade de longo prazo.
Acrescentou que as transposições representam “grandes canais, centenas de quilômetros, escavações, muito concreto”, o que contrasta com o menor custo de construção civil de plantas de dessalinização.
Mesmo sem conhecer os detalhes dos estudos de viabilidade que levaram à decisão de optar apenas pela transposição do rio São Francisco. Gabbrielli tem certeza de que teria sido mais barato dessalinizar a água do mar para abastecer as regiões mais próximas do litoral. Isso abasteceria as regiões mais próximas do litoral.
Rota para a massificação da dessalinização no Brasil
Apesar da oportunidade perdida, Gabbrielli está otimista e afirma que o Brasil tem uma segunda oportunidade de desenvolver um plano nacional de dessalinização. Para ele, desta vez a chave está em basear as decisões em dados e ciência, priorizando a dessalinização em áreas costeiras onde é mais econômico e eficiente do que transportar água do interior. Gabbrielli ressalta que o custo da dessalinização diminuiu significativamente (cerca de um dólar por metro cúbico para grandes plantas, podendo ser reduzido com o aumento do uso de energia renovável). Isso torna a dessalinização uma opção altamente competitiva, especialmente no Nordeste brasileiro, rico em fontes de energia eólica e solar.
O especialista revela ainda que, embora não haja tanta dessalinização potável, o Brasil já tem “muita dessalinização industrial” em diversos setores, como automotivo, siderúrgico, bebidas e papel, etc. Em particular, foi um dos maiores países na construção de grandes plantas de dessalinização nos anos de 2014 – 2015 devido às necessidades da Petrobras para a extração de petróleo offshore, que requer grandes plantas de dessalinização para injetar água de alta pressão no fundo do mar para sua extração. “Essa experiência operacional em plantas industriais proporciona uma base sólida para o desenvolvimento da dessalinização potável em larga escala”, diz ele.
Gabbrielli conclui que, com uma estratégia nacional de dessalinização bem definida e o incentivo da indústria local ao consórcio e ao desenvolvimento de capacidades autóctones. Sendo assim, o Brasil poderia solucionar seus problemas de abastecimento de água em grandes cidades litorâneas como Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador e Recife. Bem como, essa abordagem fortaleceria a infraestrutura hídrica do país e promoveria maior integração regional. Também poderia atender o litoral de São Paulo. Além disso, poderia se integrar com sucesso ao mercado latino-americano e global.
Rota para a massificação da dessalinização no Brasil
Especialistas propõem o caminho para o Brasil se tornar uma potência em dessalinização:
- Via rápida legislativa: É urgente uma nova legislação para acelerar a aprovação de projetos, considerando-os infraestruturas prioritárias para adaptação às mudanças climáticas.
- Grandes plantas e economias de escala: Promover a construção de grandes instalações para reduzir os custos de implantação e operação, tornando a água dessalinizada mais acessível.
- Fortalecer a indústria local: Incentivar a produção de equipamentos em nível nacional para reduzir custos e potencializar a cadeia de valor brasileira.
- Integração estratégica: Combinar dessalinização com reúso de água para otimizar recursos e construir soluções hídricas resilientes.
- Foco em alta tecnologia: Desenvolver plantas de água ultrapura para atender à demanda de setores tecnológicos emergentes, como semicondutores, gerando alto valor agregado.
Fonte: Aladyr