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Ativistas miram exemplos da Austrália para pensar superação real da seca em São Paulo

Comunicação clara, participação social, ponderação sobre risco e benefícios de obras e cautela estão entre os principais pontos destacados pela Aliança pela Água

São Paulo – Preocupada com a superação efetiva da crise da água em São Paulo, a Aliança pela Água traduziu e divulgou um documento e realizou um debate, na terça-feira (28), sobre a experiência da Austrália no combate à seca que durou 14 anos no país. E que atualmente está sendo utilizado como aprendizado pelo estado da Califórnia, nos Estados Unidos. “Nossa intenção foi mostrar que existe um exercício na Califórnia para mostrar os efeitos da crise na Austrália e mexer com o que eles estão entendendo como os melhores passos para enfrentar a crise por lá. Algo que nós não fizemos”, disseMaria Cecilia Wey de Brito, membro do secretariado da Aliança.

Dentre as ações, a Aliança destacou a importância de uma comunicação clara e confiável sobre a situação e as medidas que estão sendo tomadas, como sendo fundamentais para a participação e o apoio do público. Na “Seca do Milênio” australiana, as ações publicitárias levavam informações sobre economia de água, níveis de armazenamento, necessidades e expectativas quanto à seca e planos de opções alternativas de oferta.

“Você pode aumentar o envolvimento da comunidade, informando-a melhor sobre o que está acontecendo. Os volumes certos dos reservatórios, por exemplo. O que aqui a Sabesp informava de forma errada e teve que mandar depois outra informação corrigida”, comentou Maria, referindo-se à divulgação dos níveis dos mananciais pela companhia, que informava a quantia resultante da somatória do volume útil, mais as cotas do volume morto que estavam em uso. Somente após ação do Ministério Público passou a ser informada a real situação das represas.

Além disso, em várias oportunidades, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), deu declarações à imprensa dizendo que tudo estava sob controle, que não faltava água nem haveria racionamento, mesmo com parte da população sofrendo cortes diários de água em suas residências e comércios.

Outro ponto, que se conjuga com o acesso à informação, é a participação popular. Segundo o exemplo australiano, exposto no documento, o envolvimento da comunidade e de todos os setores da sociedade na avaliação e na definição de propostas, “promove um sentimento de justiça, colaboração na economia de água, aceitação e apoio para estratégias de resposta à seca de maneira geral, incluindo a definição de restrições e metas”.

“Aqui não teve debate algum. O governo mal respondeu as demandas da sociedade, porque não informava ninguém. Quando foi fazer as obras, estabeleceu um plano que era da Sabesp, não era nem da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, que deveria pensar as ações de forma ampla”, criticou Maria.

Exemplo maior disso foi o Comitê da Crise Hídrica, criado pelo governador em fevereiro de 2015 – um ano após a deflagração da crise –, com a participação de vários setores da sociedade, incluindo prefeitos da Região Metropolitana, ONGs, universidades e agentes públicos do governo estadual. O objetivo do Comitê era elaborar um plano de contingência, para ser usado em caso de emergência. Porém o colegiado se reuniu apenas uma vez, não havendo sequer uma ata da reunião, segundo a própria secretaria.

O plano de contingência saiu somente em novembro daquele ano, quatro meses antes de o governador declarar a crise como superada. E suspender dois dos três instrumentos de gestão da demanda criados no âmbito da crise: o bônus – descontos na conta de água para quem economizasse – e a multa para quem gastasse mais água que a média anterior à crise. Outro caminho bastante diverso do que foi aplicado na Austrália. A redução de pressão, que deixou milhares de pessoas sem água diariamente segue sendo aplicada, em menor escala.

“Foi tipo: viramos a página, esquece isso. Se acontecer de novo, a gente pensa de outra forma. De fato é de se estranhar que governantes não tenham um mínimo de lógica de longo prazo para as coisas que devem ser enfrentadas”, disse Maria.

Para a Aliança, as respostas da Austrália para a Seca do Milênio também oferecem lições de cautela. Sobretudo quanto às decisões políticas se sobreporem a planejamentos realizados anteriormente por agências e serviços públicos em diversas instâncias. Construções de novos reservatórios e projetos onerosos de dessalinização da água do mar, por exemplo, foram propostos, para em seguida serem descartados.

“Esses exemplos evidenciam um risco significativo da tomada de decisões orientada pela crise, quando os padrões de chuva futuros são incertos – isso pode resultar em investimentos excessivos em infraestrutura de larga escala, que é cara, demanda muita energia, está sujeita a termos contratuais desfavoráveis e em muitos casos não é realmente utilizada, o que por sua vez resulta em altos custos irrecuperáveis que precisarão ser pagos pela comunidade por décadas, bem antes de serem realmente necessários”, destaca o documento.

Casos semelhantes ocorreram nas obras propostas pelo governo Alckmin, por exemplo, na transposição de água do Rio Guaió para barragem da represa Taiaçupeba, em Suzano, integrante do Sistema Alto Tietê. Foram gastos R$ 29 milhões em um sistema de bombeamento e nove quilômetros de tubulações. Mas o rio também estava sofrendo com a seca e tinha apenas 30% da vazão esperada: 300 litros por segundo, contra uma projeção de retirada de mil litros por segundo.

Para Maria, esta é outra lição que precisa ser aprendida. “Você tem meios de comparar as coisas, mesmo asque aparentemente não são comparáveis. E as obras se tornam opções e não a única saída”, afirmou. Segundo ela, em um contexto de crise, o importante é considerar todas as opções, tanto no campo da oferta quanto da demanda, escolhendo a opção mais barata para evitar arrependimentos. Em vez de trazer água de lugares muito distantes, fomentar o reúso e combater a poluição das águas mais próximas, seria um caminho para evitar obras de custo muito elevado.

“Por exemplo, você tem grandes estações de tratamento de esgoto que não funcionam 100%, por diversas razões. O custo é alto, não só pela construção, mas por causa do tamanho da rede que você tem que montar para trazer água de um extremo a outro da cidade. Mas podíamos ter estações menores, em vários lugares. Mas o governo opta por obras megalomaníacas, que não consegue acabar. A técnica, o conhecimento, os aprendizados, as lições, a gente tem. O que não temos é o interesse dos gestores em fazer isso acontecer”, concluiu Maria.

Em nota, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos chamou de mentirosas as críticas sobre a pouca participação social durante a crise. “É falsa a afirmação de que foi dado pouco espaço à participação da comunidade durante as reuniões realizadas no período de crise hídrica”, diz um trecho do documento, ressaltando ter, em conjunto com a Sabesp e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), “diversos canais de comunicação e de divulgação de informação a respeito da gestão dos recursos hídricos”.

A secretaria informou ainda que já foram realizados diversos encontros entre a Austrália e o governo paulista para discutir o enfrentamento da seca naquele país. “No ano passado, por exemplo, a ministra de Relações Exteriores australiana, Julie Bishop, esteve em São Paulo reunida com o secretário estadual de Recursos Hídricos, Benedito Braga. Do encontro, resultou o Workshop São Paulo & Austrália – Estudos, Políticas Públicas e Gestão dos Recursos Hídricos, que teve como objetivo a troca de experiências vividas em período de grave seca”.

Fonte: Rede Brasil Atual

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