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Financiamento climático externo ao Brasil cresce 84%

Financiamento climático externo ao Brasil cresce 84%, diz estudo

Estudo do Climate Policy Initiative mostra que maioria do fluxos foi para energia renovável

O financiamento climático internacional destinado ao Brasil cresceu 84% entre os biênios 2019-2020 e 2021-2022, acima da média global no mesmo período, que se expandiu 28%, mostra estudo do Climate Policy Initiative (CPI) da PUC-Rio, antecipado ao Valor. Esse tipo de financiamento envolve fluxos de recursos mobilizados por países, bancos multilaterais e corporações para promover a descarbonização das economias. A disponibilidade de recursos para esse fim é o principal tema da COP30, presidida pelo Brasil e marcada para novembro em Belém, no Pará.

O investimento climático para o país foi impulsionado pelo setor de energia renovável, que inclui fontes eólica e solar, segundo o CPI. Atividades relacionadas ao reflorestamento e agroflorestas receberam apenas 11% dos aportes para o Brasil. Considerando todos os setores, o valor destinado ao país atingiu US$ 5,1 bilhões por ano (R$ 26,6 bilhões), em média, no período 2021-2022. No biênio anterior (2019-2020), o montante havia sido de US$ 2,2 bilhões por ano (R$ 14,5 bilhões).

No mundo, a mobilização de recursos para iniciativas de descarbonização somou US$ 203 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão, na cotação atual). O Brasil representou, portanto, pouco menos de 3% do financiamento climático global no biênio 2021-2022.

Os números demonstram que a solução para o financiamento climático ainda está longe de ser resolvida. Na última COP, em Baku, no Azerbaijão, os Estados-parte da Convenção do Clima da ONU redefiniram a meta de recursos que os países ricos devem repassar para a adaptação climática das nações de menor renda. O valor saiu de US$ 100 bilhões anuais para U$$ 300 bilhões ao ano, muito abaixo da expectativa de US$ 1,3 trilhão. O Brasil, atual presidente da COP, ficou com a responsabilidade de encontrar formas de se chegar a essa cifra. Esse é agora o desafio de Belém.

A pesquisa do CPI considera todos os fluxos financeiros globais para o clima destinados ao Brasil, tanto públicos quanto privados. Isso inclui recursos ao Fundo Amazônia, por exemplo. Do total, a maior parte dos aportes (58%) veio de instituições públicas em 2021-2022, enquanto as instituições privadas movimentaram 42%, valor mais do que quatro vezes superior ao de 2019-2020.

Mecanismos de financiamento comerciais, que incluem crédito e “equity” (capital), representaram 89% dos fluxos financeiros em 2021-2022 e cresceram quase três vezes em Joana Chiavari, diretora de pesquisa do CPI, diz que o estudo evidencia a importância desses recursos para complementar os investimentos domésticos na transição rumo a uma economia de baixo carbono. “A partir dos resultados, vamos poder acompanhar as tendências de
financiamento climático internacional para o país e identificar áreas para as quais é desejável atrair capital externo e melhor direcionar os recursos existentes.”

A Europa Ocidental foi a principal região responsável pelo financiamento ao Brasil, com 50% dos recursos mapeados no biênio 2021-2022. A região da América Latina e Caribe aparece na sequência, com 18,2% dos aportes. Mais da metade do financiamento internacional climático foi destinada ao setor de energia (53%), com foco em projetos de geração solar e eólica (80%). A pesquisa aponta que o investimento no segmento energético cresceu 165% no Brasil entre os biênios 2019-2020 e 2021-2022, passando de R$ 8,7 bilhões para R$ 14 bilhões por ano.

Os números superam o crescimento médio global, que ficou em 53% no período. Chiavari atribui a atratividade das fontes de energia renováveis ao potencial brasileiro de geração e aos subsídios que o setor tem recebido nos últimos anos, como desconto nas tarifas para as fontes incentivadas e estímulos para geração distribuída. “Essas políticas públicas, de alguma maneira, também devem ter incentivado a atratividade do setor.”

Investir em manejo florestal numa região dominada pelo crime é um risco alto” — MarcioAstrini

Pesquisador da FGV Energia, João Victor Cardoso afirma que o Brasil tem um ambiente mais favorável para atrair capital, mesmo sendo um país em desenvolvimento:

“Estabilidade regulatória e segurança jurídica são essenciais para a atração de investimentos”, diz.

Cardoso acrescenta que há oportunidades para expandir investimentos em outras fontes energéticas sustentáveis no país, como biocombustíveis. O Brasil é o segundo maior produtor desse tipo de combustível no mundo, atrás dos Estados Unidos, mas ainda enfrenta gargalos.

“Hoje o desafio é financiar novas rotas tecnológicas para atender mercados que estão surgindo, como os transportes ‘hard to abate’ [difíceis de zerar emissões], que são os caminhões pesados, o transporte aéreo e o setor marítimo”, diz. Segundo o pesquisador, o etanol de segunda geração, produzido a partir de resíduos da cana-de-açúcar, tem prontidão tecnológica há algum tempo, mas falta escala. “Até para reduzir o preço, que hoje ainda é muito elevado.”

Outra oportunidade subexplorada é o financiamento para setores estratégicos como o de agropecuária, florestas, outros usos da terra e pesca (Afolu), que ficou “muito aquém” do potencial, com 11%. Desses, só 2% tiveram foco específico em florestas. O Afolu corresponde a 74% de todas as emissões de gases de efeito estufa no Brasil, somando-se desmatamento (46%) e agropecuária (28%).

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, afirma que a alta taxa de ilegalidade no desmatamento e a falta de governança fundiária são fatores que elevam o risco e afastam investidores nesse setor.

“Como você vai fazer um investimento em manejo florestal adequado numa região que é dominada pelo crime ambiental, como a Amazônia? O risco de investimento é muito grande.”

O diretor-executivo da organização Arayara, Juliano Bueno avalia que é necessário criar políticas públicas direcionadas:

“Acredito que incentivos fiscais, subsídios e desonerações podem ser meios para incentivar a captação de recursos em Afolu. Outro meio seriam parcerias público-privadas”.

Fonte: Valor


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