Na tarde de sexta-feira, uma projeção na sala da direção-geral do DAE (Departamento de Água e Esgoto) de Americana ilustrava, em tempo real, o status da água captada do Rio Piracicaba no sistema de tratamento do município. Naquele momento, por volta de 14h, a cidade retirava do rio cerca de 1,1 mil litros de água por segundo.
Com pouca chuva, gasto com produtos químicos usados no tratamento de água em Americana chega a crescer até 60%
Imagem ilustrativa
Antes de chegar aos reservatórios e às casas dos moradores, este volume passaria ainda por um complexo processo de limpeza. Com uso de produtos químicos e procedimentos que servem como uma peneira de impurezas, o tratamento mira um único objetivo: deixar a água apta para consumo humano.
Mas esse ritual ininterrupto e quase que imperceptível pela população, que garante o abastecimento no município, ganhou um problema nos últimos meses diante de uma das piores estiagens dos últimos anos.
A situação é simples de entender. O baixo volume de chuvas torna a água do Rio Piracicaba mais “suja”. Isso porque a chuva ajuda a diluir a matéria orgânica e o lixo lançados no rio, poluição essa que, com ou sem estiagem, não costuma mudar muito.
A água carregada de efluentes é a que chega à estação de tratamento em Americana. Para dar conta de limpá-la, o DAE precisa utilizar mais produtos químicos para torná-la consumível. Segundo o diretor do departamento, Carlos Cesar Gimenez Zappia, o aumento nos insumos para tratar tem variado de 33% a 60% desde julho. Ou seja: abastecer a cidade ficou mais caro.
O tratamento
Hoje, o tratamento de água em Americana consiste em duas ações, basicamente: clarificação e oxidação. A primeira diz respeito a tornar a água inodora, insípida e incolor. Para isso, o DAE usa produtos como o policloreto de alumínio. Conhecido com PAC, esse insumo faz com que as partículas mais leves presentes na água se aglomerem e formem flocos, mais pesados, que são empurrados para o fundo por força da gravidade.
A qualidade ruim da água do Rio Piracicaba, no entanto, fez com que o consumo de policloreto de alumínio crescesse até 60% no tratamento em Americana, segundo Zappia. O custo do composto químico, que já havia ficado mais caro por conta da pandemia da Covid-19, acabou sendo multiplicado pela demanda maior do município.
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Da mesma forma, a água com grande quantidade de matéria orgânica, como já é comum no Rio Piracicaba, é capaz de sujar com maior intensidade os filtros da ETA (Estação de Tratamento de Água). Para limpá-los, usa-se mais água. Ao LIBERAL, Zappia explicou que, nos últimos meses, a limpeza que era feita a cada 24h, hoje tem ocorrido a cada 10h ou 12h.
A situação poderia ser pior se a cidade já não empregasse métodos como a pré-oxidação, algo como desinfetar a água antes mesmo do processo de clarificação. Para isso, outro composto é usado: o dióxido de cloro.
E se não bastasse o consumo maior de produtos químicos, outra variável na conta do tratamento também tem pesado nas finanças do departamento: o gasto com energia elétrica. De acordo com Zappia, é o maior custo da autarquia no processo de tratar a água. Só com a ETA localizada no Cordenonsi são gastos R$ 1 milhão por mês.
Soluções
A saída para que o custo do tratamento volte a ficar dentro do normal é, justamente, a chuva. A região, bem como outras partes do Estado, vive um período de estiagem considerado atípico e preocupante, mas que, segundo o diretor do DAE, está dentro dos ciclos observados nos últimos anos, como as crises de abastecimento de 2001 e 2014.
Na prática, a chuva tem dois efeitos. Uma é comportamental, no consumo por parte da população. Mesmo que pouca, ela pode amenizar a temperatura e melhorar a sensação térmica, o que evita que as pessoas abusem da água para se refrescar. É algo que tem se visto nestes dias, com a queda na sensação de calor mesmo com pancadas pontuais.
Outro efeito é exatamente na situação do tratamento de água. Um grande volume de chuva é capaz de aumentar a diluição dos efluentes no Rio Piracicaba e “facilitar” para que a cidade trate a água. Para outubro, não há expectativa pelo segundo cenário. O DAE trabalha com a estimativa de que apenas em dezembro e janeiro haja chuvas, ao menos, dentro da média.
Os investimentos feitos nos últimos anos, no entanto, têm ajudado a cidade a se manter abastecida mesmo em uma estiagem como a que se tem atualmente. Concluída em 2019, a reforma de quatro decantadores custou R$ 2,8 milhões e ajudou a reduzir, por exemplo, o uso de água para limpeza de filtros.
Além dela, a obra do barramento no Rio Piracicaba, próximo ao ponto de captação de água, fez com que o nível do rio subisse cerca de 2,5 metros e permitisse que, mesmo em épocas em que a vazão estivesse baixa, como agora, fosse possível bombear água para o tratamento.
“Se não tivéssemos tido as reformas na ETA para melhorar a capacidade de tratamento, trocado os equipamentos por mais modernos, não teríamos condições de atender a essa qualidade de água”, comenta Zappia.
O município também deve investir, em breve, na troca de tubulações na região do São Vito e no Jardim São Paulo. O dinheiro para essas obras deve vir por meio de um financiamento junto à Caixa Econômica Federal, já aprovado pela câmara e com licitação pronta para ser lançada.
Há 25 anos no DAE, em uma cidade em que o consumo de água beira os 100 milhões de litros por dia – um volume acima da média –, Zappia, no entanto, é taxativo quanto ao melhor caminho para lidar com os problemas de abastecimento: é preciso economizar.
“Se não tivermos uma mudança radical de consumo de água, teremos problemas muito rapidamente, podendo chegar a ser irreversíveis”, afirma.
Fonte: Liberal.