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Crise da Brasil Biofuels pode deixar 140 mil sem energia na Amazônia

Com salários em atraso e contas bloqueadas, gigante do biocombustível não tem dinheiro para o diesel de suas termelétricas

Crise da Brasil Biofuels pode deixar 140 mil sem energia na Amazônia

A crise financeira em que se meteu a Brasil Biofuels (BBF), empresa que se define como “a maior produtora de óleo de palma da América Latina”, ameaça deixar mais de 140 mil habitantes da região amazônica sem energia.

A companhia comandada pelo empresário paulista Milton Steagall está sem dinheiro para honrar compromissos básicos e operacionais do dia a dia, como o pagamento de salários e benefícios trabalhistas, apurou o Reset.

A falta de recursos impede que a empresa reponha os estoques de combustível de suas usinas termelétricas, que correm o risco de parar nas próximas semanas.

A própria BBF admite não ter, hoje, caixa suficiente para bancar “despesas cotidianas – desde o mais básico boleto”, até a compra de combustíveis para geração de energia elétrica. As informações constam de documentos obtidos pela reportagem.

Como revelou o Reset na semana passada, a BBF está prestes a perder seis concessões de usinas termelétricas no Pará , por descumprimento de cronograma para operar essas usinas. Os problemas, porém, não param por aí.

A BBF é dona de 25 usinas térmicas movidas a óleo diesel e biocombustível em municípios e localidades do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, além dos projetos que assumiu no Pará.

As operações da companhia já atravessavam um cenário crítico desde 2022, em meio a acusações de invasões de terras e confronto com povos tradicionais.

O desarranjo financeiro, porém, ficou mais agudo em fevereiro deste ano, quando a chefia da empresa informou a seus acionistas que buscava autorização para analisar a possibilidade de entrar em recuperação judicial.

No dia 8 de fevereiro, a Justiça de São Paulo deu 60 dias para que a companhia busque um possível acordo com seus credores e pague as dívidas em aberto. Neste período, a BBF ganharia fôlego nas negociações.

O que a BBF não esperava, contudo, é que isso resultaria numa corrida de instituições financeiras à Justiça para liquidar imediatamente empréstimos milionários de longo prazo.

Apenas 12 dias após a decisão judicial, duas credoras – a Vórtx Distribuidora de Títulos e a Opea Securitizadora – conseguiram bloquear R$ 9,5 milhões das contas bancárias da BBF, como forma de garantir o pagamento antecipado de parcelas que ambas tinham para receber. O bloqueio gerou um efeito dominó.

No dia 28 de fevereiro, dia de pagar o salário de seus 6 mil funcionários, a BBF não tinha saldo suficiente na conta. De um total de R$ 19,5 milhões que tinha que desembolsar naquele dia, contava com apenas R$ 10 milhões para honrar parte dos compromissos.

Em recurso apresentado à Justiça paulista, a empresa reconhece o atraso. Cerca de metade dos empregados não recebeu benefícios como vale-refeição e vale-transporte.

Ainda mais grave é a admissão da BBF de que não tem dinheiro para abastecer suas termelétricas. “Com o intuito de fazer frente a tal folha salarial, as requerentes (empresas do Grupo BBF) deixaram de comprar combustíveis neste mês de março, os quais são absolutamente essenciais para a geração de energia elétrica”, afirma o documento.

Sem a reversão do bloqueio das contas, a companhia fala em iminência de “caos” na região que atende e diz existir “risco de apagão aos mais de 140.000 consumidores” que dependem do fornecimento de suas usinas.

Sinal de alerta

Na prática, a crise virou mais um instrumento nas mãos da BBF para tentar levar adiante suas operações e a negociação de um eventual acordo de recuperação judicial. É fato, porém, que o risco de desabastecimento acendeu um alerta do setor.

Na semana passada, a Energisa, distribuidora de energia que atua na Amazônia, alertou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre os “riscos de atendimento às localidades atendidas por usinas da Brasil Biofuels”.

A Energisa atua no setor dos sistemas isolados, responsáveis pelo fornecimento a regiões que dependem exclusivamente de usinas locais, pois ainda não estão conectadas à rede nacional.

Segundo a companhia, há “preocupação para a continuidade do suprimento de energia elétrica nas localidades atendidas pela BBF, uma vez que o suprimento de óleo diesel pode ser afetado por falta de pagamentos”. Os focos de maior atenção são Acre e Rondônia.

A preocupação não se limita à falta de dinheiro. Quatro usinas no Acre só conseguem receber carregamentos no período navegável dos rios Juruá, Tarauacá e Purus, que têm janelas de indisponibilidade de tráfego entre abril e novembro.

O ideal é que o abastecimento integral ocorra entre os meses de janeiro e março, para garantir a operação durante o período de seca.

“Caso se verifique uma insuficiência de estoque de óleo diesel ao final do período úmido, final de março, o suprimento de energia elétrica aos municípios de Jordão e Santa Rosa do Purus até novembro/2024 pode ficar comprometido de forma quase irreversível”, informou a Energisa à Aneel, nesta semana, pedindo que “sejam tomadas medidas preventivas que garantam a continuidade do fornecimento às localidades atendidas pelas respectivas usinas”.

A Aneel declarou à empresa que “compartilha com a preocupação demonstrada pela distribuidora, pois há necessidade de se estocar óleo diesel até a capacidade necessária para garantir a operação dos sistemas isolados por todo o período seco”, porque, caso isso não seja feito antes desse período, “há riscos de corte de carga nas referidas localidades”.

Questionada sobre o assunto pelo Reset, a Energisa declarou que “está em diálogo com a BBF e órgãos competentes, que detêm os meios para viabilizar o suprimento de óleo para a região”.

Nesta semana, para tentar garantir o pagamento de fornecedores de combustível e evitar o desabastecimento, a BBF sugeriu à Aneel que faça repasses financeiros diretamente a seus fornecedores.

A empresa recebe recursos para compra do diesel de um fundo setorial incluído na conta de luz da população, a chamada CCC (Conta de Consumo de Combustíveis).

Se a ideia vingar, o recurso da CCC iria direto para quem vende o combustível, em vez de ter que passar pelas distribuidoras de energia, que estão na ponta da cadeia do setor elétrico e fazem o acerto final das operações. Seria uma maneira, portanto, de acelerar o pagamento. A proposta ainda está em análise pela agência.

‘Narrativa fantasiosa’

Por dois dias, o Reset tentou obter um posicionamento da BBF, mas a empresa não respondeu aos pedidos de esclarecimentos. A Aneel não se posiciona sobre processos em andamento, mas monitora de perto a situação e tem mantido reuniões praticamente diárias com a empresa.

No recurso em que tenta desbloquear suas contas, a BBF alega que a suspensão de cobranças por 60 dias incluía todo tipo de contrato, não apenas aqueles que estavam com atraso, o que tornaria os bloqueios ilegais.

Mas Vórtx e Opea, as credoras, que conseguiram os bloqueios na Justiça, argumentam que não são as primeiras a tentar escapar de um possível calote.

Elas citam, como exemplo, o caso do Banco da Amazônia S.A. (Basa), com o qual a BBF detém um empréstimo de cerca de R$ 230 milhões e que teve contratação e vencimentos antecipados automaticamente, no dia 10 de fevereiro, devido ao atraso no pagamento de parcelas.

“Não prospera a alegação falaciosa das credoras Vórtx e Opea”, declarou a BBF à Justiça, acusando as empresas de promoverem uma “ardilosa tentativa de receber valores que nem sequer são devidos”.

Um terceiro pedido de retenção imediata também recaiu sobre as contas e aplicações financeiras da BBF. O Intrabank Fundo de Investimento conseguiu fazer o arresto de mais R$ 478 mil, referente à parcela que venceria no futuro. Para a BBF, o juízo paulista foi “ludibriado pela fantasiosa narrativa criada pelo Intrabank”.

Além da derrubada dos bloqueios, a BBF pede multa contra as empresas, sob o argumento de que descumpriram uma decisão judicial anterior e a justificativa de que o cenário atual “esvaziará absolutamente todo o caixa do Grupo BBF em poucos dias, em verdadeiro efeito dominó que, frise-se, já está ocorrendo”.

A BBF, empresa que já chegou a registrar faturamento superior a R$ 1 bilhão e que, em junho de 2022, chegou a alcançar a indicação de “grau de investimento” com perspectiva positiva pela Fitch Ratings, uma das maiores agências de classificação de risco de crédito do mundo, hoje não tem uma solução clara sobre seu futuro. Tampouco seus clientes e fornecedores.

Fonte: reset


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