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Crimes disparam na guerra pela água devido à seca no Espírito Santo

São 5 casos por dia no Estado, segundo a Polícia Ambiental
Um dos reflexos da seca que há quase três anos assola fortemente o Espírito Santo tem sido a explosão de crimes ambientais praticados pela falta de água. Desde 2011 o número de delitos disparou de 82 casos para 1.154 em 2015. A situação piorou este ano, chegando a uma média de cinco crimes por dia.
São registros que acabam comprometendo o abastecimento das cidades, provocando danos irreversíveis em áreas de proteção permanente e até resultando em conflitos que vão parar na Justiça.
CRESCIMENTO
Os dados, obtidos com exclusividade por A GAZETA, foram realizados pela Polícia Ambiental. Mostram um crescimento acelerado, ano a ano, dos crimes ambientais (Veja quadro ao lado). “O aumento foi drástico. Ninguém estava preparado para uma situação como esta”, observa o tenente Samir Scardini, comandante do 2º Pelotão localizado em Domingos Martins.
Em 68 cidades capixabas foi registrado algum tipo de delito. A liderança fica com Domingos Martins (142), seguido por São Mateus (65), Jaguaré (49) e Colatina (48). O maior volume de problemas está concentrado nas regiões Norte, Noroeste e Região Serrana.
É também onde estão, segundo a lista da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), a maioria das 19 cidades capixabas (28 localidades) em situação extremamente crítica. São pontos onde a água é destinada apenas para o consumo humano e animal. Muitas delas já vivendo sob racionamento.
A situação piorou muito. Hoje atuamos para garantir o uso prioritário da água, para homens e animais
Tenente Scardini | Polícia Ambiental
No mês passado, e agora em setembro, a situação piorou ainda mais, relata o tenente, com um número maior de denúncias. “São de 10 a 15 por dia”, assinala. Em cerca de 70% dos casos o crime ambiental é confirmado.
Todas são checadas e resultam em operações diárias. Uma atuação que teve seu perfil alterado nos últimos dois anos. “Em função dos conflitos e das denúncias, passamos a atuar praticamente em relação a crimes relacionados a água”, explica o tenente Scardini.
Na maioria dos casos, o tipo de crime cometido é considerado de menor potencial ofensivo e a pessoa não vai presa. Assina apenas um termo circunstanciado, o documento é enviado para a Justiça, e pode pagar multa de R$ 700 a R$ 10 mil, além da prestação de serviços comunitários. Só casos, por exemplo, como o de poluição e desmate resultam em prisão.
Mas a assinatura de um convênio com a Agerh já permite aos policiais ambientais aplicar notificações e multas administrativas, que no caso de lacramento de bombas, por exemplo, pode variar de R$ 700 a R$ 200 mil. “Agora a punição é maior”, pontuou Scardini.
FLAGRANTES DE BOMBAS IRREGULARES
Bombas captando água de forma clandestina no Rio Santa Maria da Vitória foram flagradas, na última semana, pela equipe de reportagem de A GAZETA quando percorria os municípios de Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá, na Região Serrana.
Flagrante de bombas captando água de forma irregular no Santa Maria da Vitória
Com o volume de água cada vez menor no manancial, o crime revolta produtores que respeitam as restrições impostas pela legislação ambiental. É o caso de José Carlos Knack, de 24 anos, que cultiva chuchu no Distrito de Recreio, em Santa Maria de Jetibá.
“O desrespeito é frequente e tem reflexos imediatos no rio. Na última quinta-feira, o meu sogro viu o rio baixar cerca de sete centímetros. É muito para um rio com tão pouca água”, conta.
Na região, duas bombas foram flagradas e já estavam ligadas há mais de 3 horas, no período da manhã, na última quinta-feira. No local dessa captação o rio não tinha nem 50cm de profundidade. Mais adiante, localizamos outras duas bombas que estavam desligadas naquele momento.
Segundo os produtores locais, a bomba custa, em média, R$7 mil e outro problema enfrentado por eles é o aumento no número de furtos desses equipamentos. (Com informações de Wesley Ribeiro) 
AS INFRAÇÕES EM NÚMEROS
Infográfico | Seca no ES
ANÁLISE: “SÃO CRIMES DO DESESPERO”
“São crimes do desespero. A água é um bem precioso para a sobrevivência. Por isso é necessário que sejam adotadas ações de planejamento, com soluções coletivas. A solução de problemas de forma individual só agrava a crise. São ações que beneficiam a si em detrimento de outros que estão ao redor ou na parte baixa do rio. Situações como esta já levaram até a mortes. O caminho, reafirmo, são soluções planejadas e pensadas do ponto de vista das bacias hidrográficas. Cada uma delas tem suas peculiaridades que precisam ser entendidas e para elas buscadas soluções. Já vivemos secas graves nas décadas de 1980 e de 1990, uma situação que volta a se repetir. Espero que sirva de exemplo. Caso contrário teremos a inclusão de áreas, como agora ocorreu com a Grande Vitória.”
[ Antonio Sergio Ferreira Mendonça, doutor em engenharia de recursos hídricos e professor da Universidade Federal do Espírito Santo ]
IMAGENS DE SATÉLITES PARA DESCOBRIR POÇOS
Até mapeamento via satélite está sendo utilizado pela Polícia Ambiental na localização dos poços (artesianos e escavados) feitos sem autorização legal. O problema lidera o ranking dos crimes ambientais em 2016. Até o mês de julho foram 358 casos.

Poços escavados no interior foram flagrados por meio de imagem por satélite

Eles passaram a pipocar por todo o Estado com o agravamento da seca. “Você checa uma área num dia e pouco tempo depois, vários poços surgem”, relata o tenente Samir Scardini, comandante do 2º Pelotão da Polícia Ambiental em Domingos Martins.

Muitos destes poços são feitos até em Área de Preservação Permanente (APP), como é o caso das margens de rios. E o dano causado por eles não pode ser recuperado, como explica o tenente: “É uma cicatriz. A área, mesmo após o fechamento do poço, fica mais ressecada, não tem como voltar com a vegetação, e no caso dos rios, inviabiliza as margens.”

Outro problema grave identificado pelo levantamento dos militares ambientais, é a construção de barragens irregulares. Tenente Scardini explica que é necessário procurar um técnico para fazer um projeto e pedir a autorização para a realização do projeto.

Mas não é o que tem acontecido. Muitas estão sendo realizadas por conta própria. “São estruturas perigosas e frágeis, que não vão suportar o período de chuva. Correm sério risco de rompimento e de promover estragos maiores”, assinala.

Na lista há ainda casos de desvio de curso dos rios e de irrigações irregulares que acabam afetando toda uma comunidade. Muitas denúncias acabam sendo feitas pelas próprias prefeituras ou empresas de abastecimento, quando a água do rio acaba. “Às vezes temos que percorrer longas distâncias para encontrar as irregularidades. E elas acabam prejudicam toda a comunidade”, pontua o tenente.

MAIS DE 2 MIL AÇÕES EM DUAS CIDADES

No interior do Estado, os crimes na disputa por água são cada vez mais frequentes e crescentes, e muitos desses casos estão indo parar na Justiça. Somente na Promotoria de Santa Teresa, cerca de 2,6 mil processos dos 6,5 mil existentes estão relacionados a crimes ambientais e a água.

Segundo a promotora Vera Lúcia Murta Miranda, os processos são referentes a Santa Teresa e São Roque do Canaã. A falta de água tem resultado em muitas brigas e as denúncias não param de chegar.

São conflitos dentro das famílias; entre vizinhos que querem usar mais água que os outros; pessoas que querem atravessar canos pelas propriedades alheias; poços cavados de forma irregular e irrigação que não está em conformidade com a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh).

A doutora comenta que os crimes ambientais aumentaram nos últimos dois anos por causa da estiagem prolongada.

“O período de estiagem está sendo muito longo e no município de Santa Teresa e distritos ninguém esperava por isso. As confusões começaram a partir do momento que algumas pessoas sentiram necessidade de usar a água mais que os outros. O mais comum é conflito intrafamiliar, tem uns em que há violência grave”, afirma.

As demandas chegam na justiça pela Polícia Civil, Polícia Ambiental, Promotoria de Justiça e através das demandas judicializadas. Somente na Polícia Militar Ambiental de Santa Teresa, que atende a nove municípios, foram registrados cerca de 100 ocorrências referentes a recursos hídricos.

SITUAÇÃO

Foto: Raquel Lopes | Gazeta Online

As cidades atendidas pela comarca passam por racionamento. Em São Roque do Canaã e a sede do município de Santa Teresa fazem racionamento das 6h às 18 horas. Já em Santo Antônio do Canaã, distrito de Santa Teresa, o rio 5 de Novembro secou e o local está sendo abastecido por meio de carro-pipa.
No distrito, muitos produtores não conseguem irrigar, como o agricultor Teucimar Antônio Gava. Ele está um mês sem irrigar os pés de café. Da colheita deste ano, ele acredita que não atingiu 40 sacas, sendo que no ano passado foram 60.
“Não tem como recuperar o café. O que prejudica é o uso incorreto de água, alguns usam demais e outros não tem chance. São poços artesianos escondidos e as pessoas ligam as bombas fora do horário permitido pela Agerh. Quem fica na parte baixa se prejudica, espero a justiça reparar esse problema”, conclui.
A dona de casa Maria da Glória Zanotelli vive com a água retirada de uma nascente que passa pela propriedade. No entanto, ela acredita que a irrigação tenha contribuído para secar o rio 5 de Novembro.
“Eu acho que as pessoas deveriam respeitar e parar de molhar a lavoura. Elas vão perder as lavouras, mas as pessoas e os animais precisam ter prioridade. As pessoas da rua não têm água na torneira. Eu retiro minha água de uma nascente para utilizar”, afirma a dona de casa. (Com informações de Raquel Lopes)
Fonte: A Gazeta
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