Na Escola de Artes, Ciências e Humanidades, cientistas desenvolveram e mantêm em funcionamento protótipos de “baterias biológicas” que transformam resíduos em eletricidade. São as chamadas Células a Combustível Microbianas (CCM)
Imagem Ilustrativa
Em busca de alternativas para a sustentabilidade dos setores de energia e saneamento, pesquisadores vinculados ao Laboratório de Saneamento e Tecnologias Ambientais (LabSanTec) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP desenvolveram um modelo de Célula a Combustível Microbiana (CCM) que é capaz de gerar eletricidade a partir de águas residuárias urbanas e agroindustriais, a exemplo da vinhaça, resíduo obtido na produção de bioetanol. O Grupo de Pesquisa Água, Saneamento e Sustentabilidade – GEPASS mantém seis unidades que apresentam potência em torno de 48 Watts por metro cúbico (m3) de volume do sistema. A solicitação de depósito de patente baseada no projeto foi efetuada no último mês de março.
O grupo de pesquisa liderado pelo professor Marcelo Nolasco, do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da EACH, vem trabalhando agora com seus orientandos nas melhorias que buscam otimizar os protótipos para torná-los mais eficientes e capazes de gerar maior densidade de corrente elétrica.
“Nossos protótipos resultam de estudos anteriores que almejavam a recuperação de recursos diversos, provenientes de estações de tratamentos de águas residuárias. Os sistemas, formados por tecnologias e processos, deixam de ser consumidores de insumos e eletricidade para se tornarem fontes de geração de novos recursos”, explica o docente ao Jornal da USP, lembrando que o grupo buscou previamente identificar potencialidades para implementar a transformação do esgoto sanitário em água de reúso, biogás e em fertilizante orgânico.
Na melhor condição, até agora, normalizando para uma capacidade de 1 metro cúbico (m³), nossa CCM gerou 48 watts de potência.
O pós-doutorando Vitor Cano, que também integra o grupo, destaca que os pesquisadores têm, entre outros objetivos, desenvolver soluções que tornem o setor de saneamento mais sustentável, alinhado às melhores práticas e tecnologias apropriadas.
“Quando observamos estações de tratamento, mesmo em outras regiões, vemos que são obras de grande porte e, em que pesem os enormes benefícios há muito conhecidos, causam impactos ao ambiente, incluindo emissões de gases de efeito estufa. Em alguns países, como os Estados Unidos, os setores de água e esgoto podem consumir até 4% da eletricidade de toda a nação”, calcula. A tese de doutorado de Vitor Cano, defendida na EACH, contou com a colaboração de grupo de pesquisa da Universidade de Columbia, EUA.
Vinhaça
Desenvolvendo pesquisa na área de tratamento de águas residuárias desde sua graduação, Vitor Cano levou os protótipos produzidos na USP para os EUA visando ao desenvolvimento de uma CCM utilizando matéria inorgânica. Em seu retorno ao Brasil focou seu trabalho na vinhaça, um resíduo orgânico gerado na produção do bioetanol.
“Trata-se de um resíduo que possui alta concentração de compostos orgânicos e sais minerais, podendo causar acidificação e salinização no solo, onde é normalmente descartado”, explica.
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Nos experimentos realizados até o momento, os pesquisadores usaram uma vinhaça sintética como substrato para gerar a eletricidade. “Na melhor condição, até agora, normalizando para uma capacidade de 1 metro cúbico (m³), nossa CCM gerou 48 watts de potência”, estima Vitor. Segundo ele, há potencial para ampliar essa geração. Os biorreatores em escala laboratorial construídos na EACH são feitos em pequenos tanques com colunas inseridas que têm cerca de 24 cm de altura.
“O sistema atualmente é mantido com uma taxa de alimentação abaixo da capacidade máxima, ou seja, há potencial para se reconfigurar o reator e ampliar a geração de eletricidade”, garante Vitor.
Bactéria eletrogênica
Nos experimentos, além da vinhaça sintética, os pesquisadores também têm usado espécies de bactérias denominadas eletrogênicas.“A presença desse grupo de bactérias no ambiente natural é mais comum do que se pensava inicialmente, quando foram descobertas em 1910. Esses microrganismos podem ser encontrados em diversos locais, inclusive nas estações de tratamento de esgotos”, destaca Vitor, ressaltando que há várias espécies de bactérias que são utilizadas para tratar efluentes. Mas dentro da CCM só irão se desenvolver as que se adaptarem ao meio, sendo principalmente as capazes de gerar corrente elétrica, como as eletrogênicas.
Uma CCM é composta de duas câmaras. Numa delas, onde ocorre o tratamento, as bactérias crescem formando um biofilme sobre um material condutivo e se alimentam dos poluentes presentes no efluente que é introduzido na mesma câmara. Ao se alimentarem destes compostos, as bactérias eletrogênicas naturalmente geram uma corrente elétrica que é, então, transferida para o material condutivo sobre o qual elas formaram o biofilme. Essa corrente elétrica é coletada e migra, através de um circuito externo (como um fio condutor), para uma segunda câmara onde ocorre uma reação química. Essa corrente elétrica que percorre o fio condutor de uma câmara a outra é a eletricidade que é gerada no sistema e que pode ser utilizada para alimentar baterias ou dispositivos eletrônicos. Quanto melhor a condição para essas bactérias, como, por exemplo, o aumento da temperatura na CCM, maior é a sua atividade e a consequente geração de eletricidade.
Otimização
Atualmente, os pesquisadores trabalham em processos de otimização da CCM. Dentre os diversos pontos investigados, têm-se a otimização dos bioprocessos, a automatização do sistema, a identificação e uso de materiais para a construção das câmaras que compõem a CCM.
O aluno Julio Cano, que vem fazendo seu mestrado na EACH e integra o GEPASS e o LabSanTec, trabalha nesse sentido e avalia como as condições de funcionamento afetam os custos do equipamento.
“Estamos buscando ampliar o potencial de geração de eletricidade alcançado na primeira etapa do estudo para valores que permitam avançar no ganho de escala da CCM”, cita Julio.
A ideia é contribuir para que no futuro as CCMs possam sair da escala de laboratório, e ganhar escala para funcionar em uma estação de tratamento de esgotos urbanos, ou em usinas de produção de álcool e estações de tratamento de efluentes industriais.
Fonte: Jornal da USP.