Como o organismo não decompõe totalmente essas substâncias após o consumo, elas se acumulam no ambiente e contribuem para o surgimento de superbactérias
Um estudo que levantou dados globais sobre a poluição gerada pelos antibióticos indica que os humanos estão lançando em rios do mundo mais de 8.500 toneladas das moléculas dessas drogas contra infecções bacterianas. O que equivale a 29% do total consumido.
A cientista brasileira Heloisa Ehalt Macedo, da Universidade McGill (Montreal, Canadá), liderou o trabalho com base em dados do padrão de consumo desses medicamentos no mundo todo. Os cientistas validaram a projeção com amostras de esgoto coletadas em 877 locais diferentes do planeta. E revelaram um cenário preocupante, relacionado ao surgimento de bactérias resistentes a medicamentos.
“A presença de antibióticos em águas superficiais representa riscos aos ecossistemas aquáticos e à saúde humana devido à sua toxicidade e influência na resistência antimicrobiana”, afirmaram os pesquisadores no estudo, publicado pela revista PNAS Nexus, da Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Como as pessoas eliminam essa poluição farmacológica pelas fezes e fluidos corporais, torna-se difícil controlá-la, pois as moléculas demoram a se decompor naturalmente no esgoto.
“Após consumidos por humanos e serem apenas parcialmente metabolizados, os resíduos de antibióticos são excretados e passam por processos complexos de acumulação e decomposição ao longo de seu caminho, indo dos resíduos líquidos das cidades até aos sistemas naturais dos rios”, afirmam os cientistas.
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Antibióticos em rios
A presença da droga nesses ambientes propensos à proliferação de microrganismos torna mais provável que variantes resistentes de bactérias surjam, via mutação e evolução.
Esse problema já era conhecido por cientistas e já gerou um grande volume de literatura científica. O que Macedo e seus colegas conseguiram fazer agora é a primeira estimativa global do efluxo de antibióticos por uso humano.
— A ideia do modelo é servir como um ponto de partida com estimativas para avaliar a dimensão do problema em diferentes locais. Em cada um desses hotspots, de qualquer maneira, é preciso tirar amostras e fazer a medição para confirmar — diz a cientista.
A pesquisa foi feita com base nos 21 tipos de antimicrobianos mais usados no mundo, que juntos representam cerca de 90% do consumo dessa classe de medicamentos. A amoxicilina, que é hoje o antibiótico mais usado em tratamentos iniciais, é aquele mais encontrado nos rios. Mas a constatação é menos óbvia do que parece.
— Estudos de laboratório mostraram que a amoxicilina se degrada de maneira relativamente fácil no ambiente, mas o volume de consumo é tão alto que mesmo assim a presença dela nos rios é grande — diz Macedo.
A cientista afirma que, além disso, seu trabalho é por definição uma subestimativa do problema global, porque o uso veterinário de antibióticos, sobretudo na produção pecuária, também é extenso. O trabalho, além disso, mostra que os antibióticos não param nas bacias fluviais, porque oceanos e lagos também estão sendo contaminados, com cerca de 11% da carga de antibióticos usados anualmente (3.300 toneladas).
Essa outra ponta do problema é um custo ambiental menos conhecido. Mas a redução da biodiversidade microbiana pela presença dessas drogas é algo que pode impactar a saúde de peixes e algas.
Vazão e concentração
No publicado pela PNAS Nexus, os pesquisadores estimaram a concentração de antibióticos nas principais bacias fluviais do mundo, mapeando-as por grau de preocupação do problema e classe de antibiótico mais usado. Essa projeção levou em conta não só o consumo local dessas drogas, mas também a vazão dos rios. Porque em fluxos de água menor, a concentração da poluição farmacológica aumenta.
— Existem problemas em locais com população grande e falta de saneamento básico — diz Macedo. — O Brasil, por exemplo, é um país onde em média os rios têm muita água, sobretudo na Amazônia, mas no Sudeste e no Nordeste pode ocorrer um problema, porque tem alguns lugares mais secos.
Pelo mapeamento dos cientistas, a maior concentração do problema é nos países em desenvolvimento, sobretudo no Sul/Sudeste Asiático, mas ele está longe de ser algo solucionado em países ricos. Os pesquisadores afirmam que a sociedade precisa discutir bem o ataque ao problema, pois a medicina moderna não pode simplesmente abrir mão do uso de antibióticos.
— Os países mais ricos já estão começando a se preocupar e investir nisso, e há propostas de se criar medicamentos que tenham menos impacto ambiental, mas ainda é algo muito inicial — diz Macedo. — Em alguns países existem instalações de tratamento secundário de resíduos que consegue remover um pouco dos antibióticos, mas não é tudo, e também ninguém sabe o quanto bem certo ainda quão eficaz é isso.
Fonte: Um Só Planeta