Empresas de saneamento investem para antecipar metas, reduzir impactos ambientais, economizar energia, aproveitar os resíduos e aumentar a segurança hídrica
A eficiência energética, a destinação adequada de resíduos e a resiliência hídrica formam o eixo da estratégia de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) das empresas de saneamento.
Os investimentos em projetos desenvolvidos em parceria com universidades, centros de pesquisa e startups têm como objetivo não apenas diminuir o impacto ambiental decorrente das operações de tratamento de água e de esgotamento sanitário. Além de reduzir os impactos, buscam antecipar o cumprimento das metas de universalização desses serviços. De forma complementar, essas metas foram estabelecidas até 2033 pelo marco regulatório do setor.
Presente em mais uma centena de municípios, nos quais opera em parceria com empresas estaduais e privadas, atendendo cerca de 16 milhões de usuários, a BRK, primeira colocada do setor no ranking do anuário Valor Inovação Brasil 2025, concentra esforços na gestão do lodo gerado com o objetivo também de aproveitá-lo como um produto de valor para aplicação em outras áreas no contexto da economia circular. Há experiências do tipo no Tocantins. Por exemplo, com o material da Estação de Tratamento de Água (ETA) do município de Gurupi foram produzidos biossólidos, aplicados como fertilizante em plantações de eucalipto.
“Mais de 870 toneladas foram utilizadas em fazendas agrícolas da região”, informa Alexandre Thiollier, CEO da companhia.
Em Porto Ferreira (SP), o resíduo de uma ETA é direcionado por meio de um sistema de “lododuto” para tratamento na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da mesma cidade.
Faz parte dos planos ampliar o programa de tratamento de efluentes para uso como biossólido na agricultura no próximo ano. Para tanto, investimentos estão sendo feitos em tecnologia que utiliza oxigênio dissolvido. Isso permite que microrganismos decomponham a matéria orgânica de forma eficiente. A solução reduz o consumo de energia e a geração de lodo. Além disso, contribui para a otimização dos projetos.
BRK aposta em IA
Em relação aos recursos hídricos, a companhia utiliza sensores eletrônicos e mecanismos de inteligência artificial (IA) para detectar com mais precisão as perdas no sistema de distribuição de água. O projeto-piloto na cidade de Cachoeiro de Itapemirim (ES) reduziu em 15% o tempo médio de identificação de vazamentos, revela Thiollier, acrescentando que a BRK planeja expandir a sua aplicação para outras localidades do país.
“A perda hídrica é um tema crítico em um país que perde 40% da água captada”, observa.
No plano doméstico, o empoderamento é a palavra-chave para a disseminação da cultura de inovação. Todo o time de colaboradores é estimulado a pensar de forma criativa e propor ações que respondam aos desafios estruturais do setor de saneamento. Por outro lado, as parcerias com startups, pequenas, médias e grandes empresas, universidades e órgãos públicos também são consideradas fundamentais para inovar.
Nesse sentido, a BRK fez um acordo para o uso de sistemas de tratamento de efluentes de uma empresa da Holanda. Além disso, celebrou alianças estratégicas envolvendo o uso de energia renovável, com foco principalmente em autoprodução. Usinas eólicas e solares, em parceria com empresas de energia, começaram a funcionar em maio. Parte do objetivo é reforçar a eficiência operacional e a conformidade com a agenda ambiental, social e de governança (ESG).
O executivo destaca, ainda, a criação de um programa para fomentar a cadeia de fornecedores locais. Além disso, a iniciativa conta com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do BID Invest, do grupo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“Estamos focados em atingir os objetivos da universalização de forma sustentável”, afirma Thiollier.
Inovação no saneamento
No Paraná, a universalização do abastecimento de água já é realidade nos 345 municípios atendidos pela Sanepar. No quesito esgotamento sanitário, os planos são de aumentar a cobertura do serviço dos atuais 81,7% para 90% em 2029. Segundo Wilson Bley Lipski, presidente da companhia, o orçamento de PD&I da diretoria de inovação e novos negócios é de R$ 22 milhões, o equivalente a 0,3% da receita anual. O volume pode aumentar para R$ 38 milhões nos próximos anos com a participação de outras diretorias nos projetos de inovação.
Reduzir a destinação de resíduos para aterros sanitários é uma das prioridades da Sanepar. Além do custo, o motivo é a incerteza sobre quanto tempo mais esse tipo de instalação estará disponível. Atualmente, uma pequena parte do lodo gerado é utilizada para produção de biogás que abastece uma de suas ETEs. Além disso, já existe uma pequena parcela da produção de biofertilizantes que é fornecida para alguns agricultores do Estado.
“A ideia é criar novas rotas para o lodo”, ressalta Bley, acrescentando que a companhia busca parcerias para viabilizar a exploração comercial do insumo.
No modelo de inovação aberta busca-se uma forma de solucionar as “dores” inerentes à operação. Sistemas baseados em IA para detecção de perdas de água foram apresentados por duas das dez startups selecionadas pelo Programa Sanepar Startups. Com elas, foram firmados contratos individuais de R$ 6 milhões por dois anos, e as soluções já estão em fase de escalonamento na companhia.
Sanepar Labs
No âmbito do Programa Sanepar Labs foi aberto o primeiro edital para seleção de empresas, com a expectativa de realização de provas de conceito em outubro. Outros dois editais para a chamada de startups com diferentes níveis de maturidade estão previstos para o segundo semestre. Um dos desafios para as empresas do setor de saneamento reside na estruturação de uma governança para gestão do ecossistema de inovação.
O grupo Águas do Brasil, uma holding que controla diversas concessionárias de saneamento em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, criou um núcleo de gestão para mapear tendências tecnológicas no setor e atrair startups e universidades para o desenvolvimento dos projetos. Uma rede de 40 pessoas auxilia a área corporativa das concessionárias do grupo na execução das iniciativas.
Os investimentos em inovação nos últimos três anos têm sido da ordem de R$ 5 milhões, em torno de 2,5% do faturamento, com perspectiva de retorno entre 8% e 10% do capital aplicado. O programa Torneira Lab, de inovação aberta, concentra os projetos considerados sensíveis no setor de saneamento, como a otimização do consumo de energia, perdas hídricas e destinação de resíduos, entre outros.
“Ao menos sete deles já saíram da fase de prova de conceito para a de execução”, revela Marcelo Mota, CFO da Águas do Brasil.
Tecnologia
Como uma das metas estabelecidas é a redução em até 10% do consumo de energia, há uma parceria com uma startup envolvendo o uso de gêmeos digitais no processo de bombeamento de água e esgoto. Em estágio inicial de aplicação, a tecnologia permite fazer simulações em ambiente virtual da otimização das bombas em tempo real. Recursos tecnológicos estão sendo destinados também para melhorar o relacionamento com os consumidores e aumentar o nível de eficiência de cobrança.
Mota conta que, graças à IA, foi possível reduzir de 30% para 5% a taxa de inadimplência em Teresópolis (RJ), cujos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário assumiu em 2023, através da empresa Rio+ Saneamento. Especializada em serviços e soluções voltados à gestão ambiental para diversos segmentos, a Ambipar tem investido no desenvolvimento de tecnologias de regeneração ambiental, que permitem não apenas antecipar demandas regulatórias, como também fazer ofertas personalizadas aos clientes. Entre os projetos nessa área, Gabriel Estevam, diretor corporativo de PD&I da companhia, destaca o de reaproveitamento de materiais que seriam descartados para melhorar a fertilidade do solo agrícola e degradado.
Economia circular
Para tanto, transforma resíduos da indústria de papel e celulose em adubo orgânico, cuja composição aumenta a retenção de água e potencializa a absorção de nutrientes pelas plantas. A Ambipar está envolvida também na criação do Centro Internacional de Pesquisa e Inovação em Economia Circular Aplicada, em parceria com a Universidade de Paris. A iniciativa conta com a participação da Universidade de São Paulo (USP) e apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“O objetivo é desenvolver soluções escaláveis para a valorização de resíduos e acelerar a transição para a economia circular, com foco em resultados aplicados nos contextos brasileiro e francês”, explica Estevam. Do centro, que possui 140 laboratórios de pesquisa e três incubadoras, participam 70 startups e mais de cem pesquisadores.
Na sede administrativa localizada em Odessa (SP) funciona o centro de PD&I da Ambipar, composto por laboratórios, plantas de prototipagem, equipamentos especializados e um time multidisciplinar para desenvolvimento de soluções para valorização de resíduos, economia circular e tecnologias ambientais.
Além de suprir demandas oriundas das áreas comerciais, de comitês internos, de clientes e de colaboradores, essa estrutura é responsável pelo mapeamento constante de tendências e necessidades na área ambiental. A empresa também participa do hub de inovação Cubo Itaú. Está em processo de criação de um centro de pesquisas climáticas. A iniciativa é realizada em parceria com a USP, segundo Estevam.
Fonte: Valor