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Como o etanol de milho conquistou 20% do mercado, e por que ele atrai a Petrobras

Como o etanol de milho conquistou 20% do mercado, e por que ele atrai a Petrobras

A produção cresce mais de 30% ao ano. Duas companhias, Inpasa e FS, concentram 80% desse mercado, e podem virar sócias da estatal.

Pergunta do Show do Milhão: a empresa que mais produz etanol no Brasil usa qual matéria prima?

A) Cana-de-açúcar

B) Milho

Você está certo disso? Vamos à resposta: alternativa B. Porque a maior produtora de etanol em 2024 não foi a Raízen, que cultiva 13 mil km² de cana (o equivalente a metade do Estado do Sergipe). Foi a Inpasa, que faz etanol de milho: 3,7 bilhões de litros – à frente dos 3,1 bilhões da Raízen.

É isso. Enquanto a produção de etanol de cana está praticamente travada no mesmo patamar há 10 anos, a de etanol de milho cresce, desde 2020, a uma taxa média assombrosa: 33% ao ano.

Ou seja, quase todo o crescimento do mais brasileiro dos biocombustíveis vem hoje do etanol de milho, que até outro dia era sinônimo de álcool produzido nos EUA.

Agora a história é outra. Essa variante já responde por 20% do etanol brasileiro – 7,5 bilhões de litros, de um total de 37 bilhões. E deve passar de 30% nos próximos 10 anos, pelas projeções da EPE.

Produção de etanol de milho no Brasil Em bilhões de litros

Produção de etanol de milho no Brasil Em bilhões de litros

Vamos olhar essa indústria um pouco mais de perto. A Inpasa tem um bom tempo de rodagem. Começou com o etanol de milho em 2007, mas no Paraguai. O nome da empresa, inclusive, é um acrônimo para Industria Paraguaya de Alcoholes S.A. Só que o dono é brasileiro: José Odvar Lopes, o “Seu Zé”.

Em 2019, a Inpasa virou uma indústria brasileira também: inaugurou sua primeira usina em Sinop (MT), grande produtora de milho. E no ano passado Seu Zé destronou Binho – como os amigos chamam Rubens Ometto, o controlador da Raízen.

A Inpasa teve uma receita líquida de R$ 13,6 bilhões em 2024; 23% maior na comparação anual. Ela não divulga o lucro. A Moody’s, porém, estima que a margem líquida ali seja de 18%. Isso sugere um lucro de R$ 2,4 bilhões no ano passado.

E ela tem aproveitado o dinheiro para expandir em outra área: a da distribuição de combustíveis. De acordo com o Brazil Journal, José Odvar Lopes chegou a comprar R$ 30 milhões por dia em ações da Vibra e já detém, por meio de um fundo da família, 3% da dona dos postos BR; uma fração avaliada em R$ 800 milhões.

FS e Inpasa: gigantes do etanol de milho no Brasil

A Inpasa não foi a primeira do país, de qualquer forma, a dedicar-se ao etanol de milho. O pioneirismo aí cabe à Usimat. Em 2012, ela montou uma “usina flex” na cidade de Campos de Júlio (MT), capaz de processar cana e milho – alternando as safras de um e de outro.

Já a primeira companhia 100% dedicada aos sabugos veio um pouco mais tarde, em 2017. Trata-se da FS, controlada pela americana Summit – o nome completo dela também é em outra língua: Fueling Sustainability (basicamente, “abastecendo a sustentabilidade”).

Ela estreou com uma usina em Lucas do Rio Verde (MT), tirando 280 milhões de litros. Em 2020, bateu a marca de 1 bilhão. Hoje, são 2,4 bilhões. Isso faz da FS a terceira maior produtora de etanol do país (seja de cana, seja de milho), atrás apenas da Inpasa e da Raízen. No ano passado, ela viu seu faturamento saltar 32%, a R$ 10,7 bilhões. De lucro, R$ 937 milhões.

A FS tem três usinas; a Inpasa Brasil cinco. Todas ficam, naturalmente, próximas de regiões produtoras de milho. Para dar uma ideia melhor da dimensão desse par: elas produzem 80% do etanol de milho no Brasil.

Não à toa, elas entraram na mira da Petrobras.

Petrobras: back to the game

A estatal anunciou no final do ano passado que pretende voltar ao mercado de produção de etanol, que ela tinha abandonado na década passada. Ela tinha joint ventures com sucro-alcooleiras, incluindo a São Martinho, onde também contava com uma participação acionária relevante, de 6,5%. Mas saiu em 2018, para se concentrar em óleo e gás.

Agora ela quer voltar ao jogo. Magda Chambriard, a presidente, disse no início do ano que não via sentido em deixar de lado o combustível que concorre com a gasolina. A ideia é voltar ao sistema de joint ventures, com participação minoritária em empresas de etanol. Mas quais empresas?

A Petrobras ainda não abriu, mas a Bloomberg noticiou na última quarta-feira (10), citando fontes próximas do caso, que as negociações estão avançadas justamente com a Inpasa e a FS, as gigantes do etanol de milho.

E por que milho? O Brasil, afinal, é o país da cana desde o século 16. Somos o segundo maior produtor de etanol (atrás dos EUA) e o primeiro, de longe, de açúcar.

Num país tão canavieiro, então, como é que o etanol de milho cresceu tanto em meia dúzia de anos? E o que teria encantado a Petrobras nessa seara? É o que vamos ver agora.

Até 40% mais barato

Como você leu aqui no intertítulo: é bem mais barato produzir etanol de milho. Primeiro, porque a oferta nacional aumentou.

A área de terras para o cultivo de milho cresceu 15% desde o fim da década passada. Nesse mesmo intervalo, a produção subiu 25%. Um aumento razoável na produtividade. Ao mesmo tempo, os preços internacionais do milho passam por uma baixa. Nos últimos três anos, a queda é de 35%.

As usinas compram milho dos produtores. Com mais matéria prima no mercado, a preços menores, o custo delas tem caído. Na safra 2024/2025, a produção de etanol de milho custou R$ 1,88 por litro, de acordo com um relatório do BTG, contra R$ 2,36 do etanol de cana. Uma economia de 20%.

E o resto? Aí que vem o pulo do gato. A fabricação do etanol de milho gera um subproduto valioso, o DDG – sigla em inglês para “grãos secos de destilaria”, que é vendido como ração.

Vale ver como a mágica acontece.

Produzir etanol é igual a produzir uísque, pelo menos nos primeiros passos. Você mói os grãos de milho e mistura com água. Então coloca um levedura ali – um fungo, que “come” o açúcar do milho. Feita a “digestão”, o fungo libera gás e álcool.

O que fica é uma espécie de cerveja – um líquido gasoso com baixo teor de álcool. Mas não é cerveja que você quer. O próximo passo é ferver essa mistura. O etanol evapora primeiro, então o vapor que sai é rico em álcool. Ele vai por tubos até uma serpentina fria, onde vira líquido de novo. A alquimia está feita: o milho virou álcool.

O que sobra é um líquido cheio de milho moído com menos amido. Você seca essa sopa, e o que tem na mão é um farelo rico em proteína (com pelo menos 30%, contra 8% do milho original). Por isso o DDG é valioso como ração animal. Tanto que um dos clientes da FS é a BRF, que usa o grão seco de destilaria para alimentar as aves e suínos da unidade que tem em Lucas do Rio Verde.

Na transformação da cana em álcool você não tem um subproduto assim. Como a planta é puro amido, o que sobra ali não serve como ração. Na transformação de milho, fica o DDG – e mais outro subproduto, o óleo de milho, que serve para fazer biodiesel.

E o fato é que a venda do DDG e do óleo de milho fazem com que o custo de produção do etanol de milho fique até 40% menor na comparação com o etanol de cana.

A simbiose com a soja

Outra vantagem do etanol de milho é a simbiose com a maior cultura do país: a de soja.

No Centro-Oeste, você planta soja na primavera (setembro/outubro) e colhe no verão (janeiro/fevereiro). São pouco mais de 100 dias. Mas não adianta plantar de novo em março. Essa safra pegaria o inverno, com menos horas de luz solar, e a planta não se desenvolveria a contento.

A saída aí é plantar braquiária, um tipo de capim que protege o solo das ervas daninhas, e ficar esperando. Mas tem outra. Você também pode semear alguma outra cultura, que seja amiga do outono/inverno. É justamente o caso do milho, que não se incomoda com a luminosidade menor dessa época. Se houver demanda para milho, então, vale a pena aproveitar a janela da soja e produzir, como dizem no agro, o “milho-safrinha”.

O etanol de milho, com seu crescimento veloz, garante essa demanda. E temos aí um círculo virtuoso: com mais usinas, há mais incentivo para que o oceano de áreas de plantação de soja no país produza milho no inverno. São 24 usinas no país hoje. Elas já consomem 15% da produção brasileira de milho – sendo que um terço volta para a cadeia de produção de alimentos, na forma de DDG.

Evolução da moagem de milho para produção de etanol

Nada disso significa que o etanol de cana vá acabar. A demanda é intensa. Não é só das pessoas que preferem encher o tanque com álcool, você sabe. A gasolina já levava 27% de etanol, por determinação regulatória. Desde agosto, passou para 30%. E é possível que, no futuro, pule para 35%. E 80% da produção de etanol segue dependendo dos canaviais.

Mas o crescimento tende a vir do etanol de milho mesmo, por conta do preço de produção mais baixo. E também porque as sucroalcooleiras não têm esse nome à toa, claro. Elas também usam a cana para produzir açúcar – commodity da qual o Brasil representa metade das exportações globais.

Na década passada, entre as safras de 2011 e 2019, a proporção média das usinas de cana ficou em 44,4% açúcar X 55,6% etanol – com base nos dados da Unica, uma entidade representativa do setor. Entre as de 2020 e de 2025, a proporção açucareira aumentou: 48,8% X 51,2%. Ou seja: a “concorrência interna” com o açúcar tem ficado mais acirrada.

Como a Petrobras não trabalha com açúcar, é natural o interesse dela pelo etanol de milho – algo que praticamente não existia no Brasil quando a estatal saiu do setor de álcool.

Agora não apenas existe. Já é uma peça fundamental no portfólio brasileiro energia limpa.

Fonte: InvestNews


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