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Dessalinização, Reúso de Água e Water Positive para restaurar a terra e criar oportunidades

Dia de desertificação e seca – Dessalinização

Dessalinização, Reúso de Água e Water Positive para restaurar a terra e criar oportunidades

Mais da metade do PIB mundial depende da natureza, então a terra saudável está na base de economias prósperas, no Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, o apelo é restaurar 1,5 bilhão de hectares degradados até 2030. Nesse horizonte, processos como a dessalinização – especialmente agrícola – e o reúso, integrados à abordagem Water Positive, surgem como estratégias eficazes quando outras fontes já estão no limite. Experiências em diferentes países demonstram isso, projetando uma nova fronteira hídrica para agroexportações sustentáveis e resiliência dos ecossistemas.

A perda de terras férteis devido à desertificação não é uma previsão, é uma realidade documentada e crescente. A cada ano, o planeta perde uma área equivalente ao tamanho do Egito, segundo dados oficiais da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD). Estima-se que mais de 50% do Produto Interno Bruto mundial dependa de ecossistemas saudáveis, mas a degradação contínua da terra está levando ao colapso dos ciclos hídricos, perda de biodiversidade, aumento dos eventos de seca e migração forçada de comunidades rurais inteiras.

Ibrahim Thiaw, Secretário Executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), disse: “A degradação da terra e a seca afetam gravemente nossa economia, estabilidade, produção de alimentos, acesso à água e qualidade de vida. Além disso, intensificam as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, a pobreza, a migração forçada e os conflitos pelo acesso a terras férteis e água. A restauração de terras é uma oportunidade para reverter essas tendências alarmantes. Uma terra restaurada é uma fonte de oportunidades infinitas. É hora de aproveitá-las!”

Assim, a restauração de terras constitui, além de uma necessidade ambiental, uma estratégia econômica e social de alto impacto. Cada dólar investido em restauração pode gerar entre US$ 7 e US$ 30 em retornos, de acordo com dados da própria UNCCD, posicionando as soluções hídricas como investimentos estratégicos em entornos cada vez mais condicionados pela escassez.

De acordo com o Mecanismo Mundial da UNCCD, o mundo precisa de US$ 1 bilhão por dia entre 2025 e 2030 para combater a desertificação, a degradação da terra e a seca. Atualmente, os investimentos em restauração de terras e resiliência à seca são de US$ 66 bilhões por ano, dos quais apenas 6% são provenientes do setor privado.  A ALADYR se une ao apelo para resolver essa lacuna financeira com urgência e gerar marcos regulatórios que incentivem a participação do capital privado.

De acordo com o relatório “The Impacts of Disasters and Crises on Agriculture and Food Security” publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2023, as secas geraram perdas agrícolas acumuladas de aproximadamente US$ 29.000 milhões na América do Sul nas últimas duas décadas. Somente entre 2008 e 2018, mais de 60 eventos de seca severa foram relatados na região, sendo Argentina, Brasil e Paraguai os países mais afetados. Em muitos desses casos, as perdas representaram entre 30% e 80% da produção anual em culturas como soja, milho e trigo. A ALADYR alerta que, sem investimentos estruturais em soluções hídricas, como dessalinização e reúso, e alianças efetivas para compensação de água (Water Positive), a região continuará perdendo bilhões de dólares anualmente devido à falta de resiliência climática em seu setor agrícola.

Sob o tema deste ano, “Restauração da Terra. Desbloquear Oportunidades”, a edição de 2025 do Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca visa recuperar 1,5 bilhão de hectares degradados até 2030. Esse objetivo inclui tecnologias hídricas, como dessalinização e reúso, cujos resultados já podem ser observados em áreas áridas onde, de outra forma, a atividade agrícola seria inviável.

Um dos casos citados pela ALADYR é o da Agrokasa, em Ica, Peru. Lá, o reúso de águas residuais foi implementado ao máximo de sua capacidade técnica em relação à eficiência hídrica e circularidade na agricultura. A estação de tratamento de águas residuais desta empresa conta com uma capacidade instalada de 180 litros por segundo, o que permite abastecer constantemente as safras de exportação. Este progresso foi possível graças à adjudicação, por meio de licitação público, do uso de águas residuais tratadas proveniente da cidade de Ical. A iniciativa conteve a perda de terras aráveis, aumentou a produtividade e abriu novas oportunidades em um ambiente onde as chuvas são praticamente inexistentes e os aquíferos são superexplorados.

Além disso, Ivo Radic, diretor da ALADYR, disse que “com a dessalinização, recuperamos o que o deserto tirou dos agricultores. Experiências-piloto como as salinas de Puyayi, no Chile, são evidências disso. Estamos criando oásis produtivos onde antes havia apenas regressão e abandono.”

Na América Latina, cerca de 150 milhões de hectares apresentam níveis de degradação severa e estima-se que 20% da área total da região seja vulnerável à desertificação.

A Espanha, por sua vez, oferece um modelo consolidado de integração da dessalinização nas políticas agrícolas de longo prazo. Regiões como Múrcia, Alicante e Almeria conseguiram articular acordos entre comunidades de irrigação, cooperativas agrícolas e operadores de plantas de dessalinização que permitem o fornecimento estável de água dessalinizada para uso agrícola a preços competitivos. Esses esquemas também têm incorporado energias renováveis para a operação das plantas para reduzir a pegada de carbono do processo e reforçar a sustentabilidade integral do sistema. Como resultado, essas áreas têm se tornado referências europeias para a produção hortifrutícola em ambientes semiáridos.

Seca na América Latina

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 15% das terras áridas do mundo estão localizadas na América Latina e no Caribe. Esse fenômeno está reduzindo a disponibilidade de água tanto no campo quanto nas cidades. Em Bogotá, por exemplo, os reservatórios se encontram em níveis que tem forçado a implementar racionamentos que afetam milhões de pessoas.

Jerry Ross, presidente da ALADYR

Nas palavras de Jerry Ross, presidente da ALADYR, “a designação da Colômbia como sede do evento mundial em 17 de junho é uma oportunidade histórica. O que acontecer na Colômbia este ano pode abrir um precedente para a integração de soluções como dessalinização e reciclagem de água nas políticas nacionais de adaptação. São tecnologias que já existem, que provaram sua eficiência, mas que ainda são alheias ao conhecimento diário dos cidadãos e, em muitos casos, dos líderes políticos.”

Ross comentou que a dessalinização é uma promessa para o futuro.

“Um futuro em que, graças à água extraída do mar, a terra dará frutos novamente, as comunidades recuperem sua vocação produtiva e seja demonstrado que, mesmo nas paisagens mais áridas, a vida pode fazer o seu caminho com determinação, ciência, políticas públicas ousadas e cooperação intersetorial”, afirmou.

Water Positive, um novo propósito para comemorar

Se se busca uma solução real para a crise hídrica, diz Alejandro Sturniolo, cofundador da iniciativa Water Positive Think TanK, o foco deve necessariamente ser direcionado para o setor industrial. Nesse contexto, torna-se relevante o caminho da Water Positive, um conceito que se aplica quando uma empresa, comunidade ou indivíduo não apenas conserva ou cuida da água, mas também contribui ativamente para sua gestão sustentável e a restauração dos recursos hídricos.

“Isso envolve a adoção de práticas e tecnologias que reduzam o consumo, melhorem a qualidade da água e aumentem sua disponibilidade, gerando assim um impacto positivo e mensurável no ciclo da água”, afirma.

Sturniolo declara que o problema é que ainda se supõe que o ciclo natural da água pode sustentar toda a demanda humana e que essa percepção não corresponde mais à realidade:

“Não chove com a mesma frequência que antes ou nos mesmos lugares, os poços e águas subterrâneas estão superexplorados, a taxa natural de recarga de poços e aquíferos não anda de mãos dadas com a extração de água e o aumento das temperaturas evapora mais água superficial.”

Prosseguiu dizendo que o impacto das mudanças climáticas agrava a escassez e a desertificação num contexto de consumo crescente a nível global, o que agrava ainda mais a situação, destaca.

Alejandro Sturniolo, cofundador da iniciativa Water Positive Think TanK

“Water Positive” é uma estratégia valiosa para combater a desertificação ao promover a gestão sustentável da água e a resiliência hídrica, complementando outras medidas de restauração de terras e conservação do solo. “Ser Water Positive implica que uma organização, comunidade ou indivíduo utilize a água de forma sustentável por meio de ferramentas como o reúso, garantindo o uso eficiente desse recurso. Também incentiva o retorno ao meio ambiente de uma quantidade de água limpa muito maior do que a consumida, contribuindo não apenas para a regeneração de fontes primárias de água, mas também para o combate à desertificação”, disse Sturniolo.

Sob essa premissa, empresas que não conseguem compensar individualmente o uso de água, porque sua cadeia produtiva ou de serviços contém uma parcela desse recurso que não pode ser recuperada, tratada e devolvida ao meio ambiente, buscam alianças estratégicas para tratar efluentes de outras empresas e devolvê-los como água limpa ao ecossistema, em quantidades maiores do que o que consomem inicialmente em seu processo produtivo.

Por exemplo: Uma empresa de bebidas pode usar 2,5 litros de água para cada litro de produto. Parte dele pode ser tratado e devolvido ao meio ambiente. O litro consumido pelo produto deve ser compensado por outras ações, como a purificação de efluentes de outras pessoas. Aqui nasce uma oportunidade de ser WATER POSITIVE! A empresa pode procurar uma empresa agrícola e tornar potáveis seus efluentes não tratados para devolvê-los à natureza e, dessa forma, contribuir para o saldo positivo de seu uso da água.

O Water Positive fecha de forma eficiente o ciclo de uso, reúso e compensação da água e promove ações sistêmicas para frear a escassez hídrica, sendo uma prática “positiva” diante da desertificação. Não por coincidência, quem impulsionam esta iniciativa estão atualmente pedindo às Nações Unidas que tornem o Dia Mundial da Desertificação e da Seca também o Dia Mundial de Water Positive, para que a comemoração tenha um foco que destaque ações em prol da restauração de fontes hídricas que, por sua vez, impedirão o avanço da desertificação.

“Durante anos, o debate sobre a dessalinização esteve concentrado em seus custos. Se considerava inviável frente a fontes “gratuitas”, como águas superficiais ou subterrâneas. Mas essa comparação sempre foi falsa: o custo real da superexploração, contaminação e desertificação não foi contemplado. Hoje sabemos que a desertificação pode ser neutralizada com tecnologias como a dessalinização, desde que integradas às estratégias Water Positive. O custo energético da dessalinização de um copo de água é comparável ao de uma pesquisa na Internet, mas ninguém queria pagar por isso. Essa lógica está mudando, graças ao ODS 12 e ao crescente compromisso do setor privado com o consumo e a produção responsáveis, muitas empresas estão dispostas, pela primeira vez, a investir em soluções regenerativas que protejam a água onde não há mais”, concluiu Sturniolo.

Fonte: Aladyr


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Mais sobre este autor:

Fundada em 30 de novembro de 2010, no âmbito do II Seminário Internacional de Dessalinização na cidade de Antofagasta, Chile. A AADYR é uma associação sem fins lucrativos que promove conhecimentos oportunos e experiências em torno de tecnologias de dessalinização, reuso de água e tratamento de efluentes, a fim de otimizar a gestão hídrica na América Latina e garantir o acesso à água potável dentro de padrões de qualidade, eficiência, sustentabilidade, desenvolvimento econômico e futuro social.

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