Executivos estimam que cerca de R$ 3 bilhões poderiam ser investidos anualmente para sanar parte do déficit hídrico brasileiro por meio da retirada do sal do líquido.
São Paulo
Mesmo sendo um dos países mais abundantes em recursos hídricos, o Brasil sofre sérios problemas de escassez de água, seja para consumo humano ou industrial. Para minimizar o problema, o País começa a debater o uso da água do mar, num processo chamado de dessalinização.
O cenário de falta de água é agravado em momentos de seca, como a que afeta o Nordeste e o Centro-Oeste. Reservatórios como de Sobradinho (Bahia) e da Serra da Mesa (Goiás) operavam, no início deste mês, respectivamente, com 5% e 8% de sua capacidade. Especialmente o lago baiano corre sérios riscos de atingir o “volume morto”, alertou, recentemente, a Agência Nacional de Águas (ANA).
Junto com a escassez de chuvas, há a falta de saneamento básico nas grandes cidades, o que complica ainda mais a oferta de água potável e destinada ao setor industrial.
Por trás do problema está a desproporcionalidade na distribuição das águas. Isso acontece porque cerca de 70% da produção industrial e da população estão em áreas com pouco mais de 9% da água doce do País. Enquanto isso, a região Amazônica, que conta com menos de 7% da população, acumula quase 70% dos recursos hídricos. Já o Nordeste e o Sudeste, com cerca de 30% e 42,5% da população, respectivamente, totalizam menos de 9% das águas.
Fortaleza
Um dos caminhos para solucionar o gargalo está na dessalinização da água do mar, estratégia viável para cidades localizadas no litoral. Considerada uma medida cara, diante do alto custo de investimento e de gasto energético, ela surge como caminho, inclusive para o abastecimento humano, em tempos de seca.
No último dia 9, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) recebeu propostas de empresas interessadas em desenvolver estudos para a instalação de uma planta de dessalinização para a região metropolitana da capital cearense. Essa será a primeira iniciativa municipal do País, que deverá responder por uma capacidade de 1 metro cúbico por segundo. Conforme a Cagece, o incremento vai significar aumento de 12% na oferta de água, beneficiando cerca de 720 mil pessoas. A sul-coreana GS Inima Brasil e a espanhola Acciona entraram no páreo.
“A falta de chuvas levou a Cagece a reduzir em 20% o fornecimento de água para a região, afetando diretamente a indústria e o setor agrícola”, diz a executiva responsável pelo desenvolvimento de negócios da Acciona Agua no Brasil, Virgínia Sodré. “As indústrias precisam de alternativas para manter suas operações”, acrescenta ela, informando que a companhia está atenta a oportunidades em cidades do litoral paulista, como Guarujá e Ilhabela. Especialmente para as cidades litorâneas, o foco pode ser o abastecimento em momento de pico, como durante o verão.
Industrial
“No Brasil, o maior uso da dessalinização e do reuso das águas é o direcionado ao setor industrial, ao contrário do mundo, que usa como abastecimento no campo municipal, para fins urbanos”, diz o presidente da Associação Internacional de Dessalinização (IDA), Emilio Gabbrielli, que organiza, pela primeira vez no Brasil, até o dia 20, em São Paulo, o Congresso Mundial sobre Dessalinização e Reuso de Águas.
Uma das empresas mais avançadas no processo de dessalinização no Brasil é a Petrobras. Para a retirada do petróleo do fundo do mar, por meio das plataformas, se injeta a própria água do mar, dessalinizada, diretamente nos poços, para elevar o óleo até a superfície. Caso este processo fosse realizado com água salgada, a reação química provocada no encontro com as rochas impediria a extração do petróleo.
No entanto, outras indústrias, intensas no consumo, também já utilizam água dessalinizada, como as de automóveis, de papel e celulose, de siderurgia e de petroquímica.
Poluição
Na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, que além de receber água do mar tem despejados milhões de litros de esgoto, o desafio da captação é dobrado. Lá, a empresa química Clariant recebe não só a água do mar, como o líquido tratado.
Responsável pela operação, a Nova Opersan promove várias etapas de tratamento, por meio de filtros para a retirada de resíduos contaminantes não encontrados comumente nos demais ambientes marinhos. “Esse é um assunto que vem despertando interesse das grandes corporações, do reuso e do tratamento das águas”, explica o presidente da Nova Opersan, José Fernando Rodrigues, pontuando que a alternativa se torna viável, sobretudo, em estados onde o custo da água distribuída pelas concessionárias é elevado. “No caso da dessalinização, quanto maior o volume tratado menor é o gasto.”
Segundo os executivos consultados pela reportagem do DCI, não há um número consolidado referente aos investimentos necessários para sanar o déficit hídrico brasileiro, mas estima-se que poderiam ser investidos, ao menos, cerca de R$ 3 bilhões anuais. No entanto, uma das principais barreiras, afirmam, é a cultural.
Enquanto em Cingapura e em países do Oriente Médio se consome água do mar tratada, no Brasil o preconceito com essa fonte segue grande.
Rodrigo Petry
Fonte: DCI