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Reúso de efluentes de estações de tratamento de esgoto no beneficiamento de concreto

Resumo

O presente artigo visa contribuir para a implementação do reúso de águas servidas e consequentemente para uma gestão mais sustentável dos recursos hídricos em áreas urbanas. Para isso são apresentados dados de pesquisas acadêmicas e aplicações práticas voltadas para o reaproveitamento de resíduos e efluentes em usos não potáveis, no caso na produção de concreto. São ainda compilados e comparados dados de parâmetros de qualidade requeridos por marcos normativos nacionais e internacionais, bem como as características recomendadas para o reúso de águas servidas como água de amassamento, utilizando como estudo de caso os efluentes da estação de tratamento de esgotos – ETE Alegria e as demandas de quatro centrais dosadoras de concreto – CDCs situadas no seu entorno. Constatou-se a conformidade dos efluentes tratados em relação dos parâmetros de qualidade avaliados bem como a disponibilidade de águas de reúso para atendimento com folgas das demandas das CDCs abrangidas.

Introdução

O crescente consumo de recursos naturais devido ao aumento das demandas da população do planeta vem alterando as dinâmicas da natureza. Tais alterações trazem danos ao estilo de vida da sociedade atual, trazendo a luz discussões sobre modelos de desenvolvimento mais sustentáveis (VEZZOLI; KOHTALA; SRINIVASA, 2018).

Veja-Azmar et al. (2013) sustentam que o modelo de sustentabilidade das cidades tornou-se uma consideração estratégica para o desenvolvimento da sociedade moderna, sendo que um importante aspecto desse conceito remete a influência da intensidade da ocupação e das atividades humanas no consumo de recursos naturais e a geração de resíduos a ele associado.

Segundo Teixeira e Cézar (2005), com base em modelos mais sustentáveis como o de Ecologia Industrial, a preservação do meio ambiente depende da menor interferência possível, retirando o mínimo possível de recursos naturais e repondo o mínimo ou mesmo nenhum resíduo, devendo-se elevar ao máximo das possibilidades, o uso dos recursos materiais e energéticos disponíveis dentro dos ciclos de produção e consumo. O que é considerado resíduo em um processo produtivo deve ser aproveitado como insumo em outro processo, formando, assim, um circuito fechado de aproveitamento de insumos e fazendo com que a quantidade de matéria que transita na biosfera se mantenha constante (TEIXEIRA, 2005).

Além da correta destinação de resíduos, o reaproveitamento proporciona uma redução no ritmo atual de extração de recursos naturais, se apresentando como uma importante estratégia de crescimento mais sustentável, ao reduzir tanto os custos como eventuais danos pela disposição final inadequada desses resíduos.

Diversos materiais que outrora eram considerados resíduos de processos produtivos vêm sendo reaproveitados e utilizados como insumos na fabricação de outros produtos, como no caso da produção e beneficiamento do concreto.

Di Domenico et al. (2018) analisaram a utilização de Resíduos da Construção e Demolição – RCD como agregado miúdo em concreto estrutural e atestaram sua viabilidade técnica. Santos, Araújo e Ayres (2019) sustentam que o reaproveitamento de RCD em pavimentações apresenta economia na obra, além de benefícios ao meio ambiente devido à correta destinação desses rejeitos.

Além de RCD, vários outros resíduos também são alvos de investigação para uso como agregado no concreto. Há aplicações de rejeitos da mineração, como a adição de minério de ferro itabirítico (FERREIRA et al., 2016); agrícolas, como bagaço de cana-de-açúcar (SAMPAIO SOUZA; GOUVEIA, 2014); industrial, como rejeito da indústria de papel, o metacaulim de alta reatividade (SOUZA et al., 2015).

Paralelamente à viabilidade técnica e econômica relatada, o emprego de tais rejeitos de processos produtivos proporcionou outros benefícios em relação ao uso de materiais convencionais. As principais características positivas mencionadas em estudos foram: aumento da resistência à compressão, diminuição do tempo de pega, redução da permeabilidade e acréscimo do módulo de elasticidade do concreto (ASADOLLAHFARDI et al., 2016a; DI DOMENICO et al., 2018; FERREIRA et al., 2016; SAMPAIO; SOUZA; GOUVEIA, 2014; SOUZA et al., 2015; TORRES; DANTAS, 2019).

Uma fonte pouco explorada de resíduos potencialmente valiosos para reaproveitamento é a indústria do saneamento, em especial as Estações de Tratamento de Esgoto – ETE.

Como exemplo, Silva, Poague e Nunes (2018) comprovaram a viabilidade econômica através de modelagem de fluxo de caixa do reaproveitamento da areia retida no tratamento preliminar da ETE Onça, MG para destinação à construção civil, após os devidos processos de lavagem, secagem, controle de odor e higienização. Filho, Costa e Filho (2019) também constataram a viabilidade do reaproveitamento do lodo de lagoas de estabilização para a dosagem de concreto de baixa resistência.

No caso especifico da água, insumo cada vez mais escasso e custoso, sua substituição através do reaproveitamento de águas servidas vem sendo efetivada de maneira crescente para diversas tipologias de aplicação (GIORDANO, 2016).

Se referindo à fração líquida dos resíduos de ETEs, Giordano (2016) sustenta que as águas de reúso podem ser empregadas em diversas aplicações potáveis e não potáveis. Entre as não potáveis cita: lavanderias, caldeiras, torres de resfriamento, funcionamento de sistemas sanitários, irrigação de áreas verdes e campos de golfe, paisagismo, reúso para manutenção de cursos de água, aquicultura, recarga de aquíferos, lavagem de veículos, umectação de pilhas de minérios e vias de tráfego, combate a incêndios, além de diversos processos do setor corporativo, como indústrias de papel e têxtil.

Ghrair e Al-Mashaqbeh (2016) sugerem que os efluentes de tratamento secundário também são uma alternativa à água potável na indústria de concreto.

No caso da mistura do concreto, não é imprescindível o uso de água potável, pois as exigências e características requeridas para o amassamento do concreto são distintas dos parâmetros exigidos para águas visando dessedentação e emprego doméstico (MEHTA; MONTEIRO, 2014; OBRACZKA et al., 2019; REDDY BABU; MADHUSUDANA REDDY; VENKATA RAMANA, 2018).

Essas e outras inúmeras experiências exitosas relatadas de reúso de efluentes domésticos tratados nas etapas de produção de concreto levantam naturalmente a hipótese da viabilidade técnica, econômica e normativa para emprego dessa tipologia de reúso industrial em um cenário mais próximo, no presente caso na realidade do município do RJ.

O presente trabalho visa contribuir para a implementação do reúso de águas servidas como uma alternativa sustentável de gestão de recursos hídricos no RJ. Como objetivos específicos almeja realizar uma compilação de parâmetros de qualidade requeridos pela legislação pertinente, bem como as características recomendadas para o reúso de águas servidas na indústria de beneficiamento do concreto e avaliar o impacto ambiental gerado pelo reúso. A pesquisa se baseia em experiências consolidadas através de estudos acadêmicos e de aplicações práticas.

Através de um estudo de caso, pretende-se validar tal aplicação realizando uma análise comparativa entre os requisitos e recomendações normativas e técnicas quanto à água de amassamento, quando comparados com os parâmetros disponíveis de controle e monitoramento de uma ETE (Alegria), a maior em operação no estado do RJ, situada no bairro do Caju e operada pela CEDAE.

Objetiva-se dessa forma contribuir para a construção de um arcabouço técnico e cientifico, que possa respaldar e fornecer subsídios a futuras utilizações de águas de reúso provenientes de estações de tratamento de esgotos na indústria de beneficiamento de concreto.

Autores: LUIS CARLOS SOARES DA SILVA JUNIOR E MARCELO OBRACZKA.

 

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