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Amazônia está em um “equilíbrio instável” e pode entrar em colapso se continuar no caminho atual, afirma pesquisador líder de estudo publicado na Nature

Em 2050, até 47% da Amazônia poderá atingir pontos de virada ecológicos críticos, transitando para pastagens de savana ou outros ecossistemas degradados devido ao desmatamento desenfreado e ao aquecimento global provocado pelo homem. Isso pode significar o colapso em grande escala de um bioma que, durante 65 milhões de anos, serviu como sumidouro de carbono da Terra, absorvendo bilhões de toneladas do gás, ao mesmo tempo em que resistia em grande parte aos efeitos mais devastadores das mudanças climáticas.

Um estudo de grande repercussão publicado na prestigiada revista científica Nature afirma que, até 2050, espera-se que 10% a 47% da floresta atinja limites críticos para o aquecimento das temperaturas, secas extremas, desmatamento e incêndios. As transições ecossistêmicas decorrentes poderiam acelerar o aquecimento global, liberando o carbono armazenado na atmosfera, diz Bernard Monteiro, que faz pós-doutorado em Ecologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e é o autor principal da pesquisa.

A análise é a primeira a olhar de uma maneira abrangente e holística, combinando diversas métricas, para documentar a degradação da Amazônia. Nesta entrevista, o pesquisador explica a metodologia empregada e coloca em perspectiva a ciência por trás da descoberta de como estamos nos aproximando dos limites críticos da região.

Desde que comecei meu doutorado, em 2012, tentando entender a resiliência da Amazônia, tinha o sonho de realizar esse trabalho. É um conteúdo teórico que se aplica a vários sistemas, da natureza, da sociedade, médicos também, até o sistema econômico. Mas em 2020 é que houve a junção com o professor Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que resolveu juntar cientistas que trabalhavam com a Amazônia para tentar entender como que a região está e o que ameaça ela hoje em dia. Então se juntaram mais de 200 cientistas e especialistas na Amazônia, e a gente fez parte dessa equipe. Daí foi feito o primeiro relatório sobre o status da Amazônia, publicado em 2021. Naquele momento, a gente tinha um capítulo sobre esse assunto, mas que era em um formato diferente, muito mais longo, e também também não estava tão trabalhado. E eu achei que a gente podia fazer disso um grande artigo.

No que consiste o conceito de “resiliência” que esse estudo aborda?

O conceito de resiliência abordado aqui não é necessariamente na parte climática, mas o conceito de resiliência como um todo. E aí vem de você conseguir colocar isso na lente do clima, na lente da Amazônia. A bagagem teórica é a mesma. Trabalhamos com florestas tropicais, com clima, e outros pesquisadores trabalham com a teoria, com sistemas dinâmicos, sistemas dinâmicos complexos – em que tudo está sempre se modificando. É o caso do próprio comportamento da Floresta Amazônica: são sistemas super complexos, em que é muito mais difícil de prever. Mas a base da teoria é a mesma, e vários métodos que se usa são genéricos: eles podem ser usados tanto para entender a resiliência da Amazônia quanto para entender a resiliência mental de uma pessoa. Então no artigo a gente analisa o que se sabe sobre o tema.

E de que forma esse conceito se relaciona com o “ponto de não retorno” sobre o qual alerta a pesquisa?

É incrível como você pode medir como que um sistema está aproximando de um colapso, que a gente chama de “tipping point”, que é o ponto de não retorno. O nome científico dele seria um “ponto de bifurcação”, quando o sistema está em um equilíbrio instável, que qualquer toquezinho nele, qualquer coisa que empurre, vai rolar para outro lado. Então a floresta está em equilíbrio, mas como é um sistema complexo são muitos mecanismos que mantêm esse equilíbrio. Tem muitos fatores externos.

Quais seriam esses fatores?

São motivos externos que estão estressando o sistema. Então, no caso da floresta, é a mudança na chuva, a mudança na temperatura, a mudança no uso da Terra. Então você tem mais desmatamento, mais fogo, e aí você começa a misturar estresse e distúrbios. Tem o estresse hídrico, tem o desmatamento, que causa seca – e a floresta “recicla” chuvas, que é o principal motivo de ela ser resiliente e ter se mantido como “Amazônia” durante 65 milhões de anos. Quando caiu o meteoro que levou à extinção dos dinossauros, a Amazônia já existia.

Até agora ela se manteve como uma floresta porque justamente recicla chuvas. Então cada árvore bombeia uma quantidade muito alta de água do solo para a atmosfera, cada tronco de uma árvore tem vários “microcanudos” que levam a água até as folhas, e essas folhas liberam água para a atmosfera. Essa troca de água na folha é essencial para ela poder absorver gás carbônico e fazer fotossíntese.

E essas trocas estão sendo prejudicadas? De que maneira?

Então, é como se fosse uma moeda de troca ali pelo gás carbônico: se a árvore não consegue mandar água para a atmosfera, ela não consegue absorver gás carbônico, não consegue fazer fotossíntese, e a árvore pode morrer de fome – quando o clima está muito quente, muito seco, a atmosfera fica muito… a pressão é muito grande. É como se você pegasse esse canudo e puxasse muito forte, e aí esses “canudos”, esses vasos, eles podem sofrer embolia, que é um rompimento dessa camada de água. Essa é a principal causa de morte das árvores, por conta da temperatura elevada lá em cima: uma combinação de temperatura e seca. Então, quanto menos água na atmosfera e mais calor, maior a pressão atmosférica puxando essa árvores.

O que representaria para o Planeta esse colapso da Amazônia?

Muita gente me pergunta o que significa a estimativa de que, nos próximos 25 anos, de 10% a 47% da Amazônia possam chegar a um ponto de não retorno, com transições inesperadas na paisagem.

Mudar para outro ecossistema – deixar de ser floresta para virar savana – seria o primeiro passo para a Amazônia, em torno de 2050, sofrer uma mortalidade grande, que aí sim poderia ser o gatilho do ponto de não retorno que levaria o sistema como um todo a um colapso a longo prazo.

O ponto de não retorno é o ponto a partir do qual o sistema começa a mudar cada vez mais rápido. Esse processo duraria, não sei, muitas décadas, séculos, a gente não sabe até onde ele iria exatamente. Mas esse seria o primeiro passo para perder essas florestas. Por exemplo, hoje 15% da Amazônia já foi perdida, essa é uma das evidências apontadas pelo Carlos Nobre. E ele indica também que se a gente desmatar mais de 20%, a Amazônia vai perder tanta chuva que já seria um ponto de não retorno. Infelizmente, não estamos longe desse cenário.

Fonte: UM SÓ PLANETA


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