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Pesquisadores baianos criam soluções para lidar com desastre ambiental no litoral

Há cinco anos, a graduanda Célia Maia começou a recolher em um salão de beleza do centro de Salvador cabelos que iam ao chão depois do corte

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A engenheira ambiental Janaína Figueiredo usa fibras de coco e sisal para remediar áreas afetadas por petróleo

Experimentos feitos em um laboratório da Ufba mostraram que fios capilares seriam um excelente instrumento para retirar petróleo do mar. A ideia veio durante a busca por um objeto para o trabalho de conclusão de curso (TCC), quando Célia viu imagens de aves resgatadas de áreas atingidas por vazamentos, com as penas encharcadas pelo combustível.

Os experimentos foram feitos com cabelos crespos, ondulados e lisos, sendo que as melhores respostas ocorreram com os primeiros. Mas a dificuldade em achar longas extensões de cabelos crespos e a reação adversa de clientes do salão, que desconfiaram de uma eventual utilização dos pelos em rituais religiosos, levaram a estudante a substituir o material por fibras de coco e de sisal, com a adição de líquido iônico, uma substância que potencializa a adesão do óleo.

Essa é uma das pesquisas que estavam em andamento na Ufba, por outros motivos, e que foram colocadas à prova com a emergência do vazamento de óleo que atingiu o litoral da Bahia em 4 de outubro deste ano. A maior tragédia ambiental da costa nordestina mobilizou pesquisadores de petróleo e de outras áreas do conhecimento. E deixa como legado resultados promissores para futuros eventos e até como possibilidade de empreendedorismo.

Patrocínio

Os estudos envolvem pesquisadores e equipamentos de pelo menos quatro unidades: Instituto de Geociências, Instituto de Química, Escola Politécnica e Biologia, além de uma parceria com a Unifacs. Algumas das ideias testadas em laboratórios acadêmicos ao longo desses dois meses têm inclusive a possibilidade de patrocínio de grandes empresas, como a cervejaria Heineken.

Mas os pesquisadores se queixam de travas burocráticas impostas por órgãos de governo que impedem a reprodução em escala industrial de experiências bem-sucedidas nos laboratórios.

“No projeto de iniciação científica, na graduação, a gente usou as fibras de coco e de sisal para remediar áreas afetadas por petróleo”, destaca a engenheira ambiental Janaína Figueiredo.

O fato de as manchas de óleo não estarem mais aparentes em praias contaminadas por vazamentos não significa que a água está apta para o banho e que os peixes e frutos do mar ali recolhidos estejam liberados para consumo, como explicam os pesquisadores Olívia de Oliveira, diretora do Instituto de Geociências, e Ícaro Moreira, coordenador das pesquisas. Ambos dizem que vão levar um bom tempo sem entrar nas águas afetadas.


LEIA TAMBÉM: TECNOLOGIA DESENVOLVIDA NA UFV PODE ELIMINAR ÓLEO VAZADO NO LITORAL DO NORDESTE.


Tecnologia utilizada em poços de petróleo terrestres

Para retirar do mar essas partículas cancerígenas há uma tecnologia que já vem sendo utilizada em poços de petróleo terrestres no Recôncavo baiano: o emprego de microalgas que aceleram a decomposição dos hidrocarbonetos.

No processo de limpeza dos equipamentos, os técnicos costumam utilizar grandes quantidades de água, e é através do uso de microalgas em meio ao líquido que eles se certificam de que pelo menos 92% das substâncias tóxicas foram eliminadas. O laboratório em que se fazem as experiências com as microalgas fica na Escola Politécnica da Ufba.

O uso de microalgas em processos de limpeza da água é difundido pelo planeta, mas cientistas estrangeiros esbarram no alto custo para adquirir os principais nutrientes desses organismo, o fósforo e o nitrogênio.

Uma das vantagens comparativas do terceiro mundo nesse particular é justamente a proliferação de esgotos a céu aberto, como nos rios poluídos da capital baiana, onde as duas substâncias que servem de alimento para as algas são fartas.

“Estamos conversando com a prefeitura para viabilizar o uso de um rio”, explica Ícaro.

A maioria das pesquisas efetuadas pela Ufba em torno do petróleo começou a ser desenvolvida lá atrás, na década passada, quando o anúncio da descoberta das reservas de petróleo na área do pré-sal acendeu o alerta sobre o risco de vazamentos.

Correndo atrás do prejuízo

Dentro dos laboratórios universitários, pesquisas começaram a ser desenvolvidas, e em 2014 o Instituto de Geociência da Ufba captou R$ 650 mil junto à empresa estatal Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para bancar pesquisas como a da utilização de fibras de coco e de sisal na contenção de óleo vazado no mar. Descobriu-se na pesquisa que cinco minutos de exposição das fibras, com líquido iônico injetado, é tempo suficiente para capturar os hidrocarbonetos visíveis.

“O líquido aumenta os poros e a capacidade de absorção”, explica a professora Carolina Spínola, pró-reitora de pós-graduação, pesquisa e extensão da Unifacs, que coordena, junto com o professor Ícaro, o projeto que resultou nas barreiras à base de fibra de coco usadas para a contenção de óleo.

Uma outra linha de pesquisa utiliza as microalgas como forma de limpar os manguezais, um tipo de limpeza que, com as tecnologias disponíveis e mão de obra humana, é considerada quase impossível, devido à complexidade desse ecossistema.

“Estamos pesquisando três tipos de mangue, o vermelho, o preto e o branco”, afirma Diego Oliveira, doutorando em geoquímica.

Se os especialistas em petróleo do Instituo de Geociências tiveram apenas que testar em uma situação de emergência pesquisas que já estavam em andamento, o Instituto de Química teve que se adaptar ao desafio. Uma tecnologia de bioaceleradores de decomposição, desenvolvida para ser aplicada em restos de alimentos, acabou sendo testada no óleo depois que a professora Zenis Novais foi provocada em uma reunião da diretoria, com a universidade sob o impacto da ameaça do vazamento ao meio ambiente.

O dedo do papa

“Eu nunca tinha trabalhado com petróleo, mas era o momento de tentar”, afirma Zenis. Católica fervorosa, ela havia desenvolvido com outros pesquisadores a Compostagem Francisco para acelerar a decomposição de restos de alimentos, transformados então em fertilizantes, que são distribuídos para hortas de escolas públicas e presídios.

A ideia surgiu depois que o papa Francisco exortou a igreja a se envolver na preservação do meio ambiente. A tecnologia, patenteada, permite decompor em uma hora a fibra de coco, o que no processo natural ocorre após 12 anos.

O experimento funcionou e a equipe da professora Zenis passou a produzir, além de fertilizantes, um composto semelhante ao carvão, que pode servir como base para a produção de massa asfáltica.

“O destino desse óleo seria a mera incineração. Nossa pesquisa permite a transformação em um novo produto ou o seu uso como combustível para fornos de argilaria”, explica a professora.

Parceria com empresa de produtos químicos

Para atingir o ponto de excelência foi necessário que a escola fizesse uma parceria com uma empresa baiana de produtos químicos, a Solven, que tem expertise na remoção do óleo das pedras do mar.

Sem esse solvente, os pesquisadores da Ufba não conseguem efetuar a retiradas dos resíduos. Por outro lado, sem o composto produzido na universidade, os hidrocarbonetos retirados das pedras seriam despejados no mar.

“A Heineken se interessou em patrocinar o projeto, mas para isso é preciso destravar questões burocráticas, como a liberação da pesquisa pelas autoridades estaduais e federais”, diz Zenis. “Há uma outra empresa, de grande porte, daqui da Bahia que também aguarda a liberação para financiar o projeto”, garante Lucas Neder, diretor da Solven.

A diretora do Instituto de Geociências da Ufba, Olívia Oliveira, afirma que as companhias petrolíferas ainda investem “timidamente” em programas de preservação do meio ambiente.

“Eles destinam quase todos os recursos para os programas de segurança e consideram que não vai haver risco de acidentes. Quando acontece um acidente como esse e não se sabe a origem, o bônus acaba sendo nosso”, constata.

Fonte: A tarde.

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