NOTÍCIAS

Fungo marítimo é solução para erradicar microplásticos dos oceanos

À deriva no mar, as minúsculas partículas de plástico prejudicam a vida marítima. Em Aveiro, há uma solução para as destruir

fungos-microplasticos-oceanos

No edifício dos Laboratórios Tecnológicos da Universidade de Aveiro existem quatro aquários com Zalerion maritimum, provavelmente o fungo marítimo mais falado em Portugal nas últimas semanas. Esbranquiçado e esponjoso, vive na costa e pode vir a tornar-se a primeira solução ecológica para combater o problema dos microplásticos no oceano, já que é capaz de degradar partículas de plástico com um diâmetro inferior a cinco milímetros de forma rápida e eficiente.

Com uma pinça, Ana Beatriz Silva e Ana Sofia Bastos separam os microplásticos do fungo já seco. Retiram aqueles que não foram destruídos. As duas alunas do terceiro ano – a primeira de Biotecnologia e a segunda de Bioquímica – dão continuidade ao trabalho que começou há um ano pelas mãos de Ana Paço, então finalista de Biotecnologia. A jovem, de 21 anos, escolheu como tema de projeto a degradação de microplásticos, um trabalho coordenado por Teresa Rocha-Santos. “Já estávamos a usar este fungo para outras finalidades. Como ele existia na costa portuguesa e sobrevive em condições entre 16 e 26 graus, tornou-se interessante para tentar arranjar uma solução para o problema dos micro- plásticos. Sabíamos que degradava celulose e, por analogia, pensámos que seria interessante para degradar o polietileno, que é o polímero existente no plástico mais comum [nos sacos plásticos, por exemplo]”, explica ao DN a investigadora do Departamento de Química e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (CESAM).

Ana Paço recorda como fez o estudo: “Ao longo de um mês, coloquei em Erlenmeyers um meio pobre em nutrientes, microplásticos e o fungo. A cada semana via como é que o fungo tinha crescido e a quantidade de microplásticos que tinha desaparecido. Em 7 a 14 dias, foram retirados 77%. Quer isto dizer que em 100 gramas, 77 são removidos.”

Quando se propôs a desenvolver o tema, a aluna da UA nunca imaginou o destaque que viria a ter. Armando Duarte, outro dos membros da equipa, sublinha que “o impacto foi extraordinário”, já que o estudo foi escolhido pelo editor da revista Science of the Total Environment como um dos cinco mais interessantes do ano. Este projeto, destacou o editor, explora o conceito de usar tecnologias amigas do ambiente, como o fungo que ocorre naturalmente, para a degradação de microplásticos, pelo que é uma ideia “digna de realce e vale a pena olhar para isto com grande potencial”.

Fungo pouco estudado

Sabe-se pouco sobre o Zalerion maritimum. Segundo Teresa Rocha-Santos, o fungo tem sido pouco estudado, pelo que não é possível ter muita informação sobre o seu comportamento ou abundância. Mesmo que exista em grandes quantidades no oceano, o fungo não irá, à partida, alimentar-se de microplásticos. “A não ser que tenha falta de nutrientes, de alimento. Só degrada plástico nessas condições”, frisa a investigadora da UA.

A solução, dizem os cientistas, pode passar por usar ambientes controlados como tanques, nunca por colocar grandes quantidades do fungo no oceano, já que isso iria desequilibrar o ecossistema. “Podem ser feitas umas estações de tratamento nas zonas costeiras, nas quais podemos colocar microplásticos. Se não conseguirmos degradar plásticos maiores, podemos moê-los. E colocar aí as quantidades de fungo apropriadas para as degradar”, sugere a coordenadora do estudo. Um processo que, além de barato, é amigo do ambiente.

Para já, ainda não se sabe se também será capaz de degradar plástico. “Têm de ser feitos mais estudos.” Mesmo com os microplásticos, a investigação continua. “Precisamos de saber o que é que está por detrás do metabolismo do fungo que faz que ele seja capaz de degradar esses microplásticos. Pensamos que tem enzimas que ajudam a que essa degradação seja feita, mas estamos a estudar isso.” Só com essa informação será possível “controlar todo o processo”. Além disso, está a ser testado outro fungo e a combinação do Zalerion maritimum com outro. “O ideal seria chegar aos 100%.”

Atualmente, os plásticos e microplásticos são retirados do oceano com redes e colocados em aterros sanitários. “A degradação demora entre 100 e 400 anos. Qualquer solução que passe por os deixar na costa para serem tratados pode ser interessante.”

Transferir fonte de alimentação

Como o fungo se alimenta de carbono e azoto, o processo passa por desviar a sua fonte de alimento. “A fonte de carbono dele passa a ser o microplástico”, refere Ana Paço. No entanto, ressalva Armando Duarte, será sempre necessário continuar a “dar-lhe alguns nutrientes”.

Segundo os investigadores, esta é a primeira investigação a apresentar estratégias de biorremediação [um processo que utiliza organismos vivos para reduzir ou remover contaminações no ambiente] de microplásticos, daí que seja considerado o primeiro passo para resolver o problema de forma rápida e eficiente. Uma solução urgente, já que a produção anual de plástico supera 300 milhões de toneladas.

Do mar para o prato

O grande problema das partículas minúsculas de plástico, destaca Armando Duarte, é que acabam por ser ingeridas por animais marinhos. Se este processo resultar, deixam de entrar na alimentação dos peixes – e dos humanos – porque são destruídas pelo fungo. “É uma solução ideal, mas, para lá chegarmos, ainda vai faltar muito”, ressalva o docente da UA.

Não convém confundir os microplásticos com o lixo marinho. “Uma das fontes de microplásticos é o lixo marinho, que vai degradando-se até atingir valores iguais ou inferiores a 5 milímetros de diâmetro”, indica o investigador. Mas existem outras fontes. Ana Paço refere, por exemplo, os pneus dos carros, “que libertam partículas que vão parar ao mar”. Ou os cosméticos, esfoliantes, pastas de dentes e roupas sintéticas, produtos que também usam microplásticos na sua composição.

Só nos últimos anos é que os microplásticos começaram a ser alvo de estudos. Ainda não se conhece o impacto que têm na saúde, por exemplo, ou o tempo que o plástico demora a transformar-se em microplástico. Um dos problemas associados, adianta Armando Duarte, é que, como tem uma área superficial muito grande, pode absorver muitos outros tipos de poluentes. Quer isto dizer que “à custa dos microplásticos, os organismos marinhos e os humanos podem estar a ingerir” outros produtos prejudiciais para a saúde.

Mesmo no que diz respeito a técnicas analíticas, Teresa Rocha-Santos avança que “os métodos para se saber a quantidade de microplásticos que existe, não estão validados e adaptados a esta realidade”, porque, até agora, os investigadores nunca tinham lidado com partículas de plástico tão pequenas. “Sabe-se, por exemplo, que uma tampa de garrafa demora entre 100 e 400 anos a degradar-se, depositada em aterro”, diz a investigadora. Desconhece-se, no entanto, se é a desaparecer totalmente. Mais recentemente, diz Armando Duarte, começou a pensar-se na degradação do plástico. “Desaparece como?” De acordo com o docente, “possivelmente o material vai-se degradando mas vai, em grande parte, apenas mudando de tamanho”.

Investigação continua

Apesar de já ter terminado o projeto no âmbito da licenciatura, Ana Paço continuou ligada ao mesmo em regime de voluntariado e espera fazer a tese do mestrado de Biologia Aplicada sobre o mesmo tema. Em laboratório, Ana Beatriz Silva e Ana Sofia Bastos vão fazendo estudos com o Zalerion maritimum. Além dos testes com outros tipos de fungos, estão também a ser testados vários tipos de plástico.

Do laboratório à partilha de conhecimento

Influenciada pela professora das disciplinas da área de quimicotecnia, Teresa Rocha-Santos, de 44 anos, começou a sentir fascínio pela química durante o ensino secundário, na escola de Monserrate, Viana do Castelo, onde vivia. Licenciou-se em Química Analítica pela Universidade de Aveiro (UA), em 1996, e fez um doutoramento em Química na mesma instituição, tendo-se especializado em Química Analítica e Ambiental. Interessa-se pelo desenvolvimento e validação de métodos analíticos para aplicações ambientais, alimentares e clínicas e pelo estudo do comportamento e destino de contaminantes orgânicos no ambiente e no tratamento de águas residuais/efluentes industriais. É investigadora principal na UA, onde coordena o trabalho de degradação de microplásticos usando fungos. Gosta de trabalhar em equipas multidisciplinares com vista ao desenvolvimento de investigação e inovação, de partilhar o conhecimento que vai adquirindo com alunos e gerações mais novas e da divulgação de temas científicos em áreas como a proteção ambiental.

Fazer investigação sem abandonar o voluntariado

Ana Paço, 21 anos, é luso-brasileira. Filha de pais brasileiros, nasceu na Póvoa do Varzim e mora atualmente em Vila Nova de Gaia. No secundário, Matemática era a disciplina que lhe despertava mais interesse, mas queria seguir investigação e não se imaginava a passar os dias a fazer cálculos. No top das preferências, seguiam-se biologia e química. Quando chegou o momento de se candidatar ao ensino superior, esteve indecisa entre Biotecnologia, na Universidade de Aveiro, e Genética, na Universidade do Minho. Optou pela primeira opção. E foi no terceiro ano da licenciatura que escolheu o projeto de degradação de microplásticos. Frequenta agora o mestrado de Biologia Aplicada, mas continuo ligada ao projeto em regime de voluntariado, tendo decidido que este será também o tema da tese. Quer continuar a fazer investigação, especialmente em áreas relacionadas com o estudo de microrganismos e as suas diversas aplicações. Gosta de passear e viajar. Faz voluntariado no Seminário Cristo Rei, em Gaia, e, sempre que pode, numa associação do Porto, de entrega de refeições.

Fonte: DN

ÚLTIMAS NOTÍCIAS: