A redução média equivale a 30 piscinas olímpicas por minuto na comparação com 1970 a 1979; o desmatamento aponta como principal causa da queda
O volume de água transportado pelos rios do cerrado diminuiu 27% desde a década de 1970. A perda corresponde a 30 piscinas olímpicas por minuto que deixam de fluir pelos corpos d’água, na comparação entre os períodos de 1970 a 1979 e 2012 a 2021. É o que mostra o relatório “Cerrado: O Elo Sagrado das Águas do Brasil”, publicado nesta segunda-feira (23) pela Ambiental Media.
A pesquisa analisou 51 anos de dados da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) para as bacias hidrográficas de seis rios que fazem parte do bioma: Araguaia, Paraná, Parnaíba, São Francisco, Taquari e Tocantins. Na média, a vazão de segurança desses rios, indicador que representa o volume mínimo de água registrado em 90% do tempo, reduziu em 1.300 m³/s (metros cúbicos por segundo) a partir dos anos 1970.
VAZÃO DOS RIOS DO CERRADO CAI 27%, DIZ RELATÓRIO
Fonte: Ambiental Media com dados da ANA
- 4.742 metros cúbicos por segundo era o volume mínimo em 90% do tempo nos rios entre 1970 e 1979
- 3.444 metros cúbicos por segundo é a vazão mínima dos rios do bioma entre 2012 e 2021
- 30 piscinas olímpicas por minuto é a perda de água na comparação entre os dois períodos
O relatório aponta uma redução de 21% nas chuvas nas bacias, de 680 milímetros anuais entre 1970 e 1979 para 539 milímetros entre 2012 e 2021. Na comparação entre os períodos, houve um aumento de 8% na evapotranspiração, que mede a quantidade de água transferida para a atmosfera. Na prática, o cerrado está secando.
Os dados acendem o alerta para a conservação do bioma visto como a caixad’água do Brasil. O cerrado abastece oito das 12 regiões hidrográficas do país e cobre cerca de 25% do território nacional. É a savana mais biodiversa do mundo e está presente em 12 estados e no Distrito Federal. Entretanto, mais da metade da vegetação original já foi desmatada.
“O cerrado é o coração que pulsa a água pelo Brasil e os rios são as veias. Esse coração está infartando e perdendo a capacidade de pulsar, justamente porque estamos desmatando”, afirma Yuri Salmona, coordenador científico do relatório e doutor em ciências florestais pela UnB (Universidade de Brasília).
Dados do MapBiomas, também considerados na análise, mostram que a área de vegetação nativa nas bacias analisadas encolheu em 22% entre 1985 e 2022. Por outro lado, o desmatamento para o plantio de soja aumentou 19 vezes, de 620 mil hectares para mais de 12 milhões de hectares.
“O desmatamento para fins de produção de commodities agropecuárias, baseada na irrigação, é o protagonista do ressecamento do bioma. Em segundo lugar, vêm as mudanças climáticas”, diz Salmona.
Um estudo anterior do pesquisador apontou que 56% da redução da vazão dos rios no bioma se deve ao desmate e 43% às alterações do clima.
DESMATAMENTO AMEAÇA RIOS
As plantas do cerrado têm raízes profundas e aumentam a infiltração da água no solo durante o período chuvoso. Com corte da vegetação, a água deixa de ser estocada e passa a escorrer na superfície, reduzindo o fluxo dos rios e aumentando o risco de erosão nos períodos de seca. A análise também identificou um encurtamento do período de chuva no bioma. Em média, a redução é de 56 dias, segundo Salmona.
“Desmatar cerrado é ampliar a seca, a escassez de água, a insegurança hídrica e colocar em risco nossa produção econômica, de alimento e de energia. A usina hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, recebe água da bacia do Paraná, onde 50% da água vem do cerrado”, afirma o pesquisador.
Entre as bacias hidrográficas analisadas no estudo, a do rio São Francisco é a que teve maior redução na vazão.
A queda é de 50%: passou de 823 m³/s de 1970 a 1979 para 414 m³/s de 2012 a 2021. De acordo com Salmona, cerca de 93% da água que flui no São Francisco nasce no cerrado. As chuvas na bacia do São Francisco diminuíram 28% e a evapotranspiração aumentou em 11%. A área de produção de soja cresceu 7.082% entre 1985 e 2022, em especial no oeste da Bahia, na região conhecida como Matopiba (acrônimo para Maranhão, Tocantins, Pi0auí e Bahia).
“O impacto do desmatamento e das mudanças climáticas no bioma pode agravar a situação de uma bacia que já sofre com desertificação, escassez de água e secas relevantes. Na prática, estamos furando a caixa d’água, com uma irrigação da agricultura completamente desregrada”, diz Salmona.
DESMATAMENTO E ESCASSEZ
A ANA informa que o cerrado concentra 80% dos pivôs centrais do país, sistemas usados para irrigar grandes áreas de culturas como a soja.
Dados do MapBiomas, também considerados na análise, mostram que a área de vegetação nativa nas bacias analisadas encolheu em 22% entre 1985 e 2022. Por outro lado, o desmatamento para o plantio de soja aumentou 19 vezes, de 620 mil hectares para mais de 12 milhões de hectares.
“O desmatamento para fins de produção de commodities agropecuárias, baseada na irrigação, é o protagonista do ressecamento do bioma. Em segundo lugar, vêm as mudanças climáticas”, diz Salmona.
Um estudo anterior do pesquisador apontou que 56% da redução da vazão dos rios no bioma se deve ao desmate e 43% às alterações do clima. As plantas do cerrado têm raízes profundas e aumentam a infiltração da água no solo durante o período chuvoso. Com corte da vegetação, a água deixa de ser estocada e passa a escorrer na superfície, reduzindo o fluxo dos rios e aumentando o risco de erosão nos períodos de seca. A análise também identificou um encurtamento do período de chuva no bioma. Em média, a redução é de 56 dias, segundo Salmona.
“Desmatar cerrado é ampliar a seca, a escassez de água, a insegurança hídrica e colocar em risco nossa produção econômica, de alimento e de energia. A usina hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, recebe água da bacia do Paraná, onde 50% da água vem do cerrado”, afirma o pesquisador.
Entre as bacias hidrográficas analisadas no estudo, a do rio São Francisco é a que teve maior redução na vazão. A queda é de 50%: passou de 823 m³/s de 1970 a 1979 para 414 m³/s de 2012 a 2021. De acordo com Salmona, cerca de 93% da água que flui no São Francisco nasce no cerrado. As chuvas na bacia do São Francisco diminuíram 28% e a evapotranspiração aumentou em 11%. A área de produção de soja cresceu 7.082% entre 1985 e 2022, em especial no oeste da Bahia, na região conhecida como Matopiba (acrônimo para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
“O impacto do desmatamento e das mudanças climáticas no bioma pode agravar a situação de uma bacia que já sofre com desertificação, escassez de água e secas relevantes. Na prática, estamos furando a caixa d’água, com uma irrigação da agricultura completamente desregrada”, diz Salmona.
CERRADO SOB PRESSÃO
A ANA aponta que o cerrado concentra 80% dos pivôs centrais do país, que irrigam áreas de grandes culturas, como a soja. Consequentemente, a expansão agrícola intensiva exerce forte pressão sobre os recursos hídricos do bioma.
Nesse contexto, a bacia do rio Parnaíba, na divisa entre o Maranhão e o Piauí, registrou a maior redução nas chuvas desde 1970, com perda de 38% na pluviosidade. Paralelamente, a área desmatada para soja explodiu na região: em 1985, eram sete hectares cultivados; em 2022, saltou para 1,6 milhão de hectares, um aumento de mais de 200 mil vezes. De forma semelhante, na bacia do Paraná, que abastece a usina de Itaipu, a vazão mínima do rio caiu 18% e as chuvas diminuíram em 21% entre as décadas de 1970 e 2010.
Além disso, a área de produção de soja cresceu 978% entre 1985 e 2022, passando de 400,2 mil hectares para 4,3 milhões de hectares. Mercedes Bustamante, professora de ecologia na UnB e autora de relatórios do IPCC, painel intergovernamental da ONU para o clima, afirma que o relatório divulgado nesta segunda-feira se soma a um conjunto de dados já consolidados sobre a perda de água no cerrado. Diante desse cenário, a cientista alerta que algumas áreas estão se tornando impróprias para o cultivo da soja.
“A atividade que mais afeta o funcionamento hídrico do cerrado é aquela que mais depende da água gerada pelo bioma. É um tiro no pé”, diz.
Código Florestal
O Código Florestal de 2012 estabeleceu que proprietários rurais no cerrado devem preservar 20% de suas terras como reserva legal, conforme a principal lei de proteção da vegetação nativa no país. Em contraste, na Amazônia, o valor sobe para 80%. Na avaliação de Yuri Salmona, isso evidencia uma desigualdade na proteção dos biomas.
No contexto de um plano nacional mais amplo, o cerrado é frequentemente tratado como um bioma de sacrifício. “Vamos sacrificar o cerrado em nome de manter a Amazônia de pé.” Para Salmona, essa é uma política inadmissível. Ele é coordenador científico do relatório da Ambiental Media.
O governo federal retomou em novembro de 2023 o PPCerrado, principal política para conter a devastação do bioma.
“Ainda não há controle sobre o desmatamento do cerrado e é muito grave normalizar e achar que está tudo bem. Não dá para falar em sucesso do PPCerrado”, afirma o pesquisador.
O Instituto Cerrados e o Ministério do Meio Ambiente desenvolvem um programa para mapear as áreas onde deve haver um esforço maior de restauração para garantir o provimento de água no bioma, segundo Salmona. A iniciativa será apresentada em setembro.
Fonte: Folha
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