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Aproveitamento de efluente tratado proveniente da ETE Alegria para reuso em áreas urbanas

Resumo

Especialmente nas últimas décadas boa parte das áreas metropolitanas do país conviveu com situações de desabastecimento de água, ocasionados pela escassez hídrica, associada a outros aspectos importantes como o consumo crescente e descontrolado de água e uma gestão ineficiente de recursos hídricos. O reuso de águas servidas se apresenta como alternativa para o enfrentamento dessa situação de crescente dificuldade em se atender as demandas de abastecimento, eventualmente a um custo inferior ao do sistema convencional. A viabilidade do reuso é ainda maior no caso de demandas que não necessitam de qualidade muito elevada para a água, como aquelas de caráter restrito e que excluem o uso potável. Apesar de ser uma prática já muito consolidada em outros países, principalmente aqueles em que se convive com situações de estresse hídrico, no Brasil o reuso ainda é incipiente, especialmente fora do universo corporativo. O presente trabalho objetiva gerar maior conhecimento sobre esse tema ao avaliar de forma exploratória o potencial de aproveitamento do efluente tratado proveniente da estação de tratamento de esgoto (ETE) Alegria, no bairro do Caju, RJ, e adotada como ponto de partida da pesquisa. Como objetivo específico, almeja-se definir se e onde o emprego de águas regeneradas para atendimento das demandas hídricas no contexto das indústrias e estabelecimentos comerciais no entorno dessa ETE é técnica e economicamente mais viável. Com essa finalidade e de forma a fornecer subsídios ao desenvolvimento da pesquisa, são levantadas informações de estudos de caso similares e legislações/normatizações que regulamentem a prática do reuso de efluentes no Brasil e no exterior, além de dados sobre o sistema de tratamento existente na ETE Alegria, tarifas de água do sistema convencional (rede pública), entre outros. São adotados como prioritários aqueles usos que necessitam de uma qualidade de água inferior e ao mesmo tempo demandam maiores vazões de consumo de água regenerada, tais como lavagem de equipamentos, pisos e pátios, funcionamento dos sistemas sanitários, e regas de áreas verdes. São enfocadas as demandas por água de reuso urbano e industrial no âmbito da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mais especificamente a região central do município, onde se situa a ETE Alegria, sendo realizado um inventário de potenciais consumidores que possam utilizar essas águas regeneradas e que se localizem em suas proximidades. A partir da análise comparativa entre os custos do fornecimento/transporte da agua de reuso em caminhão pipa, e o fornecimento de água potável através do sistema convencional (rede pública) são definidos raios e áreas de abrangência onde se constata uma maior viabilidade para a utilização da água de reuso a partir da ETE Alegria. Para implementar o reuso e ajudar a reduzir a crescente pressão exercida sobre os mananciais disponíveis constata-se ser necessário caracterizar com mais detalhe as tipologias de demandas de potenciais consumidores inseridos nessas áreas, identificando os empreendimentos/indústrias que podem obter vantagem econômica ao substituir (ao menos parcialmente) a água do sistema convencional por água de reuso. Nesse caso, deve-se dotar o sistema de reuso da ETE Alegria da infraestrutura para atendimento desse consumo.

Introdução

Com o aumento da população e melhoras em seu padrão de vida, a demanda por água no país também sofreu um significativo aumento. Por outro lado, a poluição de suas principais fontes de água e os recorrentes períodos de maior estiagem na região sudeste implicam na necessidade estratégica de se dispor novas alternativas para suprir ao menos parte dessas demandas e minimizar os efeitos de mais crises hídricas, como a que ocorreu em 2014 (MARENGO et al, 2015). Além da adoção de medidas visando racionalizar o uso e reduzir o desperdício de agua, uma das opções que se apresenta é a utilização de fontes alternativas não convencionais, como as águas de chuva e o reuso de águas servidas (OBRACZKA et al, 2017)).
O artigo 2º da Resolução nº 54 do CNRH define Água de reuso como água residuária, que se encontra dentro dos padrões exigidos para sua utilização nas modalidades pretendidas. O reuso de efluentes sanitários já é uma prática corrente em vários países do mundo, principalmente naqueles onde se convive com situações de estresse hídrico, surgindo como uma oportunidade no enfrentamento dessas crises e como alternativa de abastecimento e fonte de água (CUNHA, 2008).
De acordo com Metcalf e Eddy (2002), algumas das principais vias de reutilização incluem a irrigação, o uso industrial, o reabastecimento de águas superficiais e a recarga das águas subterrâneas.
Em Israel, cerca de 80% da demanda de agua para irrigação é proveniente de agua de Reuso (ANGELAKIS e BONTOUX, 2001). Já em Singapura, a água de reuso é utilizada inclusive para fins potáveis, sendo produzida a partir dos efluentes tratados, utilizando tecnologia de membranas e desinfecção ultravioleta (ANGELAKIS e GIKA, 2014). A água de reuso é também encaminhada a clientes industriais através de uma rede de tubulações, sendo utilizada para fins de refrigeração industrial e de edifícios comerciais. Os parâmetros atingidos no tratamento para atendimento das demandas potáveis se enquadram nas Diretrizes para Qualidade da Água Potável exigidas pela OMS (LEE E TAN, 2016).
Apesar de ser uma prática bem explorada no exterior, principalmente em países que convivem com situações de estresse hídrico, no Brasil a prática ainda é incipiente. Autores como Bila et al (2017) e Campos (2018) sustentam que menos de 1% do esgoto tratado nas ETE’s da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) é reaproveitado, sendo utilizado basicamente para usos menos nobres como lavagem de pisos, vias e feiras livres. Já no universo corporativo, o reuso já é uma realidade/tendência em função da procura pelas empresas de menores custos e processos mais sustentáveis e eficientes (OBRACZKA et al, 2017).
Segundo o Sistema FIRJAN (2015), a escassez de água é um problema cada vez mais presente nos grandes centros urbanos e industrializados, colocando em risco as metas de desenvolvimento regional e do país. Dessa forma, as empresas estão adotando práticas mais sustentáveis, reduzindo desperdícios, otimizando processos e implementando melhorias operacionais de uma maneira geral (FIRJAN, 2015). Entre essas novas práticas destaca-se o reuso, que vem sendo incentivado e incorporado ao próprio processo industrial, visando a diminuição da dependência dos sistemas públicos de abastecimento e a redução de custos, já que em algumas regiões há a cobrança de elevadas taxas e multas pelo uso da água em excesso (OBRACZKA et al, 2017).
De acordo com Zared Filho et al (2007), com a implantação da Estação de Reuso de Água (ERA), a partir do início da década de 2000, a empresa Pilkington Brasil Ltda, grande fabricante de vidros em SP, obteve uma economia de 95% do consumo de água para uso industrial com um ganho final de 13.000 m³/mês de água, proporcionando uma economia de R$35.000,00/mês. Grandes empresas como a CETREL, Santista, Arcellor Mittal, BRASKEM, REDUC e outras vem investindo maciçamente em sustentabilidade através de ações e iniciativas para redução do desperdício e do consumo de água, empregando não somente processos e tecnologias mais eficientes como sistemas de aproveitamento de águas de chuva e reuso de efluentes para atendimento de boa parte de suas demandas hídricas, de forma a também reduzir suas dependências dos sistemas convencionais (SILVA JR, 2018).
Se várias indústrias já adotaram o reuso para atender suas próprias demandas, especialmente onde a carência de água e/ou os custos com água potável da rede pública já justificam a implantação de um sistema próprio, o mesmo não pode ser dito em relação aos sistemas públicos de saneamento (OBRACZKA et al, 2017; BILA et al, 2017). Há algumas experiências pontuais, especialmente na região sudeste do país, que incluem casos de sistemas de reuso/retorno para o sistema de tratamento das águas de lavagens de filtros de ETA’s (ZAHNER FILHO, 2014) e ainda o reuso de efluentes de estações de tratamento de esgotos (ETE’s) (PIERONI, 2016; SILVA JR, 2018).
O caso mais emblemático de reuso a partir de uma ETE atualmente em operação no Brasil é o empreendimento AQUAPOLO em São Paulo, com uma vazão de cerca de 700 l/s (PIERONI, 2016). A partir da necessidade de atendimento de demandas de caráter industrial, foram implementadas melhorias e incluídas etapas de polimento dos efluentes de um sistema de tratamento de esgotos domésticos existente, a ETE ABC da SABESP. Para adequar a água, o sistema utiliza a técnica de membranas de ultra filtração e osmose inversa, sendo o maior provedor de água industrial da América do Sul. As águas regeneradas são encaminhadas por meio de tubulações e abastecem um Polo industrial/Petroquímico da Região do ABC Paulista, sendo utilizadas principalmente para torres de resfriamento e caldeiras (RUBIM, 2012).
No Estado do RJ, há poucas ETE’s que produzem e empregam água de reuso.
A ETE Búzios, operada pela Concessionária PROLAGOS, dispõe de um sistema de polimento do efluente que trata uma pequena vazão para reuso e atende de forma ainda restrita as demandas do campo de golfe local.
Sistemas de reuso localizados nas ETE’s Penha e Alegria, operados pela CEDAE desde 2005 e 2013, respectivamente, produzem pequenas vazões de água de reuso, sendo o efluente tratado da ETE Penha parcialmente utilizado para limpeza de equipamento bem como cedido a COMLURB e para limpeza urbana (RAMOS et al, 2005; CEDAE, 2017).
De acordo com Ramos (2005), “o efluente da ETE Penha após o processo de desinfecção pode ser reutilizado para fins urbanos”, destinando a água de reúso obtida nas aplicações internas da Companhia (selagem de bombas, lavagem de centrífugas, água para incêndio, etc), além de fornecer para reúso industrial e no serviço municipal de limpeza”.
A partir do comissionamento de uma etapa de polimento constituída por filtração e desinfecção por cloro a produção de água de reuso da ETE Alegria foi iniciada em 2013 sendo parcialmente utilizada no período das obras do Porto Maravilha para limpeza e resfriamento de equipamentos e outros usos complementares não nobres (CEDAE, 2017; BRIARD, 2012).
De acordo com técnicos da Concessionária, havia uma previsão de utilização da maior parte da vazão total de efluente tratado (atualmente cerca de 1,5 embora a capacidade seja de 2,5 m3/s) para atendimento das demandas do COMPERJ através de um emissário. Esse projeto acabou não se viabilizando (BRIARD, 2012), sendo que em visita ao sistema de reuso da ETE Alegria, em meados de 2018, pode ser constatar que o mesmo se encontrava inoperante.
Operada pela Concessionária Zona Oeste Mais Saneamento, a ETE Deodoro, com vazão afluente total de cerca de 800 l/s (69120 m3/dia), utiliza parte do efluente de um sistema piloto de reuso com capacidade de 240 m3/dia (ou seja, somente 0,35% do total afluente a ETE). Essas águas regeneradas são basicamente empregadas no atendimento de demandas internas da empresa, como diminuição do material em suspensão no ar (poeira) através da umectação de ruas onde ocorrem obras para assentamento de redes, desobstrução de canalizações e lavagem de equipamentos, incluindo os do sistema de desidratação de lodos da ETE (PIERONI, 2016).
Para se ter uma ideia do nosso estágio atual de atraso em relação a outros países pioneiros em reuso como os EUA, a ETE Hyperion na região de Los Angeles, Califórnia, trata cerca de 11,4 m3/s (984200 m3/dia) de efluente, dos quais cerca de 1,75 m3/s são destinados a um sistema de reuso que regenera essas águas para emprego em cinco distintas tipologias de destinação, incluindo até mesmo entre elas o uso irrestrito (potável direto e indireto) (WEST BASIN). A prefeitura local prevê que o projeto para ampliação do reuso a 100% do efluente tratado deverá ser executado até 2035 (FONSECA, 2019).
Na RMRJ, identifica-se a priori que a água de reuso possui vocação predominantemente urbano/industrial, sendo essa a sua rota mais viável (OBRACZKA, 2017; CAMPOS, 2018). Entre outras razões, isso ocorre tendo em vista as maiores demandas do setor corporativo bem como as menores distâncias entre os principais polos geradores (como as ETE’s de maior porte) e áreas/empreendimentos industriais situados na RMRJ e no município. Além de bem mais distantes, os empreendimentos rurais são compostos predominantemente por pequenas propriedades que se utilizam de mananciais próprios tais como córregos e poços para seu abastecimento, notadamente para irrigação (OBRACZKA et al, 2017).
A potabilização das aguas regeneradas é ainda um cenário muito distante tendo em vista a existência de uma realidade na qual boa parte dos efluentes sequer é coletada e tratada, sendo por questões óbvias a prioridade direcionada para a expansão da rede e do atendimento da população, visando universalizar o saneamento de acordo com as diretrizes do PLANSAB (OBRACZKA et al, no prelo).
A pouca normatização/regulamentação também é um impedimento para a maior disseminação do reuso (BILA et al, 2017; ARAUJO et al, 2017). Apesar de já poder ser constatada uma evolução da legislação pertinente, especialmente na última década, ocorre que em sua maior parte as leis ainda são ainda mais genéricas, não especificam parâmetros e/ou limites e o reuso não é seu foco principal (CAMPOS, 2018). É o que ocorre, por exemplo, em relação à Lei Estadual 7463/2016, que trata da obrigatoriedade de implantação de reservatórios de amortecimento/reaproveitamento de água de chuva e reuso de águas cinzas em determinados empreendimentos (ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2016).

Autores: Marcelo Obraczka; Adriana Monteiro S. Campos; André Alcântara de Faria; e Douglas do Rosário Silva.

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