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Biometano substituir gás e diesel

Biometano pode substituir gás e diesel no Brasil, diz CEO da Copersucar

Tomás Manzano, CEO da Copersucar, destaca o papel estratégico do biogás extraído da cana-de-açúcar na transição da matriz energética e para a meta global da descarbonização

Líder global na comercialização de açúcar e etanol, a Copersucar tem uma posição consolidada na oferta de produtos que descarbonizam as cadeias produtivas de transporte, energia elétrica e indústria.

Sua mais recente estratégia nesse sentido está no desenvolvimento de um novo pilar em sua atuação: a produção de biometano a partir da cana-de-açúcar. Essa é uma nova e promissora fronteira do setor sucroalcooleiro para produção de energia renovável e limpa, com potencial de reduzir as emissões de carbono em até 90%.

Em entrevista à CNN, o CEO da Copersucar, Tomás Manzano, fala sobre o potencial e a ampla gama de usos que o biometano oferece visando a descarbonização, um dos temas centrais da COP 30, que acontece em novembro em Belém, no Pará.

O que é o biometano? De onde ele vem e como é produzido a partir da cana-de-açúcar?

O biometano é o biogás purificado, ou seja, significativamente menos poluente. O biogás é gerado pela biodigestão de matéria orgânica por bactérias, um processo natural que pode ocorrer com resíduos orgânicos em geral, como o lixo urbano e resíduos agrícolas.

No setor sucroenergético, o material para a produção do biometano resulta do esmagamento da cana para produção de açúcar e etanol. Atualmente, com a tecnologia disponível, usamos dois resíduos principais: um líquido, que chamamos de vinhaça; o outro é sólido, a torta de filtro.

O biometano é considerado a nova fronteira do setor sucroenergético. Como a Copersucar enxerga essa evolução?

O setor sucroenergético é uma cadeia de economia circular. Você prepara o solo, planta a cana-de-açúcar, tem um processo de extração ou de conversão dessa matéria-prima em açúcar e etanol. E os resíduos gerados são devolvidos para o campo como fertilizantes orgânicos. Assim, germina uma nova planta e o ciclo começa novamente.

O biometano passa a ser mais uma etapa desse ciclo de economia circular. Antes do uso na fertilização, é estabelecido um processo intermediário. A vinhaça, por exemplo, fica em repouso em lagos com as bactérias, o gás é extraído e, depois, essa vinhaça biodigerida vai fertilizar o solo.

Por que se diz que essa é uma nova fronteira no setor sucroenergético?

Porque é mais uma agregação de valor no conjunto de produtos gerados pelo setor, a partir do resíduo que já temos disponível. Hoje, toda usina já tem a matéria-prima necessária para produzir o biometano. Só precisa estabelecer esse processo intermediário para coletar o gás antes de direcionar esse material como fertilizante orgânico.

A tecnologia da biodigestão existe desde 1800, quando foram desenvolvidos os primeiros biodigestores. De 2010 para cá, essa tecnologia foi tropicalizada para aplicação nos resíduos que o Brasil gera. Como em nosso país o setor sucroenergético tem um volume muito grande de resíduos orgânicos, o potencial de produção de biometano a partir da cana é o maior dentre todas as cadeias de matéria-prima para extração desse gás.

Qual é o volume de biometano que o Brasil já produz e qual é a previsão para o futuro?

O Brasil está no processo de instalação das plantas de biometano. Já existem algumas usinas produzindo em escala. Na Copersucar, temos duas fábricas com essa operação. O país, também tem alguns projetos em aterros sanitários, gerando o gás a partir de lixo urbano, e outros projetos menores utilizando dejetos animais e resíduos agrícolas.

Em 2024, o Brasil produziu cerca de 840 mil metros cúbicos de biometano por dia, um crescimento de 16% em relação ao ano anterior. Estamos numa escala de evolução e até 2030 o Brasil deve produzir entre 7 e 10 milhões de metros cúbicos por dia de biometano. Só para ter uma ideia, o gás fóssil consumido pelo Brasil hoje é da ordem de 75 milhões de metros cúbicos por dia, sendo boa parte importada, cerca de 20 a 25 milhões de m3/dia. Ou seja, a previsão é que nos próximos cinco anos, o biometano represente perto de 10% do atual consumo de gás no país.

Mas o potencial é muito maior. Considerando as matérias orgânicas disponíveis, o Brasil poderia produzir cerca de 120 milhões de metros cúbicos por dia de biometano, segundo a Abiogás, suprindo toda a demanda de gás atual do país. E metade desse potencial vem do setor sucroenergético, pela escala de matéria-prima disponível.

A descarbonização é uma meta global. De que forma o biometano pode ser um vetor para essa descarbonização no campo, na cidade e no transporte pesado?
A beleza do biometano é que ele tem uma ampla gama de aplicações, emitindo 90% a menos de intensidade de carbono do que o diesel e o gás fóssil. Então, essa gama de aplicações, que passa pela geração de energia elétrica e vai até a substituição de combustíveis fósseis, faz com que o biometano descarbonize o campo, a cidade e os transportes.

No campo, toda atividade agrícola hoje é altamente intensiva em utilização de óleo diesel. Os tratores, as máquinas, os caminhões, as bombas das fábricas são, em grande parte, movidos a diesel, que pode ser trocado pelo biometano. Além disso, a vinhaça biodigerida também pode ser utilizada como um fertilizante orgânico, substituindo fertilizantes químicos.

Na cidade, a mesma coisa. Grande parte da mobilidade urbana – ônibus, caminhões de lixo, caminhões de entrega – está calcada no óleo diesel que pode ser substituído pelo biometano. Esse biocombustível também poderia ir para fábricas e indústrias que queimam o gás fóssil na sua matriz energética.

Quase 65% de toda a carga do país é movimentada em caminhões. Poderíamos utilizar o biometano no lugar do diesel para fazer esse transporte de produtos. Principalmente nas rotas de exportação, que são as distâncias mais longas.

Que outros benefícios ou diferenciais o biometano oferece?

O maior diferencial, quando comparado a outros potenciais produtos da transição energética ou que vão substituir os fósseis, é a viabilidade econômica.

A tecnologia já está disponível, temos grande capacidade de matéria-prima no país e o custo final do biometano é mais barato do que a fonte fóssil que ele substitui. Então, a gente costuma dizer que o biometano descarboniza economizando.

Outro diferencial é uma questão geográfica. O Brasil é um país continental. A infraestrutura de produção, de gás principalmente, está mais concentrada no litoral, distante de áreas consumidoras, como todo o interior que precisa ser abastecido.

O biometano vai ser produzido ou está sendo produzido onde estão grande parte dos consumidores. Uma usina no oeste paulista, por exemplo, pode fornecer para indústrias que consomem gás naquela região. Além de ter uma eficiência logística muito grande, isso promove um desenvolvimento local.

Então, o biometano é visto como uma solução de alta escala para substituir o diesel no Brasil. Que incentivos seriam necessários para que o setor sucroenergético e a indústria acelerem essa transição?
Existe um conjunto de iniciativas com potencial de acelerar a produção e o consumo de biometano no Brasil. A parte de regulação foi muito bem-organizada pelas legislações desenvolvidas ao longo do último ano. Especialmente pela Lei Combustível do Futuro, que estabelece regras e mandatos para a criação do mercado de biometano, definindo as regras técnicas de produção e normas de segurança, por exemplo, isso foi importante pois, como um produto novo, o biometano não estava totalmente regulamentado como o mercado de gás já estava.

Também são necessários incentivos para investimento e desenvolvimento dessas regiões produtoras, como linhas de financiamento para produtos renováveis, para produtos que gerem uma menor intensidade de carbono, incentivos para importação de equipamentos.

Conjunto esse que já está bastante avançado. Temos o Fundo Clima (Fundo Nacional sobre Mudança do Clima é um instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima) e o papel do BNDES para fomentar essa indústria local.

E outro fator muito importante é a conscientização dos consumidores de que este é um produto que emite muito menos carbono. Então, tem um trabalho aqui também de demonstrar os benefícios do biometano para poder expandir o interesse do consumidor alinhado com uma meta de descarbonização.

Na Copersucar, como o compromisso com a sustentabilidade fortalece a produção e distribuição do biometano?

A sustentabilidade é parte da Copersucar desde a nossa origem, com manejo adequado do campo, utilização das melhores práticas sustentáveis para produção e distribuição aos clientes. O cultivo da cana já propicia grandes benefícios de economia circular, gerando diversos produtos com a mesma planta – açúcar, etanol, energia elétrica a partir da biomassa e agora o biometano a partir dos resíduos.

Há vários anos já fazemos o inventário de emissões de todo o nosso Ecossistema e estabelecemos um plano de ação para reduzir ainda mais nossas emissões. Todos esses dados, que mostram o impacto positivo de nossas operações são divulgados em nosso relatório de sustentabilidade.

Por exemplo, todo o etanol que a Copersucar comercializa e movimenta no Brasil e nos Estados Unidos tem um impacto de redução de 26 milhões de toneladas de CO2 por ano. Isso equivale ao consumo anula de cerca de 12 milhões de veículos à gasolina, quase um terço da frota de veículos leves do Brasil. O etanol que a gente movimenta em dutos evita o tráfego de mais de 100 mil caminhões nas áreas urbanas.

Hoje, para produzir etanol, utilizamos o óleo diesel na matriz de colheita e transporte do campo até as fábricas. Quando avançarmos na produção de biometano, substituindo o diesel por ele, teremos uma intensidade de emissão de carbono muito menor, beneficiando nosso próprio inventário de emissões, não só de terceiros.

Então, esse é o grande fator que torna os nossos produtos ainda mais sustentáveis. O etanol hoje já é o produto de menor intensidade de carbono quando comparado com os outros combustíveis fósseis. O etanol de uma usina que produz o biometano vai ter uma intensidade de carbono ainda mais baixa.

Hoje, com as nossas primeiras operações de biometano, já reduzimos 2 milhões de litros de diesel dentro do nosso sistema, o que equivale a 4 milhões de toneladas de CO2 evitadas no ano. E é só o começo, com duas usinas fabricando biometano. Nosso plano é ter nas 38 usinas que fazem parte da Copersucar nos próximos 10 anos, o que teria um potencial de substituir 60 milhões de litros de diesel ao ano.

E como a Copersucar se posiciona frente a essa oportunidade que o biometano oferece?

O biometano hoje é um dos principais pilares da estratégia da Copersucar. Já somos líder mundial na comercialização de açúcar e de etanol. Iniciamos, há cerca de dois anos, uma plataforma para comercializar energia elétrica renovável e agora estamos criando esse pilar do biometano. O potencial conjunto de todas as nossas usinas associadas é de produzir 2,3 milhões de m3/dia, nos posicionando como um player relevante no mercado.

Já estamos em processo de constituição de uma comercializadora e distribuidora de biometano para fazer a ponte entre a produção, os mercados e os clientes.

Fonte: CNN Brasil


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