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Tratamento de esgoto na zona rural: diagnóstico participativo e aplicação de tecnologias alternativas

Resumo

A disposição inadequada do esgoto doméstico na zona rural pode oferecer sérios riscos à saúde da população local e também ao meio ambiente. Estas localidades e suas populações têm sido colocadas de lado pelas políticas públicas de saneamento, cabendo aos próprios produtores rurais tomar as decisões referentes à implantação e manutenção dos sistemas de tratamento de esgoto descentralizados. Poucos são os dados aprofundados sobre esta realidade comum em todo o Brasil e sobre as alternativas mais adequadas para o tratamento de esgoto doméstico neste contexto. Dessa forma, esta pesquisa se propõe a levantar informações sobre a realidade do saneamento na área rural de Pedra Branca, no município de Campinas (SP), por meio de um diagnóstico rural participativo (DRP) no contexto de uma pesquisa participante. Os resultados do DRP realizado com 33 propriedades diferentes indicam que a segregação do esgoto (águas cinzas x águas de vaso sanitário) é muito frequente, assim como a presença de fossas rudimentares ou absorventes. Além do DRP, o processo de escolha de alternativas para o tratamento de esgoto em áreas descentralizadas, sua implantação e replicação também foram discutidos, evidenciado que a participação espontânea no processo e a autonomia na escolha das tecnologias mais adequadas é fundamental para o sucesso das atividades. O processo participativo com a comunidade culminou na escolha de três sistemas de tratamento de esgoto que foram implantados na comunidade: uma bacia de evapotranspiração (BET), uma fossa séptica biodigestora (FSB) e um sistema composto de tanque séptico e filtro anaeróbio com recheio de coco verde (Tsep + FA). O monitoramento dos três sistemas por nove meses gerou resultados acerca da qualidade do efluente final produzido, da eficiência das tecnologias e da sua aceitação pela população local. De forma geral todos os sistemas foram bem aceitos pela população, mas a construção da BET e do Tsep + FA se mostrou mais trabalhosa. A eficiência média de remoção de DQO foi de 90,7% para BET, 72,6% para Tsep + FA e 58,6% para FSB. De forma geral as ações desenvolvidas em Pedra Branca deixaram um impacto positivo localmente e propiciaram mudanças reais na comunidade através do seu engajamento, participação e parceria com os pesquisadores.

Introdução

Estima-se que no mundo 2,3 bilhões de pessoas ainda vivam sem acesso a práticas adequadas de esgotamento sanitário, o que representa 30% da população global (WHO/UNICEF, 2017). Apesar do problema existir também em grandes centros, há uma enorme disparidade entre a situação das áreas urbanas e das rurais já que a cada dez pessoas sem acesso a práticas adequadas de saneamento, sete vivem em áreas rurais (WHO/UNICEF, 2015). Nestas regiões, 49% da população ainda vive em situações com esgotamento sanitário considerado inadequado pela Organização Mundial da Saúde (OMS ou WHO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) tais como a defecação ao ar livre (que inclui o lançamento de esgoto diretamente em corpos de água e no solo) e outras práticas inadequadas tais como o uso de buracos no solo, penicos/baldes ou banheiros suspensos sob corpos de água (WHO/UNICEF, 2015).

Esta também é a realidade de parte do Brasil, onde 43% da população é atendida por sistema coletivo (rede coletora e estação de tratamento de esgotos), 12% é atendida por solução individual, 18% da população tem os esgotos coletados mas não tratados e 27% é totalmente desprovida de atendimento (sem coleta ou tratamento) (ANA, 2017). Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB, pouco mais da metade dos municípios (55,2%), possui algum serviço de esgotamento sanitário por rede coletora (independentemente da extensão desta rede, do número de casas ligadas ao sistema e da realização ou não do tratamento dos efluentes coletados) e em apenas 28,5% dos municípios é realizado algum tratamento (IBGE, 2010). Além disso, dados do “Atlas Esgotos: despoluição de bacias hidrográficas” (ANA, 2017) indicam que a qualidade do tratamento nas Estações de Tratamento de Esgotos- ETEs no Brasil também não é 17 adequada, já que apenas 14% dos municípios conseguem produzir efluentes que atendam à Resolução CONAMA No. 430 (CONAMA, 2011) no que se refere à remoção mínima de 60% da DBO. Um estudo do IBGE (2010) também apontou que em 2008, 2.495 municípios brasileiros não possuíam nenhum domicílio atendido por rede coletora e que a rede chegava a 44% dos domicílios no país. Estudo mais recente realizado pelo IBGE em 2013 e que incluiu 63.768 domicílios (IBGE, 2015) aponta que 63,3% dos domicílios brasileiros pesquisados são atendidos por rede coletora (atendimento pela rede ou por fossa ligada à rede), havendo enormes disparidades entre a cobertura na região Sudeste (87,8%) e Norte (18,4%), por exemplo.

Autora: Isabel Campos Salles Figueiredo.

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