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O desperdício e o reúso da água na indústria

Arno Rothbarth

Nos últimos anos temos observado uma preocupação ambiental especificamente com o reúso, ou a recuperação da água nas indústrias. Até mesmo o “fechamento de circuito” virou assunto predileto em congressos e em artigos técnicos.

A reutilização da água dos circuitos de processo industrial é bem aceita e varia de acordo com os processos aplicados na indústria. A água utilizada nas indústrias tem uma peculiaridade que é ser, ao mesmo tempo, insumo e produto. Entretanto, o maior problema, sob o ponto de vista econômico e ecológico, não está no reúso ou não da água, mas no desperdício que ocorre nas instalações industriais. Neste artigo vamos discorrer sobre as origens do desperdício e os métodos aplicados para evitá-lo.

Água: insumo e produto

Em julho de 2000, o governo brasileiro criou a Agência Nacional de Águas, que tem como missão implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso a água, promovendo o seu uso sustentável em benefício da atual e das futuras gerações.

Trata-se de um órgão regulador criado para fazer aquilo que outros órgãos de diferentes ministérios deveriam fazer. Apesar de ser uma autarquia, sofre a ingerência direta do ministério do Meio Ambiente e principalmente do IBAMA. Depois da criação desta agência, foram alterados alguns procedimentos para o gerenciamento dos recursos hídricos, classificando os principais consumidores deste insumo insubstituível para a vida na terra. Uma das ações deste órgão foi a implantação (embora tímida) da cobrança pelo uso da água; captação, uso e despejo final do efluente.

Considerando a água como um insumo, devemos tratá-la de forma mais racional possível, tanto sob o ponto de vista econômico como ambiental. No seu conceito mais amplo, insumo é a combinação de fatores de produção, diretos e indiretos (mão-de-obra, energia, matéria-prima), que entram na elaboração de certa quantidade de bens (produtos) ou serviços.

Quando a água passa a ser o próprio produto, isto é, compõe em mais de 80% o bem final, o reúso passa a ter importância menor do que o desperdício. A água como produto final pode ser exemplificada como: perfumes, bebidas, molhos, gelo potável etc.

Neste artigo, vamos considerar a água como insumo e avaliar os aspectos de desperdício, reúso e fechamento de circuito.

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Minimizar o desperdício – atitude e método

A minimização do desperdício pode ser observada de dois modos: atitude e método. Mudança de atitude em relação aos procedimentos operacionais e de manutenção é vital para a obtenção de resultados positivos no controle de perdas no processo. A principal atitude é reconhecer que é necessário e obrigatório conter estas perdas e agir para efetivar as ações necessárias. O método, é a forma como vamos executar estas ações.

Na metade do século XX, os dois americanos Walter Shewarth e William Deming desenvolveram o PDCA, ferramenta principal dos CCQ – Ciclo de Controle da Qualidade e do CEP – Controle Estatístico do Processo. Até os dias atuais, estes métodos de análise e avaliação de processos são eficazes para resolução de vários problemas que envolvem o controle de processo. Porém, na minha avaliação, quem deu a maior contribuição à utilização do “método”, viveu no século XVII na França; Rene Descartes.

Em sua obra, “Discurso sobre o Método” (1637), Descartes resumiu o que significa método:

Nunca aceite as coisas como verdadeiras, sem antes conhecer as evidências;

Divida cada uma das dificuldades que tiveres que examinar, no maior número possível de etapas necessárias para melhor as resolver;

Ordene os meus pensamentos, começando pelos objetivos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até ao conhecimento dos mais complexos, e admitindo mesmo certa ordem entre aqueles que não precedem naturalmente uns aos outros;

Questione seus próprios métodos; faça tantas revisões quantas necessárias para ter certeza de que nada omitiu.

Estes passos levam à certeza de que os processos estão realmente sob controle. Passe esta tarefa a cada um dos colaboradores da empresa, treine-os e cobre os resultados, para ter a certeza de um resultados positivo.

Onde encontrar o desperdício?

Seguindo a metodologia do PDCA, ou outra que utilize o raciocínio lógico, é possível verificar as fases do processo que geram os desperdícios.

A forma mais simples para implantar ações buscando a redução das perdas é dividir os processos em subprocessos. Também é importante determinar o quê, como e onde fazer as medições. Sem medir, é difícil determinar as causas e as soluções dos problemas. Então, o que é importante medir num processo para determinar causas, ou a origem dos problemas:

Medir a entrada de água bruta na indústria;

Medir o volume de água tratada;

Medir todos os efluentes líquidos que deixam o processo;

Medir todos os efluentes líquidos que são devolvidos ao corpo receptor;

Medir a água de processo (separe a água das utilidades);

Medir a água das “utilidades” (torres de resfriamento, vapor etc);

Realizar o balanço de massa do processo e determinar a água incorporada ao produto final;

Medir a água de “make up” e a água de reúso;

Monitorar a qualidade da água (análises físico-químicas).

Reduzindo o desperdício – Determinando as causas

Considerando que o resultado geral do processo é responsabilidade compartilhada, as equipes de produção, manutenção, engenharia, suprimentos e também a equipe com funções administrativas, devem contribuir com os objetivos gerais da empresa. No âmbito da indústria, as equipes de produção e de manutenção são as mais envolvidas no resultado do processo. As pessoas envolvidas devem ter conhecimento pleno de suas atividades e visão sistêmica do processo como um todo. Assim, a equipe de manutenção deve conhecer o processo e a equipe do processo deve conhecer e colaborar com a equipe de manutenção. Já o pessoal de engenharia e suprimentos é responsável por definir “lay out”, compra e instalação de equipamentos atualizados em termos de tecnologia e qualidade.

Para combater o desperdício, é preciso conhecer as principais causas:

No projeto

(a) Especificações incorretas;

(b) Gestão de compras;

(c) Adaptações;

(d) Qualidade do equipamento ou do material;

(e) Lay out que dificulta a manutenção.

Na manutenção

(a) Programa inadequado de manutenção preventiva;

(b) Programa inadequado de manutenção corretiva;

(c) Equipe não especializada;

(d) Utilização de manutenção terceirizada;

(e) Falta de conhecimento do processo;

(f) Adaptação ou reaproveitamento de peças;

(g) Demora na solução de problemas com vazamentos.

Na operação

(a) Falta de treinamento no processo;

(b) Derrame de tanques;

(c) Vazamentos de todo o tipo (tubulação, bombas, válvulas etc.);

(d) Uso indevido da água do processo;

(e) Contaminação de água de processo;

(f) Falta de controle nas medições do processo;

(g) Informação sobre problemas de manutenção;

(h) Falta de comprometimento com os resultados.

Reduzindo o desperdício – oportunidades para a redução

As oportunidades de redução dos desperdícios implicam basicamente em três fatores:

Revisão do processo;

Viabilidade econômica;

Avaliação dos aspectos ambientais.

Na revisão do processo estão incluídas alterações de matérias-primas e insumos, além das variáveis de processo, tais como vazão, concentração, temperaturas, pressões etc. Na revisão do processo, pode ser exigida alteração de “lay out”, de equipamentos, de instrumentação e automações. Convoque a equipe de engenharia e manutenção para colaborar. Crie, atualize, altere procedimentos e treine suas equipes, e sempre que possível, provoque o “job rotation”, pois a percepção da “coisa nova” ajuda a verificar os pontos fracos do sistema.

A viabilidade econômica, via de regra, define se as alterações são viáveis ou não, e apresenta parâmetros de fundamental importância para promover ou desencorajar as ações de redução do desperdício. Esta avaliação sempre está baseada em custo e orçamento da produção.

Sempre que houver uma grande vantagem ambiental, principalmente na reutilização da água e de outros insumos, incentive as ações contra o desperdício. Geralmente, há uma confrontação entre as vantagens ambientais e a viabilidade econômica. Junte todas as alternativas, observe o cenário de oportunidades e coloque em prática o que trouxer melhor resultado.

Reúso e fechamento de circuito

Fazendo a distinção entre estes dois procedimentos, no fechamento de circuito (plant closure) busca-se a recuperação das águas de processo até seu limite de utilização. O limite é estabelecido pelas concentrações de materiais dissolvidos e em suspensão, e pelo custo de retificação dos contaminantes.

O reúso de água, tem como prioridade a reutilização de água através de critérios de qualidade, também limitado pelo uso harmonizado com as exigências do processo. Nestes dois procedimentos, a determinação do volume de água de reúso ou o controle do fechamento do circuito será determinado por parâmetros como:

STD – sólidos totais dissolvidos;

SDI – silt density index;

LSI – índice de Langelier;

Potencial Zeta.

Na medida em que se reutiliza a água, o ciclo de concentração [CC] vai aumentando e saturando esta água com vários tipos de ânions e cátions, além de materiais orgânicos que produzem uma atividade microbiológica nos sistemas.

[CC= água em circulação/água de reposição]: é uma relação da água em processo com o “make up” de água fresca.

Muitos processos são sucessivos e interdependentes, quando outros, são isolados, e o efluente de um subprocesso poderá ser o afluente de outro subprocesso, resultando no final, o efluente geral do processo industrial.

Para ambas alternativas, o processo de reutilização da água pode acarretar em danos aos equipamentos provocando depósitos, incrustações, corrosão etc. Para ficar bem claro, citamos como exemplo de reúso, utilizar a água de “blow down” de uma torre de resfriamento para lavar a cana de açúcar, toras de madeira, utilizar em sanitários etc. No fechamento de circuito, a água é utilizada várias vezes no mesmo processo ou subprocesso, até atingir os limites de concentração para aquela utilidade. Usando o mesmo exemplo anterior, uma torre de resfriamento pode utilizar a mesma água para enviar aos trocadores de calor, até atingir o limite crítico de concentração de material dissolvido. A partir deste limite, inicia-se a purga e o “make up” para ajustar as concentrações. Tentativas de recuperação (tratamentos físico-químicos) são possíveis, limitados ao custo deste, e ao impacto ambiental provocado pelo descarte do material retido.

Conclusão

Ao longo de muitos anos de minha vida profissional, mais de 30, assisti a implantação de bons e péssimos programas de redução de desperdício nas indústrias brasileiras e estrangeiras. Quando se tratava de desperdício de água, o mais comum era verificar a falta de interesse de alguns empresários e gestores de processos industriais com a economia de água, pois “havia água em abundância” e a questão ambiental não era prioridade das empresas. Digo isso, pois auditei várias empresas que sequer mediam e/ou monitoravam a água que entrava e saia do processo. Um paradoxo neste contexto é que aonde a água é mais abundante no Brasil é justamente na região norte, onde a industrialização é incipiente. No sul e sudeste a escassez de água já afeta algumas regiões mais industrializadas.

Quando fizemos o comentário sobre o PDCA e citamos W. Deming, lembramos também de Juran, do TQM, TQC, 5S, Housekeeping e outros programas de qualidade. Todas as técnicas que buscam a excelência do processo são bem-vindas, mas não aposte tudo nelas. Evite os modismos, por conta destas técnicas. Evite criar comitês para isso ou aquilo. Crie “métodos”, mude de atitude, questione, estabeleça metas e objetivos. Desperdício é dinheiro perdido, é recurso mal empregado, é o exemplo que não deve ser seguido.

Engº Químico Arno Rothbarth

Engenheiro químico especialista em Utilidades e Cogeração, com 30 anos de experiência em indústrias nacionais e internacionais. Atua nos setores de Celulose & Papel e Agroindústria como consultor e palestrante. É diretor técnico da RTH Consultoria Técnica Ltda

www.rthconsult.com.br

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