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_Matriz elétrica limpa ao alcance do Brasil

Matriz elétrica limpa ao alcance do Brasil

Estudos internacionais mostram que o Brasil é o país com a menor necessidade adicional de investimento para o alcance de uma matriz limpa

Por Reynaldo Passanezi Filho

O setor elétrico brasileiro vive um paradoxo que compromete nossa transição energética e contrasta com as tendências globais de descarbonização. De um lado, assistimos à expansão acelerada da capacidade instalada de fontes renováveis, sobretudo solar e eólica. De outro, a confiabilidade do sistema tem exigido uma maior necessidade de despacho de termelétricas, mais poluentes e onerosas.

Este desequilíbrio se manifesta no crescimento sem precedentes do curtailment (corte na geração solar e eólica por excesso de oferta ou limitação de rede) e do vertimento de energia turbinável (liberação de água sem passar pelas turbinas). O resultado é o não aproveitamento energia renovável, gerada justamente nos momentos de pico de sol, vento ou chuvas.

Outra consequência é a elevação das tarifas, seja por bandeira vermelha devido ao maior despacho de termelétricas, seja por parâmetros m restritivos de risco, com impacto direto no preço de curto prazo definido pelo PLD.

A análise comparativa revela alerta semelhante: apesar de uma matriz majoritariamente hidrelétrica, o Brasil figura entre os países com mai índice de curtailment do mundo hoje, da ordem de 18% da geração solar e eólica centralizadas em 2025. Simultaneamente, figura entre os países com maiores múltiplos entre custo de geração e preço final de energia, da ordem de 5 a 6 vezes. Este artigo defende que o debate sobre transição energética deve transcender a questão técnico-operacional.

Precisamos elevar o horizont para o objetivo estratégico de uma matriz elétrica brasileira com zero emissões, alinhado às grandes tendências mundiais e diferenciando o país como protagonista global de forma permanente. A preocupação reside no planejamento de longo prazo. O Plano Nacional de Energia projeta a manutenção de termelétricas como parte relevante da matriz até 2050, entre 5% e 17% da geração. Ou seja, o planejamento oficial projeta situação igual ou mesmo pior que a existe hoje.

Para virar esse jogo, a próxima fronteira do setor elétrico brasileiro não deveria ser apenas uma matriz renovável de alta penetração, mas si uma matriz totalmente limpa, um diferencial único que nos colocaria na vanguarda mundial. Nossa vantagem competitiva é clara: abundânc de recursos naturais, infraestrutura integrada de redes de transmissão e distribuição, e oferta crescente de energia renovável, com fatores d carga superiores à média internacional.

De fato, estudos internacionais mostram que o Brasil é o país com a menor necessidade adicional d investimento para o alcance de uma matriz limpa em comparação à evolução da matriz baseada apenas em valores de mercado. Não podemos arriscar perdê-la. Alcançar esse objetivo exige uma multiplicidade de instrumentos e políticas públicas.

A remuneração das fontes deve considerar atributos específicos, valorizando hidrelétricas como base de flexibilidade, com modernização, retrofit, leilões de reserva e construção de usinas reversíveis. É necessário acelerar o avanço do armazenamento de energia, especialmente com sistemas BESS (Baterias químicas para armazenar energia de fontes renováveis intermitentes), nova fronteira tecnológica.

Estudos projetam crescimento de dez vezes na capacidade de baterias até 2035, alcançando mais de 6.000 GWh, o que equivale a quinze vezes a potência brasileira, considerando duas horas de uso diário. Também é essencial expandir tecnologias limpas e firmes, como nuclear e biocombustíveis, garantindo segurança energética e redução de emissões. O Plano Nacional de Energia projeta a manutenção de termelétricas como parte relevante da matri até 2050, com fatia entre 5% e 17% da geração.

Ou seja, o planejamento oficial projeta situação igu ou mesmo pior que a existente hoje Outro eixo é o fortalecimento das redes de transmissão e de distribuição, que poderia fazer parte da operação do sistema, gerindo recursos distribuídos de forma mais inteligente no sistema conhecido como DSO, assegurando integração e eficiência. Já a geração distribuída pode avançar como buffer local de congestão.

A revisão dos procedimentos de operação deve equilibrar segurança, custos e aproveitamento renovável. Além disso, é fundamental estimular mecanismos de demanda flexível, como o armazenamento “behind the meter” em que a bateria é instalada no próprio local de consumo, modulação de cargas industriais e eletromobilidade.

No campo regulatório, é necessária a evolução das normas para compensação justa por curtailment e a introdução de seguros ou compartilhamento de risco nos contratos de longo prazo (PPA). Para planejamento, é imprescindível desenvolver modelagens integradas qu internalizem custos do curtailment e adotar modelos de preço híbridos ou por oferta, com flexibilidade horária e locacional, permitindo sinais econômicos eficientes. Como solução transitória, termelétricas a gás natural devem garantir estabilidade. Por fim, é necessário fomentar novos mercados, agregan cargas como data centers e produção de hidrogênio de baixo carbono, ampliando oportunidades para uma matriz mais sustentável e resiliente.

Em suma, os instrumentos e políticas públicas deveriam ser orientados na direção de uma matriz totalmente limpa, priorizando inovação, desenvolvimento tecnológico e estímulo a novas fronteiras energéticas, bem como uso eficiente dos recursos e tarifas que favoreçam nossa competitividade. O país deve evitar concentrar esforços em tecnologias maduras que não mais precisam de incentivo e que podem acabar levando à direção contrária, sem impulsionar o avanço da transição.

O apoio de instrumentos tributários constitui fator adicional essencial nessa trajetória. O compromisso é desafiador: reduzir o curtailment e o vertimento no curto prazo, otimizando a infraestrutura existente; e consolidar o diferencial de nossa vocação para sermos o primeiro grande país com matriz integralmente limpa. Este caminho será apoiado pelos grande fundos de financiamento de mudanças climáticas, soberanos e privados, viabilizando não só a segurança e o menor custo da energia, mas também a inserção diferenciada do Brasil na dinâmica mundial da transição energética e da eletrificação da economia, com criação de um “prêmio verde” para os produtos brasileiros e a atração de indústrias que buscam fontes limpas e competitivas.

Não se trata de um caminho fácil. As complexidades técnicas e políticas são significativas. O setor elétrico tem se conscientizado da necessidade de união e da busca de ganhos conjuntos, com a mudança regulatória e a COP30, o momento é agora para uma ambição a alcance do país, plenamente alinhado à nossa vocação e à urgência climática global.

Fonte: Valor


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