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Contribuição de parâmetros para construção do índice de efetividade da cisterna – P1MC

Resumo

O Programa Um Milhão de Cisterna (P1MC) é fruto de uma construção dos movimentos sociais, sendo posteriormente incorporado com uma política pública do governo federal, objetivando ampliar as estratégias de convivência com o Semiárido. Buscando analisar em que condições o P1MC atende a população beneficiada, esse trabalho propõe a criação do Índice de Efetividade da Cisterna – Iefc a partir da avaliação das dimensões ambientais, sanitária, técnica, social e institucional. O Iefc é categorizado e a efetividade da cisterna é discutida a fim de identificar os parâmetros que apresentam situações mais críticas e, consequentemente, necessitam de um olhar mais criterioso do governo. O trabalho foi desenvolvido a partir da análise de questionários aplicados em cinco municípios baianos (Abaré, Chorrochó, Macururé, Glória e Santa Brígida). Como resultado principal, foi identificado que o Iefc para todos os municípios foi classificado como Alerta.

Introdução

No Semiárido Brasileiro a cisterna é um equipamento que vem sendo difundido cada vez mais como uma alternativa de ampliar o acesso à água, especialmente para beber e cozinhar, uma estratégia que nasceu de um forte movimento social voltado para à convivência com a seca. A partir do ano de 2003, o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) consolidou as cisternas como uma tecnologia social integrante de uma política pública, principalmente voltada para a segurança alimentar e democratização do acesso à água.

Com o P1MC uma parte significativa da população do Semiárido passou a ter água com maior facilidade, embora a seca prolongada tenha exigido o uso dos carros-pipa para o abastecimento das cisternas. O Programa vem sendo financiado por diversas instituições como a Fundação Banco do Brasil, a Fundação Avina, a Federação Brasileira de Bancos (FEBRAN), o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e em 2003, quando passou a integrar o Programa de Acesso à Alimentação do então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, recebeu recursos diretamente do Orçamento Geral da União. Segundo a ASA (2017), até maio de 2017, foram construídas 600.344 cisternas (60% da meta), sendo que esse número corresponde às ações executadas unicamente pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Segundo
dados do Governo Federal entre 2003 e 2006 foram construídas 1,2 milhão de cisternas (BRASIL, 2016).

Os objetivos do Programa, suas diretrizes e estratégias de implementação têm suscitado no campo técnicocientífico diversas perguntas, como impactos sociais, na saúde e qualidade de vida da população, aspectos técnico-operacionais e de financiamento. Assim, estudos vêm sendo desenvolvidos possibilitando avaliar as diversas dimensões do P1MC e os resultados têm apontado para o seu impacto positivo, principalmente por proporcionar acesso à água com maior facilidade e processos de emancipação, especialmente das mulheres.

Para Borja et al. (2015) o acesso à água vem provocando alterações importantes nas condições de vida da população beneficiada já que as horas antes dedicadas à busca pela água vêm sendo usadas para ir à escola, para realizar atividades de melhoria da renda, o que tem contribuído para a ampliação das possibilidades da promoção de justiça e inclusão social. Os autores consideram que as cisternas introduziram um deslocamento importante das políticas públicas para o semiárido ao implementar tecnologias sociais que buscam beneficiar as famílias em condições de vulnerabilidade e ao prever como estratégia central a participação social.

Para Silva et al. (2013), a liberação do tempo consumido para obtenção de água, que agora pode ser destinado a outras atividades, abre oportunidades para os moradores desenvolverem outras tarefas, como trabalho remunerado. Além disso, contribui para aumento da frequência escolar de crianças e adolescentes. As mulheres, por questões de ordem socioculturais, exercem papel fundamental em relação ao uso e funcionamento das cisternas, uma vez que estão à frente do manejo da água dentro do domicílio e colaboram com a saúde e higiene no ambiente familiar, entretanto, sua atuação pode ir mais além. Moraes e Rocha (2013) efetuaram um estudo de caso qualitativo sobre a participação das mulheres no P1MC e constataram que algumas delas assumiram papéis significantes como construtoras de cisternas e membros de comissões locais de água, que até então eram funções exercidas apenas por homens. Porém, estudos também já sinalizaram diversas questões que precisam ser melhor debatidas a fim de garantir à população beneficiada água em qualidade e quantidade para o consumo humano.

Silva et al. (2006) ao efetuarem uma pesquisa participante no Assentamento de Paus Brancos, município de Campina Grande, e nas comunidades rurais Curral do Meio e Poços das Pedras, no município de São João do Cariri, todas no estado da Paraíba, verificaram que as famílias não manuseavam adequadamente a água das cisternas de forma a evitar a contaminação das águas, apesar das famílias terem participado das ações de educação sanitária e ambiental do P1MC e terem conhecimento teórico dos procedimentos que deveriam ser adotados para a proteção da qualidade da água. Os autores constataram que em relação à conservação do telhado das residências, em Paus Brancos predominaram tetos sujos (45,2%) nos quais havia folhas secas, pedaços de madeira, latas e sapatos velhos, jogados nos tetos pela população, além de poeira e fezes de animais, sem que houvesse uma associação com as águas da cisterna. Outro fator que merece atenção foi o uso de cordas e baldes para tirar a água da cisterna, nas comunidades rurais de São João de Cariri. A observação direta feita pelos autores mostrou que estas comunidades não usam bomba manual, argumentando seu peso elevado e a demora para retirar a água e que o balde usado para a coleta não apresentava condições adequadas de higiene na maioria dos domicílios, sendo usado também para outros fins.

Algumas investigações têm se dedicado a analisar o impacto da saúde da implantação das cisternas. Um estudo de coorte, prospectivo, realizado por Luna (2011) para avaliar o impacto das cisternas na saúde da população, constatou uma menor ocorrência e duração dos episódios de diarreia em domicílios que faziam uso de cisterna, demonstrando que a cisterna funcionava como uma tecnologia de proteção à saúde. Fonseca (2012), por meio de um estudo de coorte, verificou que nas famílias não beneficiadas pelas cisternas a duração média dos episódios diarreicos era cerca de 45% maior quando comparado àquelas que foram beneficiadas pelo P1MC. Os resultados de Fonseca (2012) sugerem, também, uma relação entre as cisternas e a redução das infecções provocadas por protozoários patogênicos em crianças.

Outro conjunto de estudo tem se dedicado a analisar a qualidade da água das cisternas. Silva et al. (2012) verificaram que os estudos realizados em Pernambuco evidenciaram que a água proveniente das cisternas, frequentemente não possui qualidade adequada para o consumo humano. Nas amostras realizadas nas cisternas apenas 23% atendiam aos padrões da Portaria no. 2.914/2011 do Ministério da Saúde; enquanto nas amostras feitas em outras fontes este número foi de 42,5%. No entanto, é importante destacar que não foi encontrada diferença estatística entre a qualidade da água dessas fontes. Entre os fatores que contribuem para a degradação da qualidade água coletada, pode ser citado a prática, não indicada pelo P1MC, da mistura das águas de chuva com outras provenientes de fontes não seguras como caminhões-pipas e barreiros. Por outro lado, Bonifácio (2011) aponta a dosagem do cloro como uma das grandes dificuldades apontadas pelos beneficiários das cisternas, sugerindo o uso do hipoclorito de cálcio que é mais eficiente na desinfecção que o hipoclorito de sódio por possui cerca de seis vezes mais cloro ativo e ser um elemento mais estável.

O uso das cisternas de polietileno tem sido outro ponto de debate. Para acelerar a implantação das cisternas e atingir as metas previstas o Governo Federal previu a instalação de 300 mil cisternas na região semiárida. Para a ASA as cisternas de polietileno retiram o direto de participação da população beneficiada e fragiliza a dimensão política do Programa quanto aos pressupostos da Convivência com o Semiárido, desrespeitando a realidade local com o uso de uma tecnologia que a população não domina e retirando a oportunidade de gerar trabalho ao homem do campo (ASA, 2017). Outra questão que também embala do debate sobre o uso das cisternas de polietileno relaciona-se à composição química do material do reservatório e a possibilidade de migração da matriz polimérica para a água. Moura et al. (2016) ao analisarem a qualidade da água de cisternas de polietileno nas comunidades de Sítio Novo e Ouro Velho em São Domingos-BA, por meio de diversos parâmetros (temperatura, pH, condutividade elétrica, sólidos totais dissolvidos, oxigênio dissolvido, salinidade e potencial eletroquímico) constataram que apenas o pH estava fora dos padrões de potabilidade da água da Portaria nº 2.914/11 do Ministério da Saúde. No entanto, ao analisaram compostos carbonílicos em nove amostras de água verificaram a presença de formaldeído e acetaldeído nas águas armazenadas, substâncias conhecidas por suas propriedades carcinogênicas.

Questões relativas ao projeto executivo, ao uso e funcionamento também vêm sendo estudadas. Para Lordelo et al. (2015), o projeto técnico não contempla todas as instalações necessárias para que a cisterna garanta a segurança da qualidade água. Segundo Andrade Neto (2013), o projeto deve atender às especificidades das famílias (quantidade de pessoas por domicílio e área da captação), índices pluviométricos da região, o projeto executivo deveria contemplar mais de um volume além dos 16.000 litros do P1MC. Para Andrade Neto (2003), diversos aspectos devem ser considerados não só para a segurança sanitária do sistema de captação de água de chuva como também a integridade das estruturas e instalações. Para o autor devem ser asseguradas as barreiras sanitárias, como instalações para o desvio das primeiras águas, o uso de bomba para a retirada das águas da cisterna, realização de inspeção e manutenção regular, evitando rachaduras, danificação de tampas e calhas, infiltrações e vazamentos que podem comprometer a qualidade da água reservada.

Alguns estudos têm se dedicado aos aspectos políticos-institucionais. Santos e Silva (2009) avaliam que apesar das dificuldades do P1MC mostra-se uma experiência válida, pelo estoque de água armazenada e pelo processo de organização, mobilização e formação para a gestão de recursos hídricos e a viabilidade da convivência com o Semiárido. No entanto, os autores recomendam a determinação de metas de desempenho, a definição de indicadores de sustentabilidade para a avaliação e monitoramento do Programa, de forma a garantir a maximização dos resultados positivos. Barreto et al. (2014) ao estudarem os critérios de atendimento do Programa constataram que, de certa forma, as famílias beneficiadas atenderam aos critérios de priorização, já que o P1MC atingiu populações mais vulnerabilizadas. Para os autores, o não atingimento das metas revela a fragilidade do Programa do ponto de vista gerencial e a sua posição marginal em termos de prioridade do Governo Federal, se considerados outros programas, como o Programa de Aceleração do Crescimento, especialmente as obras da Copa. Os autores alertam ainda que o P1MC, apesar de seu esforço de promover o empoderamento da população, se constitui em uma ação pública focalizada, setorial e residual, não integrante de uma ação de governo pautada no tratamento da problemática em sua totalidade e complexidade e integrante de uma política pública mais ampla e consistente, envolvendo os diversos agentes públicos dos três níveis de governo, a sociedade civil organizada e a população a ser beneficiada.

Os resultados dos estudos desenvolvidos têm evidenciado que diversas variáveis têm influenciado a efetividade do Programa, especialmente quanto aos aspectos da concepção do Programa, projeto, implementação e uso da tecnologia implantada e, também, ao gerenciamento das ações. Diante dessas questões, o presente trabalho busca construir o Índice de Efetividade da Cisterna, a partir dos resultados da pesquisa “Limites e possibilidades para o direito à água no Semiárido Baiano”, financiada pelo CNPq, por meio da avaliação das dimensões ambientais, técnicas, sanitárias, institucionais e sociais.

Autores: Lidiane Mendes Kruschewsky Lordelo; Patrícia Campos Borja; Luiz Roberto Santos Moraes e Milton José Porsani.

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