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Fazendo modelos precisos de fluxo de águas subterrâneas

 Nenhum modelo de águas superficiais é perfeitamente preciso, mas alguns ajudam mais que outros. Por definição, um modelo é a representação simplificada de um sistema que pretende otimizar o entendimento sobre o sistema atual.

 Construindo Modelos
Construir modelos subterrâneos verdadeiramente representativos pode ser desafiador até para o hidrogeólogo mais experiente. Construir estes modelos é um processo cuidadoso. Ele começa com a caracterização e incorporação de elementos-chave que afetam o movimento da água subterrânea em um lugar específico, incluindo estratigrafia solo/rocha, a variação espacial e as relações das propriedades físicas, a carga hidráulica e as quantidades de entrada e saída em relação ao sistema. Quando estes dados são unidos ao “mecanismo de simulação matemático” baseado na física dos fluidos, informações úteis podem ser deduzidas. Entretanto, uma simulação é particularmente sensível a certas variáveis que são frequentemente difíceis de caracterizar, tais como a localização de zonas ou vias de alta porosidade interligadas.
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Fig. 1. (A) Fluxo de água em torno de um pedregulho em um rio e (B) Fluxo de água por um dreno submerso
A melhor maneira de caracterizar um sistema para águas subterrâneas é através de medida direta, o que geralmente implica uma abordagem multifaces, incluindo exploração geológica, abertura de furos e medição física do subterrâneo (hidráulica e geológica). Quando se desenvolve um modelo de água subterrânea, se a informação é limitada ou escassa, então suposições podem ser feitas, o que pode causar o uso de dados errôneos ou ambíguos. Portanto, o foco em construir um modelo representativo deve ser o de minimizar, na medida do possível, as suposições subjacentes.
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Fig. 2. Conjunto experimental com chapas de granito e preenchimento de argila
Abordagens Comum e Incomuns
A abordagem mais comum em se tratando de construir um modelo representativo de águas subterrâneas envolve amostragem através de furos no solo e outros dados de amostragem. Mas quando estas informações falham ao fornecer dados confiáveis para definição adequada de um sistema subterrâneo, a abordagem típica é fazer mais buracos para obter mais informação. Esta abordagem é frequentemente de alto custo, e ainda pode não fornecer noções suficientes. Uma abordagem mais prática e menos cara é combinar os dados de amostragem com uma investigação geofísica, projetada especialmente para a caracterização da água subterrânea.
Uma técnica geofísica promissora para ajudar a desenvolver modelos de águas subterrâneas mais precisos é uma aplicação única da resistividade magnetométrica, ou MMR (do inglês, Magnetometric Resistivity), que energiza diretamente sistemas de água subterrânea com uma corrente elétrica. Esta técnica é rápida, precisa, minimamente invasiva e com custo eficiente. O método tem sido implantado em muitos projetos em todos EUA e em outros locais do mundo [1].
A aplicação da tecnologia para a caracterização de água subterrânea é baseada no princípio de que a presença e a quantidade de água subterrânea, naturalmente ionizada são geralmente os fatores primários que influenciam a condutividade elétrica dos materiais terrestres.
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Fig. 3. Mapa do campo magnético identifica áreas com fluxo de corrente elétrica anômala in tub
Compreendendo a MMR
Com propósito explicativo, considere o transporte de um contaminante através de um sistema localizado de água subterrânea. Eletrodos podem ser colocados na parte alta e baixa relativa à área de estudo. O eletrodo da parte superior pode ser colocado onde o contaminante foi derramado ou injetado no solo. O eletrodo da parte inferior pode ser infiltrado no solo, poços de observação ou outros locais rio abaixo onde o contaminante está presente.
Um circuito elétrico pode, então, ser gerado no subsolo entre os eletrodos posicionados estrategicamente. A distribuição e os padrões de fluxo da corrente elétrica podem, então, ser mapeados através de sua assinatura magnética para a localização de zonas ou canais de água subterrânea. Em geral, se deduz que os caminhos de menor resistência para a corrente elétrica seguir são zonas de maior porosidade condutiva no subsolo.
As coordenadas das estações de medição são obtidas usando um GPS e são gravadas juntamente a três componentes ortogonais do campo magnético. Os dados são, então, processados para criarem um modelo inverso que pode ser analisado em conjunto com modelos hidrogeológicos a fim de otimizar a caracterização do fluxo de água subterrânea abaixo da área de investigação.
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Fig. 4. Fatia horizontal de uma inversão nos dados do campo magnético. O sombreado roxo identifica onde a corrente elétrica está menos concentrada
Comparando Condutividade
Apesar dos processos de condução elétrica e hidráulica serem governados por princípios muito diferentes, o fluxo de corrente elétrica pode ser usado para, qualitativamente, inferir a distribuição da condutividade hidráulica no subsolo, o que pode ajudar a minimizar algumas das muitas suposições que participam do modelo de água subterrânea.
Condutividade hidráulica é a habilidade de um material conduzir água quando a pressão é aplicada. É uma função de volume de poros interconectados (porosidade efetiva – também conhecida como porosidade condutiva). Quanto maior e melhor a conexão dos espaços porosos, maior a condutividade hidráulica e a água fluirá mais fácil e rapidamente através do material, dado um gradiente potencial.
Condutividade elétrica é, na maior parte, uma função da disponibilidade de íons livres e a presença de um meio de transporte (água) que permita a movimentação dos íons. A maioria dos materiais é fundamentalmente isolantes elétricos com condutividade elétrica, variando entre 10-12 e 10-17 mho/m. Ainda assim, medidas de condutividade elétrica in situ variam de 10-11 e 10-8 mho/m – valores muito maiores. A discrepância é devido à condução de corrente elétrica através dos íons dissolvidos na água subterrânea. Reconhecendo que a água é geralmente o maior facilitador da condução elétrica no ambiente geológico típico, a tecnologia rastreia eficientemente os trajetos da água subterrânea pela detecção do aumento da diferença na intensidade do campo magnético com mudanças na densidade da corrente elétrica.
Compreendendo a Tecnologia
A tecnologia é sensível o suficiente para obter bons resultados em um ambiente saturado. Quando a condução elétrica ocorre primeiramente nos poros abertos de uma matriz saturada, uma correlação positiva existe entre condutividades hidráulica e elétrica, o que significa que a condutividade elétrica pode ser rastreada ao longo das zonas de maior atividade elétrica. Esta relação foi documentada e apoiada por muitas investigações publicadas no campo e em laboratório [2]. Quando a condução elétrica ocorre primariamente ao longo das superfícies dos poros, tal como em barro molhado, a correlação positiva pode desaparecer e pode, de fato, se tornar uma correlação negativa [3]. Em cada ambiente, a tecnologia fornece informações valiosas, destacando os limites das zonas com maior porosidade efetiva, revelando, assim, trajetos onde a água subterrânea flui e áreas onde não.
Para melhor ilustrar o ponto de vista, considere a água fluindo em volta de uma grande rocha em um rio. Mesmo que a rocha em si não pudesse ser observada diretamente, seu formato e localização ainda são revelados pelo padrão e direção do fluxo da água em seu redor. A corrente elétrica flui na maior parte do mesmo jeito. Se considerarmos o caso oposto, onde um grande corpo condutivo atrai o fluxo de corrente elétrica para si, a analogia seria mais como aquela da água fluindo para um dreno submerso. Aqui, o gradiente anômalo na superfície da água revelaria a localização do dreno, assim como um aumento da densidade da corrente elétrica em um material condutivo revelaria sua localização.
Para o Laboratório
Um experimento simples de laboratório demonstra como a distribuição do fluxo de corrente elétrica identifica os limites de corpos resistivos e condutivos. Dois eletrodos foram colocados em um tubo de lodo e água de aproximadamente 1,2m por 2,4m e três chapas de granito foram colocadas no tubo com o lodo e foram preparadas para que a corrente elétrica tivesse que fluir em torno das chapas para atingir o eletrodo oposto (Fig. 2). Uma corrente alternada (AC) foi passada através do tubo e um campo magnético foi medido na superfície do tubo com um magnetômetro AC de três eixos. As medidas feitas em uma grade fina (1,6 cm por 1,6 cm) foram usadas para detalhar as zonas anômalas em volta e entre as chapas de granito.
A Fig. 3 mostra o mapa do campo magnético do experimento, juntamente a cada posição da chapa indicada no mapa. Como é claramente indicado em verde (anomalia do campo magnético), a corrente elétrica flui em volta e entre as chapas de granito pela ausência de fluxo elétrico nestas áreas. Outras duas pequenas áreas anômalas valem a pena mencionar. A anomalia “A” é devida ao empoçamento da água em um ponto mais baixo, e a anomalia “B” é onde pequenas quantidades de água infiltraram embaixo da chapa.
Depois, uma inversão de dados do campo magnético foi realizada para gerar um modelo da distribuição da corrente elétrica no tubo. A Fig. 4 é uma fatia horizontal deste modelo. A parte verde identifica onde a corrente elétrica está mais concentrada, enquanto a parte roxa identifica onde a corrente é menos concentrada. Como se pode ver, a inversão identifica precisamente onde o fluxo de corrente elétrica é concentrado entre e em volta das chapas. As bordas das chapas também são destacadas, mostrando transições nítidas entre áreas condutivas e não condutivas. É fácil observar, neste exemplo, onde a água flui preferencialmente ou onde localizar um poço, por exemplo, porque a maior densidade de corrente elétrica identifica o canal de água subterrânea.
Fora do Laboratório
Comparadas a este experimentos, situações reais requerem uma sensibilidade muito maior à detecção do campo magnético, mas com equipamentos altamente sensíveis e modernos estes princípios podem ser utilizados com grande vantagem. A condutividade em sedimentos saturados e inconsolidados geralmente não varia drasticamente. Em muitos casos, as argilas saturadas têm uma condutividade levemente maior do que areia saturada ou espaços preenchidos com água, por causa dos circuitos de condução de superfície da areia. Portanto, ainda há uma questão quanto a se esta tecnologia iluminaria o trajeto de escoamento da infiltração em um ambiente de argila saturada. A experiência com a tecnologia mostra que, mesmo em um ambiente de argila saturada, o trajeto de escoamento da infiltração pode ser identificado por meio da detecção dos limites onde a condutividade muda. Se o trajeto da água é menos condutivo comparado à argila, a corrente elétrica condensa em torno das bordas porque ela prefere fluir no meio mais condutor.
Enquanto nenhum modelo de água subterrânea é perfeito, a inclusão de uma técnica geofísica projetada especialmente para mapear os canais de água subterrânea pode ser um meio poderoso de minimizar as suposições que podem ser inclusas no modelo para fornecer uma representação mais precisa do sistema de água subterrânea. O método geofísico tem sido bem-sucedido em projetos de todo o mundo e posto à prova muitas vezes. É um método rápido e barato de otimizar os resultados gerais da modelagem de um sistema complexo de água subterrânea.
Referências
[1] Kofoed, V. O., Mike L. Jessop, Michael J. Wallace, and Wei Qian, Unique Applications of MMR to track preferential groundwater flow paths in dams, mines, environmental sites, and leach fields: The Leading Edge, Vol. 30, No 2. 936-948, February 2011.
[2] Wong, P., J. Koplik, and J. P. Tomanic, Conductivity and permeability of rocks, Phys. Rev. B Condens. Matter, 30, 6606–6614, 1984.
[3] Purvance, D. T., and R. Andricevic, On the electrical-hydraulic conductivity correlation in aquifers, Water Resources Research, 36, 2905–2913, October 2000.
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