Em meio ao debate sobre a retomada da usina de Angra 3, governo enfrenta desafios para a conclusão do projeto
Por anos, o Brasil tenta avançar na discussão sobre a expansão do uso da energia nuclear para geração de eletricidade no país. Em meio ao debate sobre a retomada da usina de Angra 3, que teve as obras paralisadas em 2015, o governo enfrenta desafios para a conclusão do projeto. Para especialistas ouvidos pelo R7, a falta de investimento na área e a política energética são os principais entraves que impedem o avanço da energia no país. Apesar disso, profissionais do setor divergem sobre a destinação do investimento e a estratégia usada para conclusão da usina.
Mesmo detendo uma das maiores reservas de urânio do mundo, substância usada para produção de energia, atualmente, apenas 2% da energia elétrica brasileira é gerada por usinas nucleares. Segundo o Plano Nacional de Energia, aprovado pelo Ministério de Minas e Energia, a expectativa é de que o Brasil dobre a produção de fonte nucleares até 2030.
Cercada por discussões, a energia nuclear é considerada uma fonte “limpa”, com baixa emissão de gases poluentes. Entretanto, acidentes de grande repercussão envolvendo substâncias radioativas e o viés ideológico envolvendo o uso da tecnologia causam controvérsias em alguns governos. No Brasil, por exemplo, o caso com o Césio-137, causado pelo manuseio indevido de um aparelho de radioterapia abandonado, colocou o país na lista das nações com os piores acidentes radioativos do mundo.
Dilema da energia nuclear no Brasil
Para o vice-diretor do Instituto de Energia da USP (Universidade de São Paulo), Ildo Sauer, a atenção com a energia nuclear tem sido negligenciada desde as últimas décadas. Segundo ele, o Brasil ainda é carente de ações e gerenciamento de resíduos radioativos, o que pode trazer dificuldades para o manuseio dessas substâncias. O professor aponta que além da necessidade de maior investimento no setor, o país deve se posicionar como exportador de elementos combustíveis, como o urânio, por exemplo, para países que detém a energia nuclear como principal fonte energética.
Em relação à conclusão de Angra 3, Sauer explica que o projeto da usina, feito em 1980, se mostra ultrapassado para os dias atuais, apesar de ter sido considerado avançado na época. Um estudo feito pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) apontou que o custo para abandonar as obras de Angra 3 pode ultrapassar R$ 21 bilhões. De acordo com a Eletronuclear, empresa estatal que administra e opera as usinas nucleares no país, o valor seria quase o mesmo de se concluir o projeto, entretanto sem gerar energia elétrica.
Apesar disso, Sauer aponta que o investimento feito no projeto pode ser direcionado para outras fontes renováveis, como eólica, hidráulica e solar, por exemplo, que trariam mais impactos positivos. O especialista explica, ainda, que o custo com a usina gastaria o dobro dos investimentos feitos em outros meios e poderia gerar um acúmulo de resíduos radioativos.
Por outro lado, o professor de engenharia da USP Oscar Rodriguez cita as vantagens competitivas da energia nuclear, como a geração contínua de energia elétrica, por exemplo, e as estratégias necessárias que devem ser adotadas em meio aos problemas causados por mudanças climáticas.
“A matriz energética deve ser diversificada ou, como se diz no popular, não devemos jamais colocar todos os ovos na mesma cesta. A energia nuclear deve ser uma das fontes de energia do país, assim como também a eólica, solar, hidráulica, gás natural, etc. Não podemos prescindir de nenhuma delas”, disse.
Rodriguez afirma, também, que o país tem a estrutura necessária para instalar a tecnologia nuclear para geração de energia elétrica e lidar com possíveis riscos que ela traz.
“Com a entrada em funcionamento de Angra 3, a porcentagem da matriz elétrica nacional relativa à geração nuclear passaria para 3% da energia elétrica nacional. Parece pouco, mas estamos tratando de aproximadamente 1,5 gigawatt de potência adicionada ao sistema elétrico. Essa energia adicional será suficiente para atender às cidades de Salvador e Belo Horizonte juntas”, conclui.
Em complemento, o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear, Carlos Freire, diz que o abandono das obras de Angra 3 seria um “fiasco” e por menor que seja a geração de energia da usina, a produção ainda fará diferença. Para ele, tanto no ponto de vista político, como de segurança de sistema, a retomada do projeto é fundamental.
Angra 3
Localizada na Costa Verde do Rio de Janeiro, a Angra 3 teve as obras interrompidas em 2015 devido à falta de orçamento. Com potência de 1.405 megawatts, a unidade será capaz de gerar mais de 12 milhões de megawatts-hora por ano, o suficiente para atender 4,5 milhões de pessoas, segundo a Eletronuclear.
Até o momento, quase R$ 12 bilhões já foram investidos no projeto, previsto para ser concluído em 2031.
“Angra 3 também vai diversificar a matriz elétrica e reduzir os custos totais do Sistema Interligado Nacional (SIN), na medida em que substituirá a energia mais cara de térmicas que é frequentemente despachada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)”, informou a estatal.
Em nota, o Ministério de Minas e Energia informou que recebeu os estudos feitos pelo BNDES sobre a conclusão de Angra 3 e disse que “a questão está em análise”.
Fonte: R7