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Energia para o saneamento

Energia para o saneamento

Diversificar fontes energéticas é fundamental para segurança do fornecimento e para universalização do acesso à água potável

Por Thiago Santim, gerente de engenharia da Suez Brasil.

O acesso ao saneamento básico é um direito fundamental, que impacta diretamente na qualidade de vida e na saúde da população. O Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020) prevê a universalização dos serviços até o ano de 2033, garantindo que 99% da população do país tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto.

Há um longo caminho pela frente, que envolve investimentos relevantes para a expansão de infraestrutura e o aprimoramento de processos. Afinal, garantir o acesso à água potável não se resume apenas ao tratamento da água em si, mas também à eficiência dos sistemas de distribuição, nos quais as estações de bombeamento desempenham um papel central.

A relevância de sistemas de distribuição eficientes não pode ser subestimada. Esses sistemas são responsáveis por transportar a água tratada até os consumidores finais, permitindo que comunidades inteiras tenham segurança hídrica para consumo, higiene e desenvolvimento de atividades econômicas. Entretanto, é importante destacar que a operação dessas estações de bombeamento está intimamente ligada ao fornecimento de energia, uma vez que atualmente, na prática, todas são alimentadas por energia elétrica e, em casos isolados, por geradores à diesel.

A dependência elétrica é um grande desafio: oscilações ou interrupções de fornecimento ainda são comuns em algumas regiões, o que pode comprometer a continuidade no fornecimento de água. A busca por alternativas é uma necessidade premente. Nesse contexto, a diversificação das fontes energéticas surge como uma solução viável e estratégica para garantir a operação contínua das estações de bombeamento e, por consequência, a disponibilidade de água potável.

Dessa forma, o gás natural emerge como uma opção sustentável e eficaz. As bombas movidas a gás natural são tecnologicamente viáveis e apresentam vantagens notáveis em relação à estabilidade e eficiência energética. Uma das vantagens mais marcantes do uso do gás natural é a sua confiabilidade: a regularidade do fornecimento de gás é cerca de 80 vezes superior à de eletricidade em áreas como a Região Metropolitana de São Paulo, segundo a Comgás – um dado impressionante, com desdobramentos na qualidade e na continuidade dos serviços de saneamento.

A eficiência energética também é um fator a ser considerado. No sistema elétrico convencional de acionamento das bombas, as perdas de energia podem variar entre 15% e 30%, o que representa um desperdício considerável. Por outro lado, os sistemas de bombeamento movidos a gás natural apresentam uma vantagem significativa ao eliminar a necessidade de transformadores, conectando o gás diretamente ao motor. Isso resulta em uma redução das perdas energéticas e, consequentemente, em um aumento da eficiência operacional, além de reduzir a complexidade das instalações, possibilitando atender clientes sem infraestrutura elétrica disponível.

Além das elevatórias para distribuição de água potável, a solução pode flexibilizar pontos para implantação de estações de recalque de esgoto. Na coleta e transporte de efluentes, o aumento de pontos possíveis para implantação de elevatórias irá viabilizar muitos projetos que há anos estão engavetados por problemas de desapropriação de áreas escolhidas para a implantação de EEE devido unicamente ao critério de infraestrutura disponível para a sua construção e implantação.

Um exemplo notável de inovação nesse campo é o Sistema Fluxus, vencedor do Desafio de Inovação do Saneamento ABES Open Spot 2020. Esse sistema está sendo implantado em projetos-piloto por grandes empresas de saneamento no Brasil, representando um passo concreto em direção à diversificação das fontes energéticas no setor de saneamento.

Além do gás natural, o biogás também surge como uma alternativa promissora, especialmente nas regiões do interior do Brasil. A disponibilidade de matéria-prima para sua produção cria oportunidades interessantes para a geração de energia local, diminuindo a dependência de fontes externas e contribuindo para a sustentabilidade energética.

A busca pela universalização do saneamento básico é uma questão humanitária, com impactos diretos na saúde pública e na economia. Estudos do Instituto Trata Brasil apontam que o poder público poderia economizar R$ 1,2 bilhão por ano até 2040 caso o fornecimento de água potável e a coleta e o tratamento de esgoto atendessem a população brasileira na sua integralidade. Além disso, os afastamentos de trabalhadores por causa de doenças de veiculação hídrica ou doenças respiratórias relacionadas ao déficit sanitário representam um prejuízo estimado pela entidade em R$ 21 bilhões por ano.

A jornada rumo à universalização do saneamento básico requer abordagens inovadoras e estratégicas. A eficiência energética e a diversificação das fontes de energia, como o gás natural e o biogás, desempenham um papel fundamental nesse processo. Garantir o acesso à água potável não é apenas uma questão técnica, mas uma manifestação de cuidado com a saúde e o bem-estar da população, além de ser um investimento no desenvolvimento sustentável do país.


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