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Crise hídrica no distrito federal: o caso da bacia do Rio Preto

Resumo

As raízes da crise hídrica vão além da questão climática, perpassando causas antrópicas como as políticas de uso e ocupação do solo e de gestão hídrica. Para analisar o problema, o presente artigo adota o arcabouço da vulnerabilidade, amplamente aplicado na literatura sobre mudança climática. Utilizando como foco da pesquisa a Bacia Hidrográfica do Rio Preto, localizada no território do Distrito Federal, pretende-se contribuir no debate da governança climática adaptativa visando subsidiar a tomada de decisão na gestão hídrica. Além dos dados secundários, foram inseridos na análise dados extraídos em atas de reunião, observação direta e entrevistas com membros do Comitê de Bacia Hidrográfica dos Afluentes do Rio Preto. O texto mostra os desafios da gestão no comitê e a vulnerabilidade hídrica existente na bacia.

Introdução

A água é um recurso natural vital que, além de fornecer condições básicas para sobrevivência das diferentes espécies e de manter o equilíbrio dos ecossistemas terrestres, é fundamental para garantir o desenvolvimento territorial e econômico.

A crise hídrica que se abateu sobre o Distrito Federal (DF) no período entre os anos de 2015 e 2017 é sem precedentes, tanto para a zona urbana quanto para a zona rural. O risco de desabastecimento humano e a redução da produção rural são ameaças concretas. Se a estação chuvosa dos anos 2018/2019 seguir as tendências dos anos anteriores de precipitações abaixo da média, o cenário será catastrófico para a segurança hídrica urbana e rural. As raízes da crise vão além da questão climática, perpassando causas antrópicas como as políticas de uso e ocupação do solo e de gestão hídrica. Para analisar o problema, o presente artigo adota o arcabouço da vulnerabilidade, amplamente aplicado na literatura sobre mudança climática e gestão de riscos de desastres naturais (BAD, 2018; CHAVES, 2011; CHENG, 2004; MARANDOLA; HOGAN, 2004).

A vulnerabilidade é entendida como susceptibilidade de um sistema em sofrer danos, prejuízos e impactos, assim como a incapacidade de prevenir e lidar com esses (SMIT et al, 2001). A vulnerabilidade pode ser definida como função de três atributos: exposição, sensibilidade e capacidade adaptativa (LINDOSO et al, 2011). A exposição refere-se ao vetor de distúrbio, externo aos sistemas afetados, e que pode ser descrito segundo sua natureza, frequência, magnitude, duração (FÜSSEL; KLEIN, 2006; SMITHERS; SMIT,1997). Geralmente é o vetor ambiental, como o climático, mas também pode ser fator social (guerras), econômico (globalização) ou tecnológico (acidentes nucleares) (O’BRIEN; LEICHENKO, 2000; WHITE et al, 2001; O’BRIEN et al, 2004). A sensibilidade descreve as características internas dos sistemas que, ao interagirem com os vetores de exposição, determinam a magnitude do impacto (ADGER, 2006; GALLOPÍN, 2006). As sensibilidades são, portanto, vetorespecífico e sintetizadas em alguns trabalhos em um único termo: exposiçãosensibilidade (FORD et al, 2006).

A relação exposição-sensibilidade pode ser moderada por meio de adaptações, outro conceito central na literatura sobre mudança do clima. A adaptação é entendida como todo ajuste nos sistemas sob estresse que reduza sensibilidades, aproveite oportunidades ou fomente capacidade adaptativa frente aos efeitos adversos do clima, presentes ou futuros (LINDOSO, 2015). Neste debate, a capacidade adaptativa, o último atributo da vulnerabilidade, é definida como o conjunto de condições que viabiliza a implementação de uma determinada adaptação. Trata-se de um conceito de caráter potencial, de modo que a alta capacidade adaptativa não necessariamente implica adaptação, dependendo de agentes que implementem o potencial em questão. Capacidade adaptativa pode ser caracterizada pela gama de opções adaptativas disponíveis e os meios para acessá-las (NORBERG; CUMMING, 2008). No que se refere aos meios, esses podem ser diversos, desde recursos financeiros em adaptações que demandam investimentos, à habilidade de comunicar e expressar as medidas adaptativas que exijam acesso à informação escrita.

A literatura sobre capacidade adaptativa dá grande enfoque a análises de governança que subjazem o processo adaptativo, referidos como gestão adaptativa e governança adaptativa (ADGER, 2006; ADGER; KELLY, 1999). Dentro desta ótica, são defendidos modelos flexíveis de governança que reconheçam em sua formulação o ambiente como realidade instável e imprevisível, ao mesmo tempo em que são capazes de se ajustar à medida que novos aprendizados surjam durante o processo de implementação (ANA, 2018; BABEL; SHINDE, 2018; DIETZ et al, 2003; HOLLING; MEFFE, 1996). A governança climática adaptativa é o conjunto de decisões, atores, processos, estrutura e mecanismos institucionais – incluindo a divisão de autoridade e suas regras implícitas – que determinam ajustes nos sistemas socioecológicos tendo em vista torná-los mais resilientes ou menos vulneráveis ao estresse climático (MOSER, 2009). Ela é flexível, permitindo interferência em Planos, Programas e Ações de adaptação ao longo de todo o processo de implementação, inclusive transitar para outras opções adaptativas quando as inicialmente adotadas se mostrarem desinteressantes. Nessa perspectiva, a gestão climática constitui uma experiência política, na qual os resultados são constantemente monitorados e avaliados, de modo que as conclusões servem de inputs para aprimorar o processo político (GUNDERSON et al, 2008).

Considerando a governança climática adaptativa é oportuno mencionar a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e a instituição da Política Nacional dos Recursos Hídricos, regidos pela Lei n0 9.433 de 08 de janeiro de 1997. Essa lei estabeleceu um novo modelo de gestão, instituindo novos atores e instituições no gerenciamento dos recursos hídricos de forma decentralizada. A instituição dos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) reflete esse novo modelo de gestão, incluindo a participação da sociedade civil, do poder público e dos usuários da bacia hidrográfica no processo de tomada de decisão. Os CBHs são responsáveis, entre outras atribuições, por arbitrar os conflitos de uso de água na bacia, sugerir mecanismos de cobrança e valores pelo uso dos recursos hídricos, definir prioridades de outorga, aprovar projetos e o Plano de Recursos Hídricos da bacia.

Na porção leste do território do Distrito Federal está localizada a Bacia Hidrográfica do Rio Preto, área de jurisdição do Comitê de Bacia Hidrográfica dos Afluentes do Rio Preto-CBH/AP. Essa área é ocupada por atividades predominantemente agrícolas com uso expressivo de pivôs centrais de irrigação que têm contribuído para a redução da disponibilidade hídrica para os usuários da bacia, principalmente no período de estiagem (MACHADO, 2009). A demanda por uso de água para irrigação em algumas unidades hidrográficas inseridas na Bacia Hidrográfica do Rio Preto é maior do que a disponibilidade de água (DISTRITO FEDERAL, 2012). Os produtores rurais inseridos nessa bacia, inclusive os produtores membros no CBH/AP, perceberam a escassez de água em suas propriedades previamente à instalação da crise hídrica para abastecimento humano nas áreas urbanas do Distrito Federal. A redução das precipitações restringiu a disponibilidade de água na bacia e obrigou os produtores rurais a reduzirem suas áreas de plantio para irrigação, causando perdas na produção em suas propriedades. Diante dessa situação, o governo do Distrito Federal decretou estado de emergência nas áreas agrícolas de sua jurisdição devido à redução no volume de chuvas nos meses de fevereiro, março e abril do ano de 2016.

É neste contexto que o presente trabalho se insere. Empreende-se uma análise do funcionamento do Comitê da Bacia Hidrográfico dos Afluentes do Rio Preto na gestão adaptativa da bacia em ano de crise hídrica no DF. O Comitê é central dentro do paradigma da descentralização da política hídrica brasileira e funciona, na prática, como peça fundamental da governança climática.

Autores: Luís Fabio Gonçalves Mesquita; Diego Lindoso e Saulo Rodrigues Filho.

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