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Consumo seguro de água potável reciclada a partir de esgoto aumenta mundo afora

Consumo seguro de água potável reciclada a partir de esgoto aumenta mundo afora

Consumo seguro de água potável reciclada a partir de esgoto aumenta mundo afora

Da Nasa à Namíbia, tratar resíduos é uma resposta barata e eficaz à escassez

Os ingleses têm um ditado antigo que diz que a água que os londrinos bebem já passou por outros sete pares de rins humanos. Isso é pelo menos parcialmente verdadeiro.

Cerca de 80% da água potável da capital inglesa é captada dos rios Tâmisa e Lee, e apenas 20% de aquíferos — os grandes reservatórios naturais subterrâneos que ficam em camadas profundas do subsolo e absorvem a água das chuvas.

Os rios são alimentados pelas águas das chuvas, mas também recebem efluentes não tratados de algumas das 354 estações de tratamento de esgoto da Thames Water. Isso ocorre quando eles são despejados nos rios por meios de dutos de transbordamento combinados, que evitam inundações em áreas residenciais quando a rede fica sobrecarregada. A água dos rios é então captada e tratada para consumo humano em uma das cinco grandes instalações de tratamento da concessionária.

Agora, há um movimento mundial para reciclar esgoto em água potável sem que ele seja despejado primeiro em um rio ou aquífero. O público costuma relutar, mas os apoiadores insistem que o processo é seguro e não difere muito do tratamento das águas de um rio ou reservatório.

“Já estamos bebendo água reciclada”, diz Christopher Gasson, diretor-executivo da publicação de pesquisa “Global Water Intelligence” e membro do 2030 Water Resources Group, o comitê do Banco Mundial que promove a reciclagem de esgoto. “A distinção entre água doce e água residual entrando em uma estação de tratamento para consumo humano é, em grande parte, acadêmica.”

Água potável reciclada

Enquanto alguns países, como a Suíça, têm grandes quantidades de água para extrair, outros sofrem cada vez mais com a escassez e são forçados a transportar água de lugares distantes ou usar métodos mais inovadores — como a reciclagem de esgoto.

Centros de dados, a robótica e a geração de eletricidade termonuclear estão aumentando a demanda por água, e a reciclagem de esgoto é um dos meios mais baratos de fornecer essa água.

Cerca de 8% do esgoto global é reciclado diretamente em água potável em estações de tratamento, sem ser bombeado primeiro para os rios e aquíferos. Mas o Water Resources Group lançou neste ano uma iniciativa que visa aumentar dramaticamente essa quantidade.

“Os números favorecem o tratamento de esgoto”, diz Gasson. “É possível tratar o esgoto até o nível desejado, seja para a indústria ou para torná-lo potável, e essa é, de longe, a melhor maneira de garantir a segurança hídrica.”

Desviar rios distantes para novos reservatórios custa caro e exige milhões de dólares em financiamento inicial. O mesmo acontece com a dessalinização da água do mar, que custa quase duas vezes mais do que reciclar água de esgoto.

Mas o principal motivo pelo qual o tratamento de esgoto é mais barato é que a água é pesada e cara para transportar. Então, faz sentido criar uma fonte de água potável perto de onde ela é necessária.

“Cerca de 80% do custo da água vem da movimentação dela, enquanto que se você criar uma fonte exatamente onde ela será usada, temos algo incrivelmente eficiente e muito mais barato do que alternativas como a dessalinização”, afirma Gasson.

O processo não é uma novidade. O principal exemplo é Windhoek, capital da Namíbia. Sua estação de reciclagem de água de Goreangab produz água potável a partir de esgoto tratado desde 1968 — quadro décadas antes de qualquer outro lugar, segundo observa o professor Asit Biswas, um especialista em água da Universidade de Glasgow.

Cingapura recicla água de esgoto (chamada de NEWater) desde 2002. Segundo Biswas, a NEWater é purificada a um nível tão alto que pode ser usada por fábricas locais de pastilhas de silício. Os 10% restantes são bombeados para reservatórios para abastecimento de água potável.

No ano passado, a Nasa, agência espacial americana, disse que 98% das águas residuais da Estação Espacial Internacional estão sendo recuperadas por um novo sistema. Ele destila qualquer coisa, desde urina até suor e umidade da respiração, em água segura para beber.

No entanto, a ampliação do processo de conversão direta de esgoto em água potável precisa superar uma significativa barreira de percepção pública.

“Tecnicamente, o problema das águas residuais foi resolvido”, diz Biswas. “Mas o problema da percepção ainda precisa ser resolvido, não por engenheiros, e sim por economistas comportamentais e fisiologistas.”

Há sinais de que isso pode estar mudando. Os consumidores alemães podem comprar cerveja feita de urina reciclada, resultado de uma parceria entre a cidade de Weissenburg, a empresa americana de tecnologia de água Xylem e a Universidade Técnica de Munique.

Em 2023, o Conselho de Controle de Recursos Hídricos do Estado da Califórnia adotou regras para permitir que as concessionárias de tratamento e distribuição de água começassem a desenvolver instalações para introduzir diretamente água reciclada altamente tratada no abastecimento de água potável.

“A dessalinização é muito cara na Califórnia por causa de restrições ambientais”, diz Gasson. “Por isso eles estão favorecendo o reúso, que é de longe o meio mais barato de completar os reservatórios em caso de seca.”

Mesmo assim, as pessoas continuam nervosas. No Reino Unido, ativistas estão protestando contra os programas de reciclagem de esgoto planejados para Londres e o sudeste da Inglaterra.

Biswas diz que as preocupações com o esgoto reciclado são “cientificamente infundadas”, mas ele insiste igualmente que as empresas de tratamento e distribuição de água deveriam “tratar as águas residuais adequadamente se quisermos preservar o ecossistema e a saúde humana”. Então, ele diz: “A sociedade terá acesso a novas fontes de água”.

Tradução de Mario Zamarian

Fonte: Valor


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