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Prospecção tecnológica de processos de biodigestão anaeróbia com recuperação de energia a partir de resíduos sólidos urbanos

Resumo

No Brasil a fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU) representa aproximadamente 52 % dos resíduos sólidos urbanos (RSU) totais. Quando disposta de maneira inadequada, a degradação da FORSU causa impacto ao meio ambiente pela geração de odores, lixiviados, produção de gases estufa, entre outros. Os processos biológicos envolvendo a digestão anaeróbia representam uma alternativa de processamento para estabilização da FORSU com recuperação de energia, prática que vem crescendo no mundo. Neste trabalho, foi realizada a prospecção tecnológica de processos de biodigestão anaeróbia com recuperação de energia a partir de resíduos sólidos urbanos utilizando diversas fontes de dados, incluindo bibliografia em periódicos científicos e técnicos, patentes, dissertações, teses, websites de empresas, bem como contatos com fornecedores, especialistas, visitas técnicas e participação em eventos técnicos. A busca de mercado para obter informações sobre equipamentos também foi realizada por meio de um chamamento público. Oito tecnologias principais para tratamento de FORSU e recuperação de biogás foram identificadas, apresentando possibilidade de aproveitamento do gás metano como combustível automotivo ou para geração de calor e energia elétrica. Dentre estas tecnologias aquelas que aplicam o modelo extrasseco (túneis de metanização) apresentaram as melhores pontuações de acordo com a metodologia utilizada para a prospecção e avaliação, levando-se em consideração: o nível de maturidade tecnológica, grau de complexidade e grau de aplicabilidade no cenário de municípios brasileiros de pequeno e médio porte. A validação deste modelo deverá contar com a implantação de túneis de metanização em escala de demonstração em um município brasileiro de médio porte, como estudo de caso, visando obter parâmetros reais de custos de implantação, operação, eficiência e viabilidade.

Introdução

No Brasil, a fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU), constituída de restos animais e vegetais, representa aproximadamente 52 % dos resíduos sólidos urbanos (RSU) totais (IBGE, 2010; IPEA, 2012). A FORSU é responsável por grande parte dos aspectos ambientais associados aos resíduos como a geração de odores, lixiviados, liberação de biogás para atmosfera e os impactos ambientais decorrentes. Dentre as alternativas de processamento da FORSU, os processos via digestão anaeróbia com a recuperação de energia pelo uso do metano tem alcançado maior abrangência de mercado, impulsionado pelas políticas relacionadas à destinação final de resíduos.

A biodigestão anaeróbia é caracterizada pelos processos de conversão da matéria orgânica, na ausência de oxigênio, por ação de microrganismos. Esta conversão é um processo bioquímico que ocorre em quatro estágios principais: hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese, sendo que em cada estágio estão envolvidas diferentes populações microbianas que se desenvolvem em condições fisiológicas específicas. Os principais objetivos do tratamento biológico são:

• a estabilização da matéria orgânica em ambiente controlado, visando minimizar a disposição final de matéria orgânica em aterros, reduzindo desta forma a emissão de metano para a atmosfera;
• redução da massa de resíduos dispostos em aterros, prolongando a sua vida útil;
• recuperação energética do biogás produzido na fase anaeróbia do processo;
• aproveitamento do material estabilizado para usos diversos, tais como cobertura de encostas, condicionante para solos e/ou combustível em processos térmicos.

Os biodigestores anaeróbios, onde o processo é controlado, podem ser classificados de acordo com a concentração de sólidos totais com que operam. Reatores de via úmida, seca e extrasseca operam com as faixas de 3% à 15 %, 15 % à 35 % e 25 % à 50 % de sólidos totais respectivamente (PROBIOGÁS, 2015).

As tecnologias que empregam reatores de via úmida não foram consideradas na prospecção tecnológica, visto que sua utilização para tratamento de FORSU rapidamente evoluiu para os outros sistemas. Portanto, as tecnologias de biodigestão anaeróbia prospectadas podem ser divididas em dois grandes grupos segundo a concentração de sólidos toais na operação: via seca e via extrasseca. Cabe ressaltar que muitas das unidades não operam somente com FORSU, mas com uma digestão conjunta com resíduos agropecuários.

No cenário brasileiro, estudos já apontam para o potencial de viabilidade do emprego da biodigestão anaeróbia como uma das etapas do tratamento de resíduos sólidos orgânicos, com foco para a possibilidade de recuperação de energia (EMAE, 2009; FADE, 2014; EPE, 2014). Dentre estes trabalhos, alguns chegaram a esboçar estudos de pré-viabilidade econômica, de forma mais ou menos ampla, baseados em dados de literatura (FEAM/DEFLOR, 2009; VIA PÚBLICA, 2012).

Dentro desta prospecção não foram encontradas plantas em operação com escala compatível com a realização deste tipo de tratamento da FORSU no Brasil. Porém, espera-se que novas implantações sejam incentivadas, indo ao encontro dos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), que tem como uma de suas diretrizes a “Redução de Resíduos Sólidos Urbanos Úmidos dispostos em aterros sanitários, tratamento e Recuperação de Gases em aterros sanitários.”, por meio de tratamentos biológicos relacionados a compostagem e biodigestão anaeróbia com recuperação de energia. No Estado de São Paulo, o Plano Estadual de Resíduos Sólidos (SÃO PAULO, 2014) apresenta metas bastante específicas, tais como a “Redução do percentual de resíduos úmidos dispostos em aterros, com base na caracterização nacional de 2013” em 35 % até 2019, 45 % até 2023 e 55 % até 2025. No contexto do Plano Estadual, a biodigestão anaeróbia com recuperação de energia é incentivada em especial para o saneamento rural.

O presente trabalho apresenta uma avaliação prospectiva teórica de alternativas tecnológicas de biodigestão, por meio de um sistema de critérios, de forma a pontuar e organizar estas tecnologias, na tentativa de identificar fatores relevantes quanto a viabilidade das mesmas para aplicação no contexto de tratamento de FORSU em municípios brasileiros.

Autores: Débora do Carmo Linhares; Patrícia Léo; Thomaz de Gouveia; Letícia dos Santos Macedo e Cláudia Echevenguá Teixeira.

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