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As tecnologias para tratamento de água

por Engº Arno Rothbarth

A expansão do mercado brasileiro na cogeração de energia fez com que os fabricantes de caldeiras e turbinas se deparassem com solicitações de altas pressões nestes equipamentos, a fim de gerar a maior quantidade de energia possível, tendo como consequência a disputa pelo tratamento de água de alta pureza

Há 20 ou 30 anos, as caldeiras de 40 – 50 bar eram consideradas de alta pressão e os sistemas tradicionais de tratamento de água eram projetados para produzir água com teores de sílica < 30 ppb e condutividade entre 1,0 e 0,7 µS/cm.

Atualmente, as caldeiras estão sendo construídas para gerar vapor acima de 80 bar e 470ºC. Isso requer qualidade de água que garanta sílica < 10 ppm e condutividade < 0,2 µS/cm. No final dos anos 80, o tratamento de água para caldeiras foi surpreendido com um sistema de desmineralização através de membranas, num mercado onde estavam consolidadas as resinas aniônicas e catiônicas.

Atualmente, ainda somos questionados, nas palestras e cursos que ministramos, sobre o melhor sistema: resinas ou membranas? A nossa resposta é outra pergunta: onde essa água será utilizada e qual a exigência de pureza? Condicionantes Na tomada de decisão para a escolha da tecnologia a ser adotada pelo cliente, o fator decisório é a qualidade da água disponível. Quando se trata de um novo projeto de uma indústria se instalando, o setor de utilidades deverá inicialmente ter os dados de processo para identificar todos os parâmetros envolvidos na utilização da água e do vapor. Isto significa conhecer os dados relevantes do processo: a) Balanço iônico da água; b) Índice de Langelier; c) Condutividade e outras características físico-químicas; d) Carga Orgânica; e) SDI (silt density index) – exigido para membranas; f) Características do vapor a ser produzido: pressão e temperatura; g) Utilização do vapor em turbinas: valores máximos para condutividade e sílica.

Essas são as principais condicionantes para a escolha da tecnologia de tratamento de água que será adotada. Mais adiante apresentaremos as exigências específicas para resinas e para membranas. Resinas e membranas são as duas tecnologias mais utilizadas no país para o tratamento de água de caldeiras.

O mercado se expande com a adoção da cogeração de energia a partir de combustíveis fósseis e, principalmente, de biomassa como uma oportunidade de negócio.

As resinas Os técnicos e engenheiros que atuam nesta área de tratamento de água conhecem o histórico da evolução das resinas a partir dos anos 50, e a aceleração do mercado de resinas a partir da década de 70, quando foi desenvolvida a regeneração em contra-corrente.

Esse mercado de resinas nunca parou de evoluir e, atualmente, disputa espaço com as membranas de Osmose Reversa e de EDR – Eletrodiálise Reversa.

As resinas possuem radicais de troca, através de grupos funcionais denominados de radicais aniônicos e radicais catiônicos. A composição física dessas resinas são copolímeros de estireno ou acrílico e de divinilbenzeno.

Através da sulfonação, o grupo (SO3) é adicionado à resina catiônica forte. Para os grupos aniônicos, os grupos funcionais são as aminas. Esses grupos funcionais é que determinam o tipo de resina e sua seletividade para os constituintes da água.

O processo ocorre através de uma troca dos grupos funcionais pelos íons que serão removidos da água a ser tratada. A substituição desses grupos se dá através da seletividade dos íons. Essa seletividade está relacionada ao número de elétrons na última camada da distribuição eletrônica dos elementos químicos.

Grupos: R-H ou R-Na são substituídos por Ca e Mg → 2R – Ca ou 2R – Mg Grupos: R-OH são substituídos por Cl / HCO3 / SO4 → R-Cl / R-HCO3 / 2R-SO4. Durante o processo de regeneração com ácido e soda, os grupos R-H e R-OH são restituídos.

Com a aplicação do leito misto em sistemas que exigiam baixo teor de sílica e de condutividade, as resinas continuam no páreo, e, às vezes, levam vantagem sobre as membranas, particularmente em virtude da concentração final de sílica. Outra vantagem que as resinas têm sobre as membranas é o pré- tratamento da água afluente. As membranas são muito susceptíveis aos materiais orgânicos, podendo causar sérios danos a elas e, até mesmo, exigindo sua substituição.

O mesmo não ocorre com tanta frequência e ênfase quando se utiliza resina. Na maioria das vezes uma contra-lavagem é suficiente para remover o material que fica adsorvido nas resinas.

Tanto para resina como para osmose, o tratamento primário deve ser rigoroso, a fim de garantir o maior tempo de campanha (vazão).

A maioria das membranas não tolera cloro livre e, por isso, a pré-cloração deve ser seguida de um rigoroso sistema de remoção deste excesso de cloro.

As resinas não toleram altas pressões da água afluente, tal como as membranas que suportam altíssimas pressões (acima de 30 bar).

Outra vantagem que as resinas têm sobre as membranas é o volume de água rejeitada; membranas podem rejeitar até 25% da vazão de entrada, contra 5% das resinas.

O rejeito nas resinas ocorre durante o processo de regeneração e, nas membranas, o rejeito é contínuo, já que todo permeado (água desmi) representa 75% de toda a vazão de entrada no sistema e 25% é rejeito salino em alta concentração.

Esse rejeito salino das membranas deve ser tratado de modo a atender as especificações ambientais para lançamento de efluentes no curso de água. A utilização de resinas retorna ao cenário brasileiro uma vez que as águas internas disponíveis para a indústria têm baixa concentração de sólidos dissolvidos (STD).

E o que significa baixo teor de sólidos? É consenso entre os especialistas desta área, que até 500 ppm de STD as resinas são recomendadas.

Para salinidade alta (> 800 ppm) poderia ser recomendado o uso de membranas. Analisando a água das principais bacias hidrográficas nacionais, a água dos nossos rios tem uma concentração abaixo de 200 ppm de STD. Águas profundas ou água de poços e lagos próximos ao mar podem apresentar teores de STD acima de 1000 ppm.

Os pontos negativos desta tecnologia é pouco comparado aos da tecnologia de osmose reversa. Os principais são:

– risco de acidente no manuseio de ácido e soda;

– construção de tanques para armazenar ácido e soda;

– construção de tanque de neutralização após as regenerações.

As membranas

As membranas, fabricadas a partir de material cerâmico ou polimérico, fazem sua seletividade a partir do diâmetro dos poros, permitindo a passagem de alguns componentes e impedindo a passagem de outros. As aplicações de membranas são extensas, e são conhecidas da microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração, eletrodiálise e osmose reserva. Trata-se, portanto, de um processo simples de filtração. Diferente da desmineralização com resinas, onde ocorre substituição de íons e a agregação ou reação entre os íons H e OH para formar novamente a molécula de água (H2O).

No tratamento de água para caldeiras de alta pressão, é necessária a desmineralização ou dessalinização da água, o que significa a remoção de sais e outros contaminantes, dissolvidos ou misturados à água. O tratamento típico por este processo, aplicado à água de alimentação de cadeiras, é a Osmose Reversa (OR). Recebe esse nome pois é capaz de reverter o processo de osmose (pressão osmótica), que é a passagem de uma solução menos concentrada para uma mais concentrada. Para reverter esse processo osmótico, bombas de alta pressão forçam a passagem da água de um meio mais concentrado para um menos concentrado, tendo como produto água pura de um lado e água com altos teores de sais do outro. Esse efluente com alta concentração de sais e outros contaminantes orgânicos é um “ponto fraco” deste sistema, já que pode provocar problemas ambientais. Como foi citada anteriormente, a rejeição de água pelo processo OR pode chegar a 25% da água afluente.

Em outro artigo, futuro, vamos tratar desse assunto, onde mostraremos as variadas formas de tratar os efluentes dos processos de OR e de desmineralização por resinas.)

Os pontos negativos desta tecnologia são os enumerados abaixo:

– alto consumo de energia elétrica;

– alto percentual de água rejeitada;

– alto custo de pré-tratamento;

– consumo de anti-incrustante durante todo o tempo de operação;

– redução gradual de permeado devido a saturação das membranas;

– não é seletiva para sílica;

– não atinge os níveis de condutividade para caldeiras de alta pressão;

– necessita de um sistema de desmi através de leito misto de resinas.

Avaliação final

Não apontamos as vantagens, ou pontos positivos, destas duas tecnologias e focamos nos pontos negativos. Esse paralelo entre pontos positivos e negativos divergem muito, mas é preciso antes de tudo conhecer o propósito do uso das tecnologias. Começando pela análise e disponibilidade da água poderemos ver o cenário que se apresenta a fim de decidirmos por uma ou outra tecnologia. A análise dos pontos negativos já nos direciona ao melhor cenário, não apenas pelo custo da tecnologia, mas pelo resultado da sua utilização.

Cenário 01: Se a água afluente é de baixa salinidade e as exigências de pureza da água são elevadas, certamente a escolha será pela tecnologia de resinas.

Cenário 02: A água possui elevada salinidade e a pureza exigida não é tão rigorosa. A tecnologia de OR atenderá às necessidades do processo.

Cenário 03: A salinidade é elevada e a pureza da água também é elevada. A recomendação seria pelo uso de tecnologia mista: membranas com duplo passe e polimento em leito misto de resinas.

Cenário 04: A dessalinização de água do mar ou água salobra. A tecnologia de OR sempre será a recomendada. Os leitos de resinas não suportam salinidades de 15.000 ppm ou maiores.

Retomando os comentários anteriores, um balanço iônico e a determinação de matéria orgânica são os primeiros passos para a avaliação das características da água que será tratada. A condutividade e o teor de sílica no vapor gerado nas caldeiras determinarão a qualidade ou grau de pureza da água tratada.

Consideramos, neste nosso artigo, água de alta salinidade aquela com STD superiores a 800 ppm (mg/l) e vapor de alta pureza, o vapor com teor de sílica inferior a 10 ppb (mg/m³) e condutividade inferior a 0,2 µS/cm.

O mercado está aberto para todas as tecnologias disponíveis. Caberá ao cliente determinar as condições de qualidade da água e, após a análise dos cenários, optar pela melhor tecnologia.

Engº Químico Arno Rothbarth

Diretor Técnico da RTH Consultoria e Treinamentos. Engenheiro de processos há mais de 30 anos no setor de Utilidades e Cogeração de Energia. Palestrante e professor de cursos profissionalizantes.

Fonte: Meio Filtrante.

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