O Ministério Público de São Paulo vem questionando a constitucionalidade da Resolução CONAMA n. 420/2009 e da Lei Estadual n. 13.577/2009, que dispõe sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas. O órgão tem, inclusive, travado disputas judiciais contra proprietários de imóveis na capital, com o propósito de exigir a integral e completa remediação do solo em áreas contaminadas, exigência essa que extrapola as exigências legais.
Entretanto, em recente decisão de março de 2016, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento à apelação interposta contra sentença que julgou procedente pedidos formulados em ação civil pública do Ministério Público de São Paulo, que havia condenado o proprietário de uma área contaminada a promover nova remediação, restituindo-lhe “integralmente o equilíbrio ecológico“, tendo como metas Valores de Referência de Qualidade da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que empresas da construção civil não necessitam descontaminar totalmente terrenos destinados à moradia, como exige o Ministério Público do Estado. O entendimento se deu em uma ação civil pública ajuizada pelo órgão contra uma administradora imobiliária que havia adquirido uma área onde antes operava um posto de combustíveis. A decisão contrária ao Ministério Público inaugura jurisprudência sobre o tema.
Essa questão possui forte impacto entre as empresas do setor. Os custos com a recuperação de áreas, se admitidos os argumentos do Ministério Público, seriam quintuplicados. Do modo como é feito atualmente, de acordo com os especialistas, o processo já é oneroso: um amplo investimento pode, por exemplo, atingir uma conta de R$ 100 milhões.
Trata-se de importante precedente, que traz questionamentos relevantes para o tratamento jurídico do gerenciamento de áreas. A decisão é a primeira a respeito do tema que se tem notícias na segunda instância. Há cerca de outros 40 casos semelhantes em andamento entre ações e inquéritos civis. Especialistas dizem que o Ministério Público iniciou um movimento, desde 2013, em busca da celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com incorporadoras. A alegação era que a reparação em tais moldes é exigida pela Constituição Federal.
Desembargador da 1ª Câmara Reservada ao Direito Ambiental do TJ-SP e relator do caso, Ruy Alberto Leme Cavalheiro reconhece, no acórdão, que o artigo 225 da Constituição Federal prevê o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado. No entanto, destaca que “não se mostra razoável exigir a adoção de solução técnica distinta daquela imposta pelo órgão ambiental”.
Em São Paulo a LEI Nº 13.577, DE 8 DE JULHO DE 2009, dispõe sobre diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas e a remediação integral não é exigida. A norma estadual estaria ainda em acordo com a Resolução Conama n°420.
Argumentando que a intervenção do Estado pela preservação do meio ambiente deve ocorrer com “razoabilidade e proporcionalidade”, o desembargador afirmou no acórdão que “a defesa do direito à reparação integral e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, quando em desacordo com os demais princípios e com os valores comunitários, pode gerar arbitrariedades que não devem ser permitidas.
Constatando que a incorporadora cumpriu as exigências da Cetesb, o voto do desembargador rebate a argumentação do Ministério Público, de que a descontaminação parcial de terreno contraria a Constituição. “Somente se houver manifesta insuficiência da proteção é que há inconstitucionalidade”.
A legislação determina que, nesses casos, deve ser realizada a remediação para “uso declarado” – ou seja, o necessário para devolver as condições de uso da área e não a integral descontaminação do solo.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), responsável pela fiscalização, realiza uma análise de risco do empreendimento e só libera o certificado de uso – que autoriza a construção – após todas as etapas estabelecidas em lei estiverem cumpridas. O imóvel recebe quatro carimbos: contaminado, em recuperação, em monitoramento e, o último, de uso declarado.
De acordo com o advogado Douglas Nadalini, representante da empresa no caso, a incorporadora seguiu as regras estabelecidas pela Cetesb. Também disse que são exigidos “índices de qualidade extremos” para que o imóvel possua o uso declarado.
A representante da Viseu Advogados, Ana Carolina Famá considera como acertada a decisão do TJ-SP. “As empresas têm de procurar o órgão ambiental competente para receber as orientações e cumprir com o que foi determinado”, afirmou.
Decisão diferente, ela diz, traria insegurança jurídica.
Em contrapartida, a especialista não interpreta como incorreto o conceito que o Ministério Público considera. “Porque a Constituição perpetua que a reparação deveria restituir o equilíbrio ecológico do ambiente. Há diferença para posicionamento dos órgãos ambientais que é mais técnico e próximo à realidade”.
A advogada Luciana Gil Ferreira, sócia da área ambiental do escritório Bichara Advogados, recorda que a decisão da primeira instância foi em favor do Ministério Público, causando susto nos empresários. Segundo a especialista, foi enviado alerta aos seus clientes, já que essa situação é preocupante porque quando se adquire um imóvel, assume-se o passivo da contaminação. A segurança do uso está justamente nas normas vigentes e que não dá para, repentinamente, rasgar tudo o que existe.
De acordo com Luciana Ferreira, discussões sobre a constitucionalidade das leis vigentes deveriam ser parte de um outro processo. Para ela o Ministério Público deveria ter ajuizado ação específica para declarar a inconstitucionalidade da legislação federal e estadual e não cobrar da empresa algo que não está previsto.
Conforme os dados publicados pela Cetesb, a relação de áreas contaminadas, referente a dezembro de 2015, os postos de combustíveis continuam respondendo pelo maior número de registros, fato que se deve principalmente ao início dos estudos de passivos ambientais ter ocorrido com esta atividade, em 2001. Como tendência verifica-se o aumento de áreas industriais na relação, passando de 862 em 2014 para 917 em 2015. Os dados compilados pela Cetesb trazem também um dado positivo: aumento de 563 para 680 áreas reabilitadas para uso declarado no Estado de São Paulo.
De forma geral, os dados demonstrados indicam que tem havido evolução no gerenciamento de áreas contaminadas no Estado de São Paulo e a manutenção de patamares superiores a 50% de áreas em processos de remediação e monitoramento para encerramento, contudo também apontam morosidade nos processos de remediação ambiental atualmente conduzidos.
Gheorge Patrick Iwaki
Responsável Técnico