O verão, que se encerrou na madrugada de 20 de março, foi o sexto mais quente no Brasil desde 1961, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
O destaque foi fevereiro, com fortes ondas de calor e cinco recordes de demanda instantânea de carga de energia, registrados no meio da tarde e impulsionados pelos sistemas de refrigeração em escritórios, indústrias e lares. Chuvas recordes também foram registradas: em 24 de janeiro, a cidade de São Paulo teve o terceiro maior volume de chuva dos últimos 64 anos, segundo o Inmet.
O setor elétrico tem sido afetado crescentemente pelos eventos extremos das mudanças climáticas, o que traz reflexões sobre como empresas, regulador e consumidores terão de se preparar diante de um cenário com novos desafios, como resiliência das redes, maior flexibilidade no sistema e custos das melhorias a serem feitas e seu rateio. Além disso, as mudanças climáticas podem ampliar a pobreza energética no Brasil, visto que as contas de luz já são um dos itens que mais pesam no orçamento das famílias brasileiras.
Análise da seguradora Munich Re, de 2024, aponta que os prejuízos climáticos no mundo chegaram a US$ 250 bilhões em 2023. Estudo do Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas estima que os países em desenvolvimento deveriam investir US$ 215 bilhões por ano nessa década em adaptação sob as novas condições climáticas
“O novo anormal climático já chegou”, sentencia o presidente da PSR, Luiz Barroso. Ele aponta duas consequências importantes para o setor elétrico: serão necessários investimentos em adaptação e resiliência, além dos aportes em mitigações; e modelos matemáticos de afluência, ventos, temperatura etc., bem como critérios de planejamento e operação, precisam ser adaptados “imediatamente para a nova realidade”.
O consultor e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana diz que custos com mudanças climáticas serão crescentes e trarão pressões sobre as tarifas. Hoje, no Brasil, um em cada três consumidores das regiões Norte e Nordeste gasta mais de 6% da renda com luz, enquanto no Sul, Sudeste e Centro-Oeste um em cada seis destina mais que esse percentual, considerado na literatura econômica como causa de receio. Tornar o setor mais resiliente ao clima demandará investimentos, análise do que se deve fazer e como criar custos adequados aos diferentes bolsos.
Empresas do setor estão buscando entender mais os efeitos e se preparar para eles. Maior geradora e transmissora do país, a Eletrobras criou um centro de monitoramento de ativos e eventos climáticos na sede da empresa, no Rio de Janeiro. Com investimento inicial de R$ 30 milhões e mais R$ 110 milhões ao longo de 2025, o espaço permite monitoramento com uso de sensores e aplicações digitais de 87 mil ativos em tempo real.
O investimento é fruto de uma série de ações tomadas nos últimos anos: em 2023, foi desenvolvido um estudo de risco climático relacionado a alteração nos padrões de precipitação e vazão para todos os nossos ativos de geração hidrelétrica; em 2024, iniciou-se a análise de risco climático e adaptação de operações de transmissão.
A Evoltz, que atua na área de transmissão, instalou cerca de dez estações meteorológicas ao redor de seus ativos no Brasil, depois de ter registrado em outubro de 2021 rajadas de vento superiores a 200 km/h em um trecho no Mato Grosso da linha entre Porto Velho (RO) e Araraquara (SP) que transmite energia das usinas do rio Madeira ao Sudeste. Queimadas no pantanal e a enchente no Rio Grande do Sul também atingiram ativos.
O tema dos efeitos das mudanças climáticas sobre o setor elétrico coincide com o envelhecimento do parque de geração hidrelétrica e de transmissão, o que abre a discussão sobre como fazer com que os ativos possam estar preparados para o novo normal climático. “O desafio é inovar e incorporar essas inovações para que a conta não fique pesada demais”, diz o presidente da Associação Brasileira das Transmissoras de Energia (Abrate), Mario Miranda.
Fonte: Valor
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