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Necrochorume: SC não tem estudos sobre impactos da alta de mortes no meio ambiente

Especialistas alertam que líquido do processo de decomposição humana pode contaminar solo e lençóis freáticos; Estado não tem estudo ou fiscaliza cemitérios contra impactos

cemiterio

O primeiro relatório que divulgou os riscos do necrochorume para o mundo foi publicado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1998. No estudo, pesquisadores avaliaram cemitérios em países europeus, onde foi comprovada a presença de focos de bactérias e poluentes originários dos túmulos, que impactavam a população vizinha às necrópoles.

No cenário atual que envolve a alta de sepultamentos por conta da pandemia, o Jornal ND+ conversou com especialistas para entender os impactos do necrochorume e as soluções que podem ser adotadas para impedir a contaminação.

O IMA (Instituto do Meio Ambiente), responsável pelo licenciamento de cemitérios em Santa Catarina, e a Secretaria de Estado da Saúde também foram procurados pela reportagem, assim como as prefeituras das duas maiores cidades catarinenses, Joinville e Florianópolis.

A informação das autoridades é de que não há, até o momento, nenhum estudo concluído ou em desenvolvimento para analisar os impactos ambientais causados por esses espaços.

Líquido expelido pelo corpo

O necrochorume nada mais é do que o resultado do processo de decomposição dos corpos. O engenheiro sanitarista ambiental e professor da Univali, Victor Silvestre, explica que o líquido começa a se formar, aproximadamente, seis meses depois do sepultamento.

O organismo do ser humano é formado por uma série de microorganismos. Após a morte, eles se alimentam do corpo e iniciam o processo de degradação na matéria orgânica.

Um corpo humano pode gerar até 600 litros de necrochorume por quilograma, em um período de 5 a 10 anos. Isso significa que uma pessoa de 70 kg pode produzir até 42 mil litros do líquido. A velocidade e o tempo de produção dependem de fatores como as condições ambientais, presença de oxigênio e umidade do ar.

Morte de peixes e proliferação de algas

O necrochorume pode trazer riscos às águas superficiais e subterrâneas. Quando o líquido é drenado para fora da sepultura, pode ser carregado para uma boca de lobo, por exemplo, e acabar em rios e praias.

Neste sentido, a chuva é um dos principais agravantes. Isso porque a infiltração da água estimula o deslocamento do necrochorume. Isto é, a “lavagem” da sepultura, facilitando o transporte desse material.

Outro ponto levantado pelo engenheiro é que o necrochorume pode causar o excesso de matéria orgânica e de nutrientes no meio aquático, onde vivem diversos microorganismos que consomem essa matéria e oxigênio.

Com mais oferta de alimentos, esses microorganismos se reproduzem mais rápido. Em um ambiente aquático, esse desenvolvimento veloz e em excesso pode ser desastroso, porque quanto mais microorganismos, maior é o consumo do oxigênio presente na água, acarretando na morte de peixes e na proliferação de algas.

Riscos à saúde pública

As pessoas morrem pelos mais variados motivos, entre eles doenças. Isso quer dizer que os corpos, inevitavelmente, vão conter os agentes causadores de determinadas patologias, como vírus e bactérias, que também são expelidas através do necrochorume.

De acordo com a professora Therezinha Maria Novais de Oliveira, do curso de engenharia ambiental e sanitária da Univille, os microorganismos que compõem o necrochorume são tóxicos e podem causar doenças como tétano, hepatite, gangreno, entre outras.

Outro ponto que também pode ser um agravante é que o líquido atrai vetores como ratos e baratas, que são transmissores de doenças. Ou seja, ao se contaminar, esses vetores podem levar possíveis infecções para as residências.

Resoluções buscam regulamentar cemitérios

O estudo publicado pela OMS em 1998 contribuiu para que, em 2003, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) criasse uma resolução para estabelecer critérios a serem seguidos pelos cemitérios no Brasil.

resolução nº 335 cita que o fundo das sepulturas construídas em solos impermeáveis deve estar a pelo menos um metro e meio de distância do lençol freático. Se construída em solos mais permeáveis, a distância deve ser de 10 metros.

No entanto, grande parte dos cemitérios em Santa Catarina foi construída antes dessa resolução. Para a professora Therezinha, isso pode significar que aqueles que estão em operação no Estado não têm a estrutura necessária para funcionar. 

“Considerando que a resolução é de 2003, não se sabe se os cemitérios estão preparados. Já era um problema anteriormente e, agora, se agrava com o aumento da mortalidade. Poucos são os que estão regularizados e que atendem os critérios necessários e isso é algo que preocupa, uma vez que o necrochorume tem impactos”, alerta.

Além disso, no último ano, esses mesmos cemitérios tiveram que lidar com um novo desafio: a Covid-19.


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Por conta do aumento nas mortes, em maio do ano passado o CMA/CNMP (Comissão de Meio Ambiente do Conselho Nacional do Ministério Público) publicou uma nota técnica pedindo que os Ministérios Públicos estaduais fizessem a fiscalização dos cemitérios, a fim de prevenir possíveis danos ambientais por conta do aumento no número de enterros em decorrência da Covid-19.

O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) informou que o Comitê de Gestão de Crise, que acompanha e monitora as questões relativas à pandemia no Estado, é acionado em cada situação de risco. A que envolve os cemitérios, contudo, não foi levada ao conhecimento do grupo até o momento.

O MPSC afirmou, ainda, que a atenção recomendada pelo CNPM com relação aos impactos ambientais é dirigida a todas as Promotorias de Justiça no Brasil, e que também foi encaminhada às comarcas de Santa Catarina.

Quais os impactos da Covid-19 nos cemitérios?

O boletim divulgado pelo governo do Estado em 30 de abril apontava Santa Catarina contabilizava 13.534 mortes causadas pela Covid-19 desde o início da pandemia, sendo que 61% delas ocorreram somente nos quatro primeiros meses de 2021.

A cidade com o maior número de mortes é Joinville, no Norte do Estado, com 1.289 joinvilenses mortos pela Covid-19. Assim como outras doenças, o necrochorume pode ser um vetor do coronavírus, já que há chances do vírus ser expelido do corpo humano no processo de decomposição.

Contudo, Silvestre explica que a chance de contrair a Covid-19 pelo contato com o necrochorume é bem menor do que se comparada com o esgoto sanitário.

“Deu a descarga, daqui a pouco o vírus já está na rede. E dependendo do local em que a pessoa mora, em menos de uma hora já está no ar. É muito rápido”, diz.

Além disso, a infiltração do solo pelo necrochorume é um processo lento. A norma estabelece que os cemitérios devem ter um solo com coeficiente de permeabilidade equivalente a 31 cm por ano. “Significa que se eu jogar um balde com o líquido, vai demorar 1 ano para percorrer e infiltrar 31 cm do solo. Mas dependendo do local do cemitério, o lençol freático pode ser atingido em menos tempo”, aponta.

O vírus necessita de uma célula para sobreviver. Uma vez que o processo de deslocamento do necrochorume é lento, ele acaba não tendo uma vida útil tão longa a ponto de possibilitar uma contaminação em massa.

Soluções para combater impactos

Uma das soluções apontadas pelo engenheiro sanitarista para diminuir os impactos ao meio ambiente e à saúde pública é a instalação de um dreno para direcionar o líquido do necrochorume para tratamento, assim como ocorre com o esgoto e o aterro sanitário.

Outra tecnologia é a instalação de uma espécie de manta absorvente, que possui uma camada de celulose por cima e é posicionada embaixo da sepultura. O contato do necrochorume com o pó gera uma reação e o resultado forma um gel, que não se infiltra no solo e seca com o passar do tempo.

Existem, ainda, pastilhas com bactérias que aceleram o processo de degradação do corpo, reduzindo a quantidade de líquido expelido. Essas técnicas, no entanto, esbarram em questões religiosas, financeiras e ideológicas.

Por isso, o ideal é, segundo Silvestre, que os cemitérios que estejam operando de forma inadequada nesse sentido sejam suspensos, e que as novas áreas reservadas para o sepultamento de corpos providenciem o tratamento adequado, respeitando a distância exigida do nível freático.

Cremação é o melhor caminho?

O engenheiro sanitarista acredita que, em termos ambientais, a cremação pode ser, sim, a melhor solução. Desde que seja realizada seguindo critérios ambientais em relação aos gases que são emitidos no processo.

“Se pensarmos em ocupação de espaço e em potencial de impacto ambiental, a cremação seria uma boa saída. Não podemos descartar o sepultamento vertical também, que são feitos em espécies de gavetas, que facilita a coleta e o tratamento do necrochorume, que não é algo complexo e não muda muito para o que já é feito com os demais efluentes. Tudo tem o seu custo, mas é necessário se quisermos um meio ambiente equilibrado”, conclui.

Já Therezinha levanta outro ponto que pode ser essencial para o controle da contaminação. “É interessante que se faça um levantamento desses cemitérios para que, assim, se tenha um estudo da situação deles. Postos de monitoramento também seriam importantes”, aponta.

Fiscalização das prefeituras

A Prefeitura de Joinville informou, por meio de nota, que na época em que os cemitérios foram implantados na cidade não havia a necessidade de acompanhamento e cuidado com o solo. Porém, desde 2015, a construção de novos jazigos segue determinações técnicas previstas no decreto 24.623, cujo objetivo é diminuir as possíveis contaminações.

Além disso, o município garantiu que a implantação de novos cemitérios segue regras específicas para que o solo seja preservado. Entretanto, no momento, não há realização de estudos na cidade sobre poluição do solo em áreas de cemitérios.

Já a Prefeitura da Capital afirma que a fiscalização dos cemitérios em relação à contaminação é feita pela Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis), conforme a demanda.

Assim como na cidade do Norte, para que possam atuar, os cemitérios de Florianópolis devem ter licença ambiental, que prevê regras de combate à contaminação do lençol freático.

Apesar disso, a Floram informou que se tornou o órgão licenciador de cemitérios somente nos últimos anos, segundo o Consema 99/2017 e que, até o momento, não realizou o licenciamento de nenhum cemitério novo.

Por conta disso, o órgão disse que segue os regramentos estaduais, elaborados pelo IMA (Instituto do Meio Ambiente) e disponíveis na Instrução Normativa nº 52.

A Instrução define a documentação necessária para o licenciamento e estabelece critérios para apresentação dos planos, programas e projetos ambientais para implantação de cemitérios, incluindo tratamento de resíduos líquidos, tratamento e disposição de resíduos sólidos e outros passivos ambientais.

Fonte: Jornal ND+.


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