O combustível, livre de carbono, pode alimentar o processo de fabricação “aço verde” para chapas, vergalhões e outros produtos — que teriam maior valor agregado
Se a indústria siderúrgica mundial fosse um país, suas emissões somariam os gases de efeito estufa produzidos por China e Estados Unidos combinados, cerca de 40% do total global. Com tamanho potencial para acelerar as mudanças climáticas e suas consequências, o setor precisa mudar radicalmente para manter-se dentro de metas compatíveis com os 1,5°C de aquecimento global acordados em Paris, em 2015, e com isso, levar o mundo a reboque.
A atual década pode ser considerada uma encruzilhada: até 2030, cerca de 71% das plantas movidas a carvão e outros combustíveis fósseis vão chegar ao término de suas vidas úteis, devendo ser reformadas ou substituídas. Manter o modelo atual joga os planos de uma indústria “limpa” por água abaixo. Sendo assim, quais são os caminhos possíveis para esta reformulação colossal em busca do net zero até 2040?
Na visão de um novo estudo alemão, a resposta pode ser resumida em duas palavras: hidrogênio verde. O combustível, livre de carbono, pode servir para alimentar a fundição do minério de ferro em vergalhões, produzindo assim um “aço verde”, potencialmente livre de emissões em sua produção (sem contar aqui emissões secundárias e terciárias, ocorridas na produção da matéria-prima e operação de empresas parceiras, o que coloca desafios à parte).
A pesquisa do think tank Agora Industry, em conjunto com o Wuppertahl Institute, “15 insights para a transformação global do aço” (tradução livre), defende que, em vez de se concentrar em exportar hidrogênio verde puro, países como o Brasil, segundo maior produtor de minério de ferro do mundo (22% de participação no mercado), com um campo promissor na produção de energia limpa, deveriam incorporar a matriz energética livre de carbono aos seus produtos, tornando-se exportadores do aço com o valor agregado “verde”.
Um dos argumentos colocados seria de que a exportação do hidrogênio puro está sujeita a muitas perdas envolvendo transporte e acondicionamento, algo que não ocorre na mesma escala com vergalhões de aço, por exemplo. Para os importadores, a vantagem estaria em obter matéria-prima “verde” para suas indústrias, sem a necessidade de investimento em plantas de produção de hidrogênio verde, algo não tão simples em muitos países. Na projeção do grupo de pesquisa alemão, empregos atuais seriam mantidos, com um acréscimo de 250 mil novos postos no mundo.
Em comparação com o cenário em que esses países exportariam minério de ferro e hidrogênio e seus derivados por navio, a exportação de ferro verde poderia permitir um ganho de cerca de 16% em empregos empregos locais e um aumento de 18% no valor agregado, afirma a pesquisa.
“De acordo com nossa análise, siderúrgicas são mais propensas a considerar a importação de hidrogênio incorporado na forma de ferro verde – uma opção significativamente mais barata. Essa visão sugere que a demanda por importações de ferro verde pode aumentar em comparação com as importações de hidrogênio. Explorar essa ideia pode contribuir para a economia dos países exportadores e representar uma oportunidade valiosa para o Brasil”, avalia o autor principal do estudo, Wido Witecka, em conversa comUm Só Planeta.
LEIA TAMBÉM: BRASIL PODE EXPORTAR HIDROGÊNIO VERDE NA FORMA DE AÇO
Expectativa x realidade do hidrogênio verde no Brasil
Apesar das soluções levantadas pela pesquisa, não se trata de uma varinha mágica, como ressalta Luciano Losekann, professor associado da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense), que acompanha a evolução do setor de energia e as regulações.
“Apesar do entusiasmo com o hidrogênio verde, ainda há um longo caminho para a viabilidade, que depende de aprendizado e ganho tecnológico. Uma questão desafiadora é a oferta de eletrolisadores [equipamentos que quebram a molécula do hidrogênio, separando o “verde”, “limpo”, do “cinza”, intenso em carbono], o que pode atrasar a difusão”, pondera.
Como em todo grande setor de produção, o investimento maciço é destacado no estudo europeu como força-motriz da descarbonização. Para realizar tal feito, o raciocínio do think tank alemão defende a atuação governamental, criando regulações para a transição energética do aço e incentivando parcerias internacionais para acelerar a composição de uma cadeia de produção e transformação “verde”.
“Decisões corretas sobre políticas e investimentos hoje nos colocarão no caminho de investimentos compatíveis com zero líquido, que podem garantir o futuro do setor e de seus empregos”, projeta Peter Frank, diretor do Agora.
Potencial para impulsionar a indústria nacional do aço
O potencial do hidrogênio verde é uma unanimidade, e sua aplicação no mercado interno brasileiro pode de fato ser um impulso para a siderurgia nacional, avalia Losekann. “O modelo de desenvolvimento do hidrogênio ainda está em aberto. Ainda que os projetos voltados para exportação tenham recebido mais destaque, os projetos voltados para a demanda local podem ser mais atrativos. Nesse sentido, a utilização de hidrogênio pode recuperar a competitividade de setores da indústria brasileira intensivos no consumo de energia.”
O professor nota ainda um detalhe competitivo que a produção de um aço brasileiro “verde” teria. “As barreiras comerciais da Europa, baseadas em conteúdo do carbono de produtos importados, são um fator impulsionador.”
Além do otimismo com o hidrogênio, a pesquisa aponta ainda a eficiência no uso dos materiais, o aumento da reciclagem e o investimento em bioenergia como abordagens complementares na descarbonização do setor siderúrgico. A captura de carbono não é recomendada, por ter aplicação limitada na cadeia de produção.
“Países como o Brasil têm potencial para produzir ferro verde de forma competitiva, beneficiando-se de seu minério de ferro de alta qualidade, potencial para expansão e integração de energia renovável e capacidade de desenvolver uma economia nacional de hidrogênio. Para aproveitar esta oportunidade e contribuir com ousadia para a descarbonização global, seria benéfico promover o diálogo entre a indústria, a sociedade civil e o governo nos níveis estadual e federal. Esse esforço conjunto pode levar à formulação de um plano setorial que assegure os investimentos necessários e gere empregos locais com geração de valor para a sociedade brasileira”, avalia Karina Marzano, gerente de projetos do Agora Industry para transformação industrial no Brasil.
Fonte: UM SÓ PLANETA
ÚLTIMAS NOTÍCIAS: SUÉCIA ABANDONA META DE 100% DE ENERGIA RENOVÁVEL
ÚLTIMAS NOTÍCIAS: EM CANNES, UMA “REDE PARALELA” DE TUBULAÇÕES PARA ÁGUA DE REUSO