Apesar da aproximação da COP 30 em Belém, causa preocupação o fato de que a pauta da água ainda não ocupar o centro das discussões climáticas, apesar de sua relevância estratégica
Apesar de o Brasil abrigar cerca de 12% da água doce superficial do planeta, sua distribuição geográfica é profundamente desigual em relação à concentração populacional. Essa disparidade, somada à degradação da qualidade dos mananciais e à crescente pressão sobre os recursos hídricos, coloca o país diante de um cenário preocupante de insegurança hídrica.
Após uma década da pior seca da história vivida pela Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), o risco hídrico volta a preocupar. Neste início de setembro, os sistemas de abastecimento estão com volume total armazenado nos mananciais inferior a 34,6%, ou seja, o menor índice para esta época desde 2013, o ano que precedeu a crise hídrica.
O Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento da RMSP, está com apenas 32% (em 11/09) da sua capacidade útil, o que levou a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas) a reduzirem a retirada de água de 31 m³/s para 27 m³/s, operando na Faixa de Alerta 3 (em uma escala de 1 a 5), situação que não acontecia desde dezembro de 2022.
Na última semana de agosto deste ano, diante do agravamento da estiagem e da queda nos níveis dos reservatórios da RMSP, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (ARSESP), determinou que a Sabesp adotasse uma série de medidas emergenciais para preservar a segurança hídrica. Entre elas, a redução da pressão da água durante a madrugada, por um período de oito horas, com início às 21h e término às 5h. Essa medida visa economizar cerca de 4 mil litros de água por segundo, reduzindo perdas por vazamentos e rompimentos de tubulações. No entanto, essas medidas podem causar interrupções temporárias no abastecimento, especialmente em bairros mais altos e periféricos, afetando especialmente os grupos mais vulneráveis, de milhares e milhares de famílias que não possuem caixas d’água em suas habitações.
Outra medida estabelecida pela ARSESP foi a elaboração do Plano de Contingência, em cooperação técnica com a SP Águas. O plano deve prever ações para as diferentes faixas de disponibilidade hídrica, conforme o Protocolo de Escassez Hídrica de São Paulo, que está em fase final de aprovação. O objetivo é garantir o atendimento para os grupos mais vulneráveis, além de instalações estratégicas tais como: hospitais, escolas, creches, entre outros.
Tais medidas deverão ter monitoramento contínuo e ser acompanhadas pelo Comitê Gestor da Política Estadual de Mudanças Climáticas, com participação da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, Defesa Civil, SP Águas, Unidade Regional de Água e Esgoto, ARSESP e Sabesp. E, por fim, deve ser iniciada uma campanha para incentivar o uso consciente da água pela população, com orientações sobre contenção de vazamentos, uso eficiente de chuveiros e máquinas de lavar, entre outras práticas.
Essas medidas são válidas até que os níveis dos reservatórios sejam recuperados. A situação atual é considerada de atenção, com volume útil médio de 39,2%. Se esse índice cair para entre 30% e 20%, será acionado o estágio crítico, e abaixo de 20%, o estado de emergência (a Faixa 5).
Porém, é preciso reconhecer que o sistema de abastecimento da RMSP ficou mais robusto desde a grande seca durante os anos de 2014-15. Diversas medidas foram adotadas, como por exemplo: a interligação entre a bacia do Rio Paraíba do Sul com o Sistema Cantareira e um novo sistema de abastecimento, por meio do Sistema Produtor de Água São Lourenço, entre outras. Mas há limites.
Ao longo dos últimos 30 anos tem sido observada uma tendência de redução do estoque de água no Sistema Cantareira, o maior da RMSP, que atende cerca de 8 milhões de pessoas. Além disso, as médias históricas de precipitação têm sido muito abaixo do esperado. No último mês de agosto, por exemplo, choveu menos de 15% do esperado no Sistema Cantareira.
Essa não é uma situação exclusiva de São Paulo: o panorama em outras regiões do Brasil também é preocupante. Segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), 1,9 mil cidades brasileiras enfrentam seca intensa, como novamente ocorre nesse momento em parte da Amazônia.
Amazônia em crise
Em agosto de 2025, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), declarou situação crítica de escassez hídrica nas bacias dos rios Purus, Juruá, Acre e Iaco, que cortam os estados do Acre e do Amazonas. A medida foi motivada por chuvas abaixo da média desde 2023 e níveis de vazão muito inferiores ao esperado para o período de vazante (junho a novembro).
Uma das principais medidas estabelecidas pela ANA foi o reconhecimento oficial da escassez hídrica que está vigente até 31 de outubro de 2025, podendo ser prorrogada ou suspensa conforme as condições hidrológicas. Também há um esforço para identificar os impactos da baixa disponibilidade de água sobre os usos múltiplos (abastecimento, navegação, agricultura, ecossistemas) e propor medidas de mitigação em articulação com os setores usuários. Outra iniciativa é a facilitação de reconhecimento oficial de situação crítica, que agiliza o reconhecimento de emergência ou calamidade pública por parte da Defesa Civil Nacional, permitindo o acesso mais rápido a recursos federais para municípios afetados.
Essas ações refletem a gravidade da situação na Amazônia, onde a crise hídrica afeta não apenas o abastecimento humano, mas também a biodiversidade, o transporte fluvial, que faz parte da rotina de diversas comunidades, e a economia local.
Por uma Nova Cultura da Água
O desperdício de água no Brasil continua elevado. Estimativas do Instituto Trata Brasil indicam que 37% da água captada se perde antes de chegar ao consumidor final, o que equivale ao investimento anual em saneamento, cerca de R$ 8 bilhões.
Além disso, os riscos hídricos têm gerado impactos financeiros significativos em diversos setores da economia. A escassez de água afeta a produção industrial, a agricultura, a geração de energia e a saúde pública. O Banco Mundial estima que a insegurança hídrica pode reduzir o crescimento do PIB global em até 6% até 2050.
A segurança hídrica é um pilar essencial para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O ODS 6, que trata de água limpa e saneamento, é transversal a metas como erradicação da pobreza, segurança alimentar, saúde, energia acessível e cidades sustentáveis. Sem fontes de água seguras e protegidas, nenhum desses objetivos será plenamente alcançado.
O relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos da ANA destaca a necessidade de fortalecimento da governança hídrica, investimentos em infraestrutura, digitalização e monitoramento em tempo real. A meta é alcançar 99% da população com acesso à água potável até 2033, entretanto, 35 milhões de brasileiros ainda não têm esse recurso. E as Soluções baseadas em Natureza, como a restauração dos ecossistemas visando a revitalização e resiliência das bacias hidrográficas são ações estruturantes de transformação para ampliar a segurança hídrica.
Pois se a grande seca de 2014-15 na RMSP alertou os cidadãos de que a água não vem da torneira e que é preciso entender o nível dos reservatórios, precisamos agora evoluir coletivamente para o entendimento da importância da saúde das bacias hidrográficas. Inspirar novos comportamentos visando uma nova cultura da água é chave, não apenas em momentos críticos, mas de forma permanente.
Embora não estejamos, por ora, diante de uma nova crise hídrica, os riscos permanecem elevados em diversas regiões do Brasil. A escassez de água convive com eventos extremos de excesso, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, evidenciando a volatilidade climática.
Apesar da aproximação da COP 30 em Belém, causa preocupação o fato de que a pauta da água ainda não ocupar o centro das discussões climáticas, apesar de sua relevância estratégica. A água é um elemento transversal e estratégico, diretamente conectado às agendas de energia, sistemas alimentares, ecossistemas e outros.
Sem incorporar a segurança hídrica às políticas de mitigação e adaptação climática, será impossível alcançar a tão necessária justiça climática. Nesse cenário, o Brasil precisa avançar com urgência em políticas públicas integradas, fortalecer mecanismos que orientem sobre o uso, proteção e distribuição da água e ampliar a participação social. Somente assim será possível evitar que a aparente abundância hídrica se transforme em uma vulnerabilidade real e crescente.
Fonte: Um Só Planeta