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A volta da doença de Chagas por outra via de transmissão

Os casos de doença de Chagas vinham diminuindo no Brasil até 2009, quando começou uma tendência de ascensão. Mas, como isso aconteceu, se o barbeiro, vetor do agente etiológico da doença de Chagas, o parasita Trypanosoma cruzi, foi praticamente erradicado do país?

 

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A avaliação dos 5.184 casos de doença de Chagas aguda notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) entre 2001 e 2018 revelou esta mudança epidemiológica. Segundo os autores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Ministério da Saúde e das universidades federais de Goiás, Ceará, Rio de Janeiro e Bahia, foram identificadas três fases ao longo do período estudado: Nos primeiros quatro anos, houve um aumento rápido das notificações, com a transmissão vetorial como principal rota; depois veio uma fase de estabilidade nos quatro anos seguintes (2005 a 2009); e, desde então, há uma acentuada tendência de aumento dos casos. Foi o período em que a transmissão oral aumentou significativamente na região Norte do Brasil.

Atualmente, o contágio ocorre predominantemente via consumo de alimentos com frutas contaminadas pelas fezes de outros insetos vetores, que, diferentemente do barbeiro (Triatoma infestans), não têm hábitos domiciliares, habitando áreas silvestres ou peri-domicílio.

O Pará é responsável por 81% dos casos de transmissão oral na região Norte do Brasil, registrando a maior incidência de casos agudos do país – que costumam ocorrer após as safras de açaí e bacaba.

“Houve uma mudança de perfil no Brasil. Antigamente, a transmissão era a clássica vetorial – e em países como a Bolívia continua sendo –, mas, em virtude do combate ao T. infestans, atualmente a principal via de transmissão é oral, e ocorre principalmente no entorno de Belém, e em Macapá, Acre e Amazonas. As ações de vigilância devem ser voltadas para o norte, visando a redução ou eliminação da transmissão oral”, disse ao Medscape o pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (IGM), da Fiocruz Bahia, Dr. Fred Santos um dos autores do trabalho que revelou a mudança epidemiológica.

Segundo a Dra. Tania de Araújo-Jorge, médica e pesquisadora da Fiocruz, que não participou do trabalho: “Esta pesquisa reacende a luz no Brasil sobre a transmissão da doença de Chagas. Depois que a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) concedeu ao país a certificação de interrupção da transmissão vetorial pelo Triatoma infestans, que teve grande divulgação, muitos acharam que o problema estava resolvido, mas não está.”

Menos notificações

A médica tentou encontrar uma explicação alternativa para a fase intermediária, com menos notificações:

“Será que a notícia do controle teve influência nas notificações e levou à invisibilização dos casos?”, questionou. Ela pensa que o fato de a doença ter sido considerada controlada em um determinado momento fez com que fosse negligenciada no atendimento médico e mesmo nos cursos universitários de medicina.

“As pessoas com a doença apresentando sintomas relatam que foram a até cinco médicos até alguém suspeitar da doença de Chagas.”

A doença de Chagas sempre foi associada a colônias de barbeiros dentro das residências, mas, na região amazônica, as casas ribeirinhas de madeira sempre foram vistas como seguras. No entanto, o principal vetor da região não está domiciliado, mas vive nas palmeiras e no peri-domicílio, entra na casa da população local atraído pela luz, pica o humano ou o animal e volta para a selva ou acaba macerado, junto com os alimentos e o suco de açaí.

Reportada na região amazônica desde os anos 60, a transmissão oral só começou a ser considerada nos registros como uma via de transmissão possível a partir de 2007. É uma doença alimentar, mas se fala de transmissão oral, “porque, quando a forma infectante é ingerida, penetra na mucosa oral”, especificou o Dr. Fred.


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Os registros mostram que a maioria dos surtos da doença na região amazônica nos últimos anos é atribuível a esta via de contágio. Os casos de transmissão oral se alimentam de surtos no Pará e Amapá. As notificações aumentaram especialmente no Pará e Acre.

“Muitos produtores são pequenos agricultores que não têm infraestrutura para fazer a pasteurização”, completou o Dr. Fred. O produto contaminado é mais acessível à população local do que o industrializado.

A Dra. Tania tem estudado a complexidade de transmissão e controle da doença de Chagas na região amazônica. Há dois Brasis diferentes: a extra-Amazônia, onde predomina a transmissão vetorial e o sistema de saúde é capaz de pelo menos parcialmente detectar e ajudar as pessoas, e a Amazônia, onde não há colonização de insetos adultos das casas e o sistema de saúde não está bem preparado para ver e lidar com os pacientes.

Além disso, no Pará e em outros estados da região amazônica, novas frentes agrícolas, construção de barragens e rodovias, grandes áreas de monocultura de açaí e atividades que reduzem a biodiversidade e alteram a fauna florestal aumentam os fatores de risco de doença de Chagas.

“Isso explica o que acontece na região amazônica pela monocultura do açaí. Quanto mais se desmata para plantio de culturas, quanto maior a destruição da biodiversidade, maior o risco de um determinado vetor dominar a região”, alertou a Dra. Tania.

Doença invisível

A avaliação publicada no periódico PLOS Neglected Tropical Diseases foi feita a partir da notificação dos casos agudos, sendo que a maioria dos pacientes está na fase crônica da doença e a gravidade está associada principalmente à forma crônica. Mas foi apenas em fevereiro de 2020 que a doença de Chagas na fase crônica foi declarada de notificação compulsória nacionalmente. “Foi uma luta!”, contou a médica.

Estima-se que aproximadamente 30% dos pacientes crônicos apresentem complicações cardíacas e 10% tenham complicações digestivas. A cardiomiopatia crônica da doença de Chagas tem grande relevância na morbidade e mortalidade, sendo a principal causa de cardiomiopatia não isquêmica nos países em que a doença é endêmica, além de ser uma das maiores causas de insuficiência cardíaca e morte súbita. Os quadros podem evoluir para miocardiopatia dilatada, insuficiência cardíaca congestiva, arritmia grave e eventos cardioembólicos, complicações que, se agravadas, exigem tratamentos de alto custo, como transplante cardíaco, uso de cardiodesfibrilador implantável e marca-passo.

Nem todos reconhecem o barbeiro

Após a erradicação do T. infestansvetor responsável pela maior parte da transmissão vetorial no passado, o que se vê agora é um aumento da importância de outras espécies como Panstrongylus megistusTriatoma brasiliensisTriatoma pseudomaculataTriatoma sórdida, etc.A predominância depende da localidade.

“Fizemos uma expedição em 2019 no norte de Minas Gerais e ficamos chocados com a quantidade de vetores, bem como com a prevalência da doença: 20% das pessoas estavam infectadas e não sabiam”, acrescentou a Dra. Tania.

No estado de São Paulo, por exemplo, o T. infestans foi eliminado nos anos 90. Houve algumas detecções esporádicas, sem contar com o exemplar encontrado no banheiro masculino do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia em 2004, que provavelmente escapou das colônias mantidas para pesquisa por este centro de referência nacional no tratamento da doença de Chagas. Mas, na região Sudeste, assim como nas regiões Sul e Norte, é possível encontrar o Panstrongylus megistus, capaz de viver tanto em matas como em espaços domésticos. Já foram feitas capturas em áreas da cidade de São Paulo perto do zoológico, do Botânico e da Universidade de São Paulo (USP). Isso sugere que as populações dessa espécie permanecem em fragmentos de mata onde podem perpetuar o ciclo de transmissão silvestre do parasita T. cruzi dentro dos limites do município de São Paulo.

Em 2016, foi relatada a positividade para T. cruzi em um exemplar de P. megistus capturado em uma área urbana da cidade. Em 2018 e 2019, foram encontrados exemplares em áreas próximas a matas de quatro bairros da zona oeste da capital: Jardim Amaralina, Cohab Raposo Tavares, Jardim Esmeralda e Butantã.

Diante do novo perfil os autores enfatizaram a necessidade de manter as ações entomológicas de vigilância em saúde, no entanto, “nem todo mundo reconhece o barbeiro”, afirmou o Dr. Fred.

Desatendida na América Latina, emergente em países desenvolvidos

A doença de Chagas hoje é considerada uma das doenças desatendidas mais importantes em 21 países da América Latina, nos quais o perfil do paciente mudou: “A doença era predominantemente rural, mas as pessoas migraram e levaram a doença, bem como a transmissão congênita para as periferias”, disse o Dr. Fred.

Devido à globalização e às correntes migratórias, hoje a doença de Chagas é considerada emergente em países como Estados Unidos, Canadá, Espanha, França, Suíça, Itália, Japão e outros países da Ásia e da Oceania. Mas controlar a doença alimentar através dos processos incluído o transporte que permite o consumo e as exportações com segurança não é difícil. Práticas sanitárias simples como pasteurizar o suco de açaí (82,5 °C – 1 min) e a lavagem da fruta (70 ± 1 °C por 10 segundos) conseguem eliminar o parasita.

Fonte: NewsLab.


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