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Lama, açúcar e bactérias famintas: receita salva lagoas em Maricá – Despoluição

Despoluição das águas

Município decidiu investir em biotecnologia para revitalizar suas seis principais lagoas

Despoluição das águas
Como as “biobolas” ajudam na revitalização de lagoa em Maricá Imagem: Katito Carvalho

Despoluição das águas- Maricá, município a cerca de 60 km da capital fluminense, decidiu investir em biotecnologia para revitalizar suas seis principais lagoas. Os resultados do projeto, feito em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), já começam a aparecer. A cidade, que foi alvo de expressão depreciativa do prefeito carioca Eduardo Paes em 2016, pode se transformar, se as expectativas dos pesquisadores se confirmarem, em referência na revitalização ambiental.

Despoluição das águas vs revitalização – Despoluição

Batizado de Lagoa Viva, o projeto entre a Companhia de Desenvolvimento de Maricá (Codemar) e a UFF se concentra nessa primeira etapa na Lagoa de Araçatiba. A ideia é promover, por meio da utilização de micro-organismos, o reequilíbrio das condições ambientais, prejudicadas pelo lançamento de esgoto. “Por isso costumamos dizer que nossos processos não são de despoluição, mas, sim, de revitalização”, afirma o professor Estefan Monteiro, coordenador do projeto e pesquisador na área da biogeoquímica ambiental.

Essa revitalização é realizada por meio das chamadas mud balls (bolas de lama) ou mud bricks (tijolos de lama), compostas de lama, melaço e micro-organismos. Esses insumos são jogados na água e chegam ao fundo da lagoa, onde se encontra o lodo — a matéria orgânica oriunda, em grande parte, dos esgotos. O melaço, um açúcar puro, desperta as bactérias que passam a trabalhar, a se proliferar e a transformar o lodo em resíduos que servirão de alimentos para outras espécies. Além das “biobolas”, micro-organismos são também lançados na superfície da lagoa por meio de uma solução líquida.

A revitalização se dá, então, em um processo quase natural, de reequilíbrio do meio ambiente por meio dessa “ajudinha” que vem pelas mãos dos pesquisadores. “Quando o ser humano começou a povoar o mundo e sobrecarregar ambientes onde ele se concentrou, deu-se o desequilíbrio”, explica Monteiro.

A técnica aplicada em Maricá acelera esse processo de reaproveitamento que o meio ambiente não tem mais condições de fazer sozinho e no tempo correto. O insumo inserido pelos pesquisadores, ativado por meio de melaço (açúcar) e lactobacilos, funciona como um acelerador da reciclagem daquele ambiente que, por estar poluído, tem menos oxigênio e, por consequência, perdeu sua capacidade de degradar a matéria orgânica presente na água.

Bactérias unidas jamais serão vencidas – Despoluição

As bactérias que, em função daquele ambiente sobrecarregado, estavam trabalhando de forma autônoma passam a funcionar em grupo novamente. É uma reeducação dos organismos que estavam viciados em trabalhar de maneira errada, explica o coordenador do projeto. O material do fundo da lagoa torna-se, então, mais palatável e nutritivo para os organismos que habitam aquele ambiente. A partir daí, há uma reação na cadeia alimentar.

O micro-organismo é consumido por um organismo maior, que depois será consumido por um animal filtrador (que se alimenta de partículas de comida em suspensão na água, retidas por uma estrutura filtradora), que depois servirá de alimento para uma estrela-do-mar até chegar em um peixe que será pescado por uma ave que há tempos não dava as caras naquela lagoa. Dá-se, então, o aumento da biodiversidade do local.

Quando chegamos em Maricá, o fundo da lagoa era inóspito, com quatro organismos. Atualmente, já retornamos ao nível natural, que é de 12 ou 13 organismos em ambiente de água doce. Tivemos uma alta produtividade de peixes justamente por essa transferência de matéria orgânica. Até jacaré já foi avistado por lá”, conta Monteiro. Esse processo, segundo o pesquisador, ocorreu em oito meses, com os primeiros resultados em três meses. Em certos pontos, não há mais cheiro ruim. Segundo Monteiro, o avanço na Lagoa de Araçatiba já ultrapassa os 70%.

Agora, o desafio é descobrir por quanto tempo esse ambiente ficará estável. Fatores como o clima podem influenciar. A grande dúvida é: será preciso adicionar os insumos por quanto tempo e em qual quantidade para que a lagoa mantenha essa estabilidade? Enquanto a receita de lama, açúcar e bactérias famintas tenta salvar as lagoas, Maricá corre para tentar barrar e tratar o esgoto que é despejado nelas.


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Bactérias comendo plástico?

Despoluição das águas – A técnica usada em Maricá é utilizada na Ásia, sobretudo no Japão, desde os anos 1960. A Baía de Tóquio foi revitalizada dessa forma. A equipe liderada por Monteiro, que reúne pesquisadores que trabalham com políticas públicas há pelo menos dez anos, sobretudo com monitoramento e gestão ambiental em portos e planos municipais de engenharia para saneamento básico, buscou um método que se adaptasse à realidade brasileira.

“O Brasil tem a mania de importar tecnologia de países de primeiro mundo. Muitas não se adequam por aqui, tornando ineficazes. É como um médico que não consegue curar seu paciente. Por isso, passamos a correr atrás de soluções financeiras sustentáveis e de fácil aplicação”, afirma Monteiro.

Monteiro afirma que essa técnica pode ser replicada em outros projetos de revitalização de lagoas e rios no Brasil todo. Os pesquisadores trabalham, inclusive, no desenvolvimento de novas cepas de micro-organismo capazes de atacar outras matrizes como os hidrocarbonetos e polímeros, presentes nos plásticos. “É uma quebra de cultura. Esse método pode ser tranquilamente aplicável em outros ambientes. Os resultados colhidos em Maricá são irrefutáveis. Fico apaixonado por tudo o que está acontecendo. Cada dia temos uma boa novidade. Parece um seriado em que você maratona e fica ansioso para saber o próximo acontecimento”, compara.
A Universidade Federal Fluminense pretende dar continuidade a esse projeto por meio do laboratório de inteligência ambiental Aequor, coordenado por Monteiro, e nascido com o convênio com a Codemar de Maricá. Já há conversas em andamento com municípios como Cabo Frio e Búzios, no Rio de Janeiro, e Araraquara, em São Paulo.

“Apostar em ciência e tecnologia traz resultado”.

O projeto Lagoa Viva foi possível graças a um PDI — Plano de Desenvolvimento de Inovação, um convênio assinado entre Codemar e a UFF em maio de 2020.

Ao longo de quatro anos, a prefeitura repassará, no contrato que envolve outros programas, quase R$ 60 milhões à universidade. Para a revitalização das lagoas, serão R$16 milhões. Os bons resultados apresentados até o momento animaram a prefeitura de Maricá a criar uma empresa pública de biotecnologia, a Biotec, inaugurada em maio deste ano como uma subsidiária da Codemar.

Segundo o presidente da Codemar, Olavo Noleto, a decisão de investir na criação dessa estrutura permanente é atender não só a demanda de Maricá,mas de outros municípios do Rio e de outros estados — o que, diz Noleto, deve acontecer já em 2023.

O projeto prevê a abertura de um parque tecnológico com capacidade de produção de 60 mil litros de insumo por semana — Maricá consome, atualmente, 25 mil litros por semana.

“Apostar em ciência e tecnologia traz resultado, como vimos durante a pandemia. Nós achamos que podemos contribuir para isso e atender a sociedade como um todo”.

“O Lagoa Viva é uma quebra de paradigmas sobre como devemos tratar as nossas águas. A biotecnologia é o caminho. Outros já se mostraram errados. Maricá é uma cidade atrevida”, afirma Noleto

Em seu primeiro ano a Biotec receberá recursos da ordem de R$ 22 milhões. A previsão é que a empresa tenha cerca de 60 funcionários e funcione em imóveis de propriedade da Codemar.

Fonte: ECOA


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