Nós não usamos água de uma maneira eficiente. E não é difícil tentar explicar a importância da água na vida do ser humano. Basta, por exemplo, olhar para as proporções de água dentro da composição corporal de um indíviduo, onde 75% do peso do tecido muscular, 95% do sangue, 14% da gordura corporal e 22% dos ossos contém água. Em resumo, cerca de 60% do corpo é formado por água. A água tem um participação fundamental em nossas vidas e nós a estamos disperdiçando.
Em contra partida, enquanto o aumento do consumo vem crescendo exponencialmente nos últimos anos a disponibilidade de recursos vem sendo reduzida drasticamente. Ainda assim, apesar de toda importância desse recurso, curiosamente o mesmo tem sido negligenciado em sua utilização no decorrer dos últimos anos. Um aumento crescente da população global, uma utilização irrestrita e irracional e o constante lançamento de efluentes poluídos em corpos receptores de ambiente aquático têm levado a uma situação bastante preocupante.
Como conseqüência, começamos a ver um problema de grandes proporções ambientais para os próximos anos – maiores até do que a poluição do ar – que envolvem mudanças climáticas, perda de habitat de alguns seres vivos e obviamente depressão dos recursos naturais. A ausência de “água doce” limpa também levará a aumento de epidemias e doenças nas populações, influenciando enormemente a qualidade de vida de cada um.
Devido ao maior nível de contaminação de nossas fontes naturais e maior dificuldade de se obter esse recurso próximo às grandes cidades, a busca por soluções inovadoras e por tecnologias eficazes já começou. São inúmeras as tecnologias que fornecem água potável: hoje existem plantas de osmose reversa que dessalinizam água do mar; membranas de ultrafiltração que removem 99,99% das bactérias, além de resinas de troca iônica que removem seletivamente contaminantes como arsênico, nitrato, fluoreto, boro entre outros. No entanto, a velocidade de investimentos em tratamento de água e efluentes não acompanham o mesmo ritmo das novas tecnologias. E aqui ressaltam-se investimentos em novas estações ou ampliação das existentes e não somente em rede de distribuição. Seguramente as redes de distribuição tem um papel fundamental na saúde pública pois permitem que a população tenha acesso à água e esgoto, mas caso não haja investimentos em estações de tratamento na mesma proporção que em distribuição, qual a qualidade da água que chegará à essas residências?
No meio tempo, podemos analisar alguns dados e verificar a descrença da população quanto à qualidade da água pública fornecida. Água engarrafada, por exemplo, é o negócio de bebidas que cresce mais rápido no mundo. Entre 1997 e 2005 cerca de 165 bilhões de litros foram comercializados. Isso significa 25,5 litros por pessoa no mundo. Além de o Brasil estar entre os 10 maiores consumidores – os que consomem ¾ de toda água engarrafada do mundo -, o consumo tem triplicado de 2000 a 2005. A razão por esse boom está diretamente associada à busca por uma água mais segura para se beber devido a um nível de descrédito em alguns fornecimentos de água pública, a própria escassez de água em algumas regiões e a contínua contaminação de nossos recursos naturais.
Os investimentos em tratamento de água e esgotos urgem acontecer o mais rápido possível, não só pela escassez de recursos, mas também pressionados por uma desigualdade social. Apesar de o Brasil ter 12% de toda reserva mundial de água no mundo e ser um país de 190 milhões de habitantes, somente 20% da população mais rica tem acesso a água e saneamento em níveis comparados aos países desenvolvidos. De acordo com o relatório da GEO Recursos Hídricos, para reduzir à metade a população desatendida e ainda suprir a demanda crescente de água e saneamento nas cidades, o governo brasileiro terá de investir cerca de 170 bilhões de reais até 2020. Para se ter uma idéia, em 2008, o PIB do Brasil foi de cerca de R$ 3 trilhões, tomando-se esse valor e analisando-se a necessidade de investimentos, ao assunto tratamento de águas e saneamento deveriam ser dedicados aproximadamente 0,5% do PIB/ano.
Nas indústrias, a preocupação também se faz valer. Ainda que a fiscalização tenha sido aumentada, as indústrias ainda têm uma parcela significativa na contaminação de recursos hídricos. Além disso, com o crescimento do Brasil nos últimos tempos, as indústrias têm aumentado sua produção e consequentemente o consumo de água. Essa água utilizada pela indústria muitas vezes é relançada novamente nos corpos receptores, devendo passar antes por processos de tratamento bastante complexos em sua maioria – o que nem sempre ocorre. Muitas vezes o armazenamento incorreto de resíduos industriais também leva à contaminação de rios e lagos através da lixiviação pela chuva.
Em uma concepção mais sustentável, atualmente muitas indústrias estão buscando aproveitar a água que já passou pelo processo através do reuso. O reuso não só é um benefício ambiental, mas também tem provado ser uma vantagem econômica para as indústrias, uma vez que as mesmas acabam economizando na água a ser captada. Três variáveis trabalham concomitantemente quando o tema é reuso: técnica, meio-ambiente e economia. O perfeito equilíbrio dos três leva todos os lados a uma solução vencedora.
Uma maior consciência ambiental de nossa população e o incentivo de parcerias público-privadas devem ser o primeiro passo para que alcancemos em pouco tempo uma melhor perspectiva para o nosso futuro. O Brasil vive um momento de oportunidades e também é beneficiado por sua situação geoambiental. Ambos deveriam ser aproveitados. Focar os pontos críticos, como os investimentos frequentes e necessários na área de saneamento (e indiretamente em educação), criar e revisar legislações mais rigorosas, aumentar a fiscalização e facilitar subsídios são fundamentais para criarmos um novo horizonte. Há a necessidade de se reconhecer a divisão de responsabilidades nesse momento: a população deve compreender que a água é um recurso limitado e o governo e a indústria devem promover investimentos no setor a fim de evitar um desastre ambiental. Ainda há suficiente água para todos no mundo e especialmente no Brasil. Neste instante, necessitamos de uma ação responsável e com envolvimento de todos os níveis da sociedade para que não tenhamos que brigar por um litro de água no futuro.
Renato Giani Ramos – 34 anos, é engenheiro civil pela UNICAMP com mestrado em engenharia hidráulica e sanitária pela Escola Politécnica da USP. Atualmente é Gerente Técnico de Produto da DOW Química Brasil (Dow Water & Process Solutions) e já ocupou importantes cargos na DEGRÉMONT, YPÊ Engenharia e MAUBERTEC.