Todos os dias, mais de 3 mil toneladas de lodo resultante do tratamento de esgoto são produzidas no Brasil. Um novo projeto de pesquisa dá nova aplicação para esses dejetos; entenda
O tratamento do esgoto serve para retirar impurezas e permitir que ele seja descartado no ambiente sem causar grandes danos. Só que o processo não é livre de resíduos: no final, sobra uma grande quantidade de lodo. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) estimam que 3.090 toneladas desses sedimentos são produzidas todo os dias no Brasil. A quantia equivale a cerca de 310 caminhões-caçamba cheios.
Parte pequena de todo esse lodo é utilizada a na agricultura, mas o destino mais comum ainda são os aterros sanitários. Isso implica que, mesmo se forem destinados corretamente, tais restos segue ocupando espaço. E, caso seu descarte for incorreto, existe potencial para prejudicar o ambiente, poluindo o solo, contaminando o lençol freático e liberando gases nocivos para a atmosfera.
Um novo projeto de pesquisadores brasileiros ligados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), criaram uma solução inovadora pra tratar o lodo resultante do tratamento de esgoto.
O projeto envolve converter o lodo de esgoto em partículas conhecidas como pontos quânticos de carbono (ou CQDs, sigla em inglês para “Carbon Quantum Dots”). Descobertos acidentalmente em 2004, esses nanomateriais têm tamanho inferior a 10 nm, e são capazes de emitir luz azul quando são excitados por radiação ultravioleta. Por isso, podem ter aplicações em áreas como a microscopia celular e sensoriamento, além de possibilidades na eletrônica, agricultura e química (veja mais abaixo).
A técnica é possível porque o lodo possui grande quantidade de matéria orgânica rica em carbono. O que os cientistas fazem é aquecer o material usando micro-ondas, e também tratá-lo usando um equipamento chamado autoclave, onde o lodo é aquecido com vapor d’água durante um tempo determinado. Trata-se de uma técnica considerada simples, já que não envolve a necessidade de agentes oxidantes ou processos de purificação complexos.
“A produção a partir do lodo não só representa uma estratégia inovadora de valorização de resíduos urbanos, mas também contribui diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, especialmente os que tratam de cidades sustentáveis, inovação e consumo responsável”, diz em comunicado Ailton Terezo, um dos pesquisadores envolvidos no projeto.
A equipe que conduz os estudos envolve os pesquisadores Bruno L. Rossi, Cláudia M. B. Andrade, Eralci M. Therézio, Romildo J. Ramos, Leonardo G. Vasconcelos, Ailton J. Terezo e Adriano B. de Siqueira. Todos são parceiros do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro).
Veja abaixo possíveis aplicações dos pontos quânticos de carbono:
Diagnóstico médico
Os CQDs emitem luz quando iluminados por radiação UV, o que faz com que eles possam ser usados como marcadores fluorescentes em exames celulares. Além de permitirem usos como a análise de células vivas no microscópio, também são promissores para o diagnósticos de doenças ou testes de medicamentos.
Agricultura
Aplicados no solo ou nas folhas, os CQDs podem estimular o crescimento vegetal por melhor aproveitamento da luz (efeito fotossintético). Esse efeito pode melhorar a produtividade em hortas ou plantações de larga escala, sem o uso de fertilizantes convencionais.
Sensores ambientais
CDQs podem mudar de cor na presença de certos poluentes ou metais pesados, como mercúrio ou chumbo. Essa característica permite sua utilização em sensores portáteis de baixo custo para monitoramento da qualidade da água em rios, poços e estações de tratamento.
Eletrônica e energia
Os CQDs têm propriedades semicondutoras, que podem ser exploradas em células solares, LEDs e baterias. Isso pode permitir, por exemplo, o desenvolvimento de LEDs sustentáveis ou painéis solares mais baratos.
Processos químicos
Os CQDs funcionam como catalisadores verdes, acelerando reações químicas sem gerar resíduos tóxicos. Isso pode servir, por exemplo, em áreas como a purificação de efluentes industriais ou domésticos.
Fonte: Revista Galileu